A nova Lei de Arbitragem Voluntária: principais alterações introduzidas

AutorSofia Martins - João Vilhena Valério
CargoAdvogados Da área de Contencioso e Arbitragem de Uría Menéndez - Proença de Carvalho (Lisboa).
Páginas17-30

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Introdução

No passado dia 14 de dezembro de 2011, foi publicada a Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, a qual contém em anexo a nova Lei da Arbitragem Voluntária (a nova LAV).

A nova LAV entrou em vigor no dia 15 de março de 2012 e aplicar-se-á a procedimentos iniciados 1 após a sua entrada em vigor, podendo ser aplicada a procedimentos iniciados antes daquela data mediante acordo das partes ou não oposição, em 15 dias, a um pedido para este efeito formulado por uma das partes.

Conforme consta da exposição de motivos da proposta de Lei 22/XII 2, um dos objetivos da nova LAV é o de «(...) aproximar a Lei de Arbitragem Voluntária ao regime da Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional, com vista a sensibilizar as empresas e os profissionais de diversas áreas que frequentemente recorrem à arbitragem noutros países -sobretudo naqueles com os quais o nosso se relaciona economicamente de forma mais intensa- para as vantagens e potencialidades da escolha de Portugal como sede de arbitragens internacionais, nomeadamente no caso de litígios em que intervenham empresas ou outros operadores económicos de países lusófonos ou em que a lei aplicável seja a de um destes». Prossegue, referindo que: «[a] probabilidade de o nosso país ser escolhido como sede de arbitragens

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internacionais será, com efeito, muito maior se a legislação aqui aplicável for familiar à comunidade da arbitragem internacional, por se inserir numa matriz normativa cujas soluções já foram testadas pelos tribunais de outros países e em que os problemas que mais frequentemente se suscitam já foram aprofundadamente analisados e resolvidos pela doutrina e jurisprudência estrangeiras e internacionais».

Outro dos objetivos da nova LAV -acrescentaríamos- é o de facilitar o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, tendo o legislador português, nesse sentido, introduzido um regime semelhante ao previsto na Convenção de Nova Iorque de 1958, sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque).

Tentaremos fazer, neste trabalho, uma descrição - necessariamente não exaustiva- do regime introduzido pela nova LAV por comparação com as soluções contidas no regime anterior (a LAV), indicando as fontes nas quais a Associação Portuguesa de Arbitragem (APA) -grande impulsionadora do processo de elaboração do novo diploma- colheu inspiração para a formulação das várias normas introduzidas 3.

Nesse sentido, foram selecionadas as 15 alterações que, em nosso entender, são mais dignas de nota, as quais se passam a descrever e a analisar.

Critério de arbitrabilidade dos litígios

O critério para a arbitrabilidade consagrado na LAV -art. 1.º, n.º 1- era o da disponibilidade dos direitos, à semelhança do que sucede em vários ordenamentos jurídicos. Considerava, pois, a LAV que qualquer litígio que não versasse sobre direitos indisponíveis poderia ser submetido pelas partes à decisão de árbitros (sempre que não estivesse submetido exclusivamente a um tribunal judicial ou a arbitragem necessária).

A nova LAV operou uma mudança significativa nesta matéria. Efetivamente, na exposição de motivos da proposta de Lei 22/XII pode ler-se o seguinte:

O presente diploma vem, assim, alterar o critério de arbitrabilidade dos litígios, fazendo depender esta não já do caráter disponível do direito em litígio, mas antes, em primeira linha, da sua natureza patrimonial, combinando, porém esse critério principal, à semelhança do que fez a lei alemã, com o critério secundário da transigibilidade do direito controvertido, de modo a que mesmo litígios que não envolvam interesses patrimoniais, mas sobre os quais seja permitido concluir transação, possam ser submetidos à arbitragem

.

Nesse sentido, passou a prever-se, no artigo 1.º, n.º 1, da nova LAV, que «[d]esde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros». O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que «[é] também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transação sobre o direito controvertido» 4.

Importa ainda ter em consideração que, no que diz respeito à arbitragem internacional, acrescenta-se, no art. 51.º da nova LAV, que o litígio será arbitrável se estiverem cumpridos os requisitos estabelecidos a este respeito ou pelo direito escolhido pelas partes para regular a convenção de arbitragem ou pelo direito aplicável ao mérito da causa ou pelo direito português 5.

Efeito negativo da convenção de arbitragem

A LAV acolhia já o chamado efeito positivo do princípio da Kompetenz-Kompetenz no seu art. 21.º, n.º 1, nos seguintes termos:

O tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que

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ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção

.

Em todo o caso, a questão não podia ser apreciada ex officio, devendo ser suscitada pela parte deman-dada (até à apresentação da contestação ou conjuntamente com esta), podendo ser imediatamente decidida, ou relegar-se a sua decisão para o momento da prolação da sentença. Caso a decisão sobre a competência (ou jurisdição) fosse tomada no início, declarando-se o tribunal arbitral competente, a sua decisão só poderia ser impugnada após uma decisão de mérito. Tal era, de facto, o que resultava do art. 21.º, n.º 4, da LAV, o qual previa o seguinte: «A decisão pela qual o tribunal arbitral se declara competente só pode ser apreciada pelo tribunal judicial depois de proferida a decisão sobre o fundo da causa (...)».

A nova LAV mantém a regra de que o tribunal se pode pronunciar sobre a sua própria competência nos mesmos termos (art. 18.º, n.º 1 6 e n.º 4 7). Acrescenta ainda que a decisão interlocutória na qual o tribunal arbitral considere ter competência pode ser impugnada por qualquer das partes, no prazo de 30 dias a contar da sua notificação, perante o tribunal estadual competente, não suspendendo, no entanto, esta impugnação, a eficácia da decisão (art. 18.º, n.º 9 8 e n.º 10 9).

No que respeita ao chamado efeito negativo do princípio da Kompetenz-Kompetenz, ou seja, saber se um tribunal estadual deve declarar-se incompetente quando confrontado com uma convenção de arbitragem ou com um pleito com o mesmo pedido ou causa de pedir de um procedimento arbitral em curso, a LAV era totalmente omissa. De facto, a única referência legal a este respeito constava do Código de Processo Civil (nos seus arts. 494.º, alínea j), e 495.º): a existência de uma convenção de arbitragem é uma exceção dilatória que pode ser invocada pela parte demandada (não podendo ser conhecida oficiosamente pelo tribunal estadual).

A nova LAV passa, por sua vez, a prever expressamente, no art. 5.º, n.º 1 10, o efeito negativo da convenção de arbitragem, determinando que o tribunal estadual deve absolver da instância o réu que tenha deduzido uma exceção por violação de convenção de arbitragem, a não ser que o tribunal estadual verifique que, «manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível».

Em relação à LAV, levantava-se a questão de saber (a) se devia haver uma prioridade ou preferência legal pela decisão do tribunal arbitral; (b) se a apreciação da validade da convenção de arbitragem devia ser feita de forma aprofundada por parte do tribunal estatal; ou (c) se, contrariamente, tal apreciação podia ser feita prima facie, devendo o tribunal judicial considerar procedente a exceção apenas se entendesse que não existia convenção ou se esta fosse manifestamente nula; ou, por último, se fosse evidente que o litígio não era arbitrável ou se a convenção se tornara ou fosse manifestamente ineficaz ou inexequível 11.

A nova LAV veio, cremos, resolver esta disputa: fica clara a opção pela corrente segundo a qual a decisão do tribunal estadual só vinculará o tribunal arbitral quando a nulidade da convenção seja manifesta, consagrando-se de forma clara o chamado efeito negativo do princípio da Kompetenz-Kompetenz.

Finalmente, deve fazer-se uma referência ao art. 5.º, n.º 4, da nova LAV, segundo o qual as questões relativas à nulidade, ineficácia ou inexequibilidade de uma convenção não podem ser discutidas de forma autónoma numa ação ou procedimento cautelar intentados num tribunal estadual que tenha como finalidade impedir a constituição ou o funcionamento do tribunal arbitral. Desta forma fica expres-

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samente consagrada a proibição do recurso às conhecidas anti-arbitration injunctions do direito anglo-saxónico (ou de mecanismos equivalentes).

Independência e imparcialidade dos árbitros

A LAV regulava a independência e imparcialidade dos árbitros no seu art. 10.º, dizendo apenas e tão só o seguinte:

1 - Aos árbitros não nomeados por acordo das partes é aplicável o regime de impedimentos e escusas estabelecido na lei de processo civil para os juízes.

2 - A parte não pode recusar o árbitro por ela designado, salvo ocorrência de causa superveniente de...

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