O Direito da Internet : O Nascimento de um Novo Ramo Jurídico.

AutorMarcio Morena Pinto
Cargoestudante do 6o semestre do curso de Direito da Universidade Prestiteriana Mackenzie e pesquisador na área de Direito da Informática da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo

1. O DIREITO COMO CIENCIA E SUAS DIVISÕES

Como nos lembra Reale(1) , a Ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico em todas as suas manifestações e momentos, não se restringindo somente à experiência já aperfeiçoada e formalizada em leis, mas também, analisando seu desenvolvimento contínuo na sociedade e consequentemente nas relações de convivência.

Tomando-se a idéia do Direito como ciência, e considerando que para bem estudá-la, assim como para estudar qualquer outra ciência, necessária se faz uma divisão que discrimine de maneira bastante clara suas funções, destacar-se-á a seguir a primeira divisão, herança dos antigos romanos, a qual distinguia o direito público do privado.

Como nos lembra Marky de maneira bastante simplista, o direito público regula a atividade do Estado e suas relações com particulares e outros Estados, enquanto o direito privado trata das relações entre particulares: Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem pertinet (2) .

A partir desta primeira divisão, muitas subdivisões se sucederam com o passar do tempo para melhor esclarecer os segmentos engendrados dentro dos pólos público e privado.

Tomando-se a divisão clássica e olvidando as controvérsias doutrinárias que não se fazem relevantes no presente estudo, poder-se-ia citar no campo do direito público as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual, Direito Penal, Direito Internacional Público, Direito Tributário e Direito das Finanças Públicas. No campo privado: Direito Civil e o Direito Comercial ou Mercantil, sendo que os demais direitos se situariam numa esfera ainda nebulosa, de difícil classificação, como o Direito do Trabalho, Direito Agrário, Econômico, Urbano, Empresarial, Florestal, Internacional Privado etc.

Vale ressaltar ainda que cada um desses ramos não existe de forma absolutamente independente, muito pelo contrário, há um liame entre cada um deles para que juntos constituam a unidade, o todo que é o Direito.

Como mencionado alhures, sendo o direito extremamente dinâmico na medida em que caminha pari passu com a sociedade, ou melhor dizendo, com o progresso social, as novas realizações no plano tecnológico – as novas situações fáticas e os novos valores, para parafrasear uma vez mais o mestre Reale -, acabam por incitar o aparecimento de novos corpos ou sistemas de normas, destinados a disciplinar de maneira própria, determinadas situações jurídicas.

Destarte, ao lado dos já tradicionais ramos do direito (as disciplinas fundamentais), surgem ramificações que visam à especialização, buscando sempre melhor atender às lacunas que vão sendo criadas pelas novas relações jurídicas. São as disciplinas complementares ou auxiliares, geralmente mescladas com outras ciências, cuja importância evidencia-se no enriquecimento do saber jurídico, trazendo-lhe novos horizontes e contribuições originais.

  1. O DIREITO DA INTERNET COMO NOVA DISCIPLINA

    As disciplinas jurídicas complementares são inumeráveis, sendo tantas quantas forem as possibilidades de outras ciências trazerem a sua contribuição ao estudo do direito(3) .

    Em consonância a essa linha de raciocínio, resgatamos o tema do desenvolvimento tecnológico das redes digitais e da sociedade de informação, inserindo-os mais propriamente no universo disciplinar da Informática Jurídica – “uma espécie de matriz originária do atual direito da Internet”(4) , a fim de propugnar no sentido de elevar as relações entre o Direito e a Informática - de maneira particular as relações entre Direito e Internet -, a um patamar de disciplina auxiliar ou complementar às disciplinas fundamentais.

    3. ORIGEM HISTÓRICA

    É próprio da humanidade conceber a técnica como um ator autônomo, separado da sociedade e da cultura.

    Em contraposição a essa postura prosaica, o filósofo Pierre Lévy defende a técnica como um ângulo de análise dos sistemas sócio-técnicos globais, um ponto de vista que enfatiza a parte material e artificial dos fenômenos humanos, e não uma entidade real existente independentemente do resto, agindo por vontade própria.(5)

    Haja vista a impossibilidade de separar-se o ser humano daquilo que inventa, produz e utiliza, a tecnologia assume uma feição de produto de uma sociedade e de uma cultura, refletindo portanto nas mais diversos campos científicos.

    Um dos primeiros cientistas a considerar essa interação no ramo do direito foi Norbert Wiener, aclamado como “o Pai da Cibernética”. Junto de outros cientistas, afirmou na década de 40 que “o conjunto de problemas centrados no controle e na comunicação, tanto no tecido vivo quanto na máquina, apresentavam uma unidade essencial.”(6)

    Dentre suas reflexões acerca da possibilidade de aplicação da Cibernética ao Direito, coloca os problemas da lei como problemas de controle sistemático e reiterável de certas situações críticas, conceituando-a como:

    o controle ético aplicado à comunicação e à linguagem enquanto forma de comunicação, especialmente quando tal aspecto normativo esteja sob o mando de alguma autoridade suficientemente poderosa para dar às suas decisões o caráter de sanção social efetiva.

    (7)

    Outra figura importante a ser lembrada como pioneiro na doutrina que exsurge é a do advogado Lee Loevinger. Seu objetivo foi criar uma disciplina jurídica nova, de caráter empírico, cujo propósito seria a racionalização do Direito mediante a aplicação dos métodos quantitativos de automação à experiência jurídica. A essa disciplina chamou-se Jurimetria.

    Posteriormente, Hans W. Baade concluiu as idéias de Loevinger, atestando que a Jurimetria visava de maneira individual três setores fundamentais de pesquisa: o processamento eletrônico de dados jurídicos, o uso da Lógica no campo do Direito e a análise das decisões judiciais.(8)

    Mais recentemente, o jurista Mário Losano afasta a Jurimetria de Loevinger e a Cibernética de Wiener, situando-as num plano histórico e reciclando o objeto dessas duas ciências através da criação da Juscibernética.

    Como coloca De Lucca, são quatro as possíveis abordagens da Juscibernética ao Direito para esse jurista italiano:

  2. O mundo do Direito, na sua totalidade, é considerado como um...

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