Abordagem a interpretagao das «restrigóes graves» do regulamento 2790/99 dacomissáo

AutorFortuna de Oliveira
Páginas121-141

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I Referencia aos actuáis principios do direito da concurrencia comunitario aplicáveis aos acordos verticais: o regulamento 2790/99 e o regulamento 1/2003

A política de concurrencia comunitaria aplicável aos acordos verticais sofreu urna profunda alteracao a partir do final dos anos 90, tendo sido reformulados os respectivos pressupostos materiais e processuais.

A «antiga» política de concorréncia comunitaria aplicável aos acordos verticais, era essencialmente caracterizada por urna interpretado lata e alargada da no§áo de restricáo da concorréncia na acepcáo do artigo 81/11 —implicando que a grande maioria dos acordos seriamPage 122considerados contrarios e violadores desta norma2—, bem como pela atribuicáo do monopolio de concessáo das isencóes previstas no n.° 3 do artigo 81 á Comissáo.

Com a adopcáo do Regulamento 1/20033 foi alterado de forma radical a aplicacao dos artigos 81 e 82 do tratado UE, consagrando urna nova política baseada na adopcáo de dois criterios diferenciados: o principio de descentralizagao da competencia na aplicacao da globalidade do artigo 81 e a adopcáo do sistema de «excepgdo legal», permitindo a respectiva aplicacao directa, prescindindo do requisito de notificacáo previa. A consagracáo do «regime de excepgao»4 A determina que a proibicáo contida no artigo 81/1 nao será aplicável quando estes acordos preencham os requisitos previstos no respectivo n.° 3, sendo válidos desde a sua celebracáo, sem que para tal requeiram a intervencao de urna autoridade administrativa com poderes declaratorios para o efeito.

Por outro lado, a adopcáo do Regulamento n.° 2790/995 institui urna nova abordagem á política da concurrencia em materia de acordos verticais, alterando a apreciacáo da restricáo da concorréncia neste dominio6, consagrando em grande parte, as criticas dirigidas por largo sectorPage 123da doutrina durante décadas7. Como ideias centráis expressas nesta nova abordagem, deveráo ser mencionadas:

  1. A influencia da orientacáo económica, profundamente marcada pelo direito anti-trust norte-americano, segundo a qual os acordos verticais nao reflectem, em principio, restricóes a concorréncia per se8.

  2. A consideracáo de que em materia de acordos verticais, a restricáo da concorréncia relevante nao será fixada na análise intrabrand mas antes numa abordagem ínter-brand, reforjando a visibilidade da influencia anti trust própria e típica do direito da concorréncia norte-americano.

    A nova abordagem é essencialmente determinada por urna nova concepcáo de restricáo da concorréncia contida e protegida pelo artigo 81, entendido na sua globalidade, considerando que a capacidade dos acordos celebrados entre empresas para restringir ou falsear a concorréncia depende do impacto que estes podem causar no mercado, facto que estará intrínsecamente relacionado com o poder de mercado que as empresas detém9; na ausencia de poder de mercado, os acordos, em principio, nao tém potencialidade para restringir a concorréncia10.

    É com base neste principio que o Regulamento n.° 2790/99 é criado, pelo que a sua implementacao irá provocar urna enorme alteracao na visualizacao das regras de concorréncia, implicando urna abordagem mais económica em detrimento da análise formal das cláusulas coñudas nos acordos.

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    A questáo da seguranza jurídica tem sido urna das questóes que mais tem mobilizado a doutrina, interrogando-se sobre o grau de inseguranca acrescida que a dupla reforma implementada poderá acarretar, constituindo o resultado (possível) da aplicacáo conjunta de dois factores:

  3. Pelos problemas suscitados pela aplicacáo directa da globalidade do artigo 81.

  4. Pelos problemas provocados pela aplicacáo dos principios con sagrados pela nova política de concorrencia em materia de acordos verticais, sobretudo os derivados da correcta identificacáo da quota de mercado e do respectivo mercado relevante.

    A possibilidade de que a aplicacáo descentralizada do artigo 81 pos-sa por em causa a aplicagao uniforme do direito comunitario reforcará, ainda, segundo alguns autores, o aumento da inseguranca jurídica11.

II A nogáo e a funcáo das restrigóes graves previstas no regulamento 2790/99

O texto do artigo 81/1 revela, como é sabido, que a restricáo da concurrencia pode ser apreciada em relacáo ao objecto12 ou aos efeitos do acordó.

Esta dupla referencia contida no texto do artigo 81 foi desde sempre entendida pelas instancias comunitarias como urna via alternativa de apreciacáo do carácter restritivo do acordó e nao como urna exigencia de requisitos cumulativos de aplicacáo, ou sequer de apreciacáo complementar. Este entendimento tem sido essencialmente fundamentado pela própria redaccáo do texto, valorizando a palavra «OM», conferindo a esta interpretacáo um elevado grau de seguranca.

A redacáo em alternativa do artigo 8113 permitiu a interpretacáo segundo a qual a partir do momento em que o acordó fosse consideradoPage 125restrítivo da concorréncia pelo seu próprio objecto, nao seria necessária a realizagáo de urna análise complementar referente aos seus efeitos, tendo, assim, sido determinado no acórdáo «Grundig v. Consten» (1962)14 que a tomada em consideracáo dos efeitos concretos de um acordó seria superfina, desde que fosse verificado que aquele, pelo seu próprio objecto, restringia a concorréncia.

Poderia considerar-se que a nocáo de poder de mercado, adoptada como criterio determinante na nova abordagem, constituiría a aliada perfeita da análise do acordó atendendo aos efeitos restritivos da concorréncia; pelo contrario, a análise do carácter restritivo do acordó atendendo ao seu objecto tornarsela incoerente, senáo mesmo incompatível com os principios adoptados pela nova abordagem 15. Ora, se bem que a nova abordagem prefira a apreciacáo da restricáo da concorréncia atendendo aos respectivos efeitos, o Regulamento 2790/99 mantém a interdicáo da restriego da concorréncia pelo objecto, atribuindo-lhe urna importancia que sendo residual, nao deixa de ser importante. Assim, no Considerando 7 da Comunicacao da Comissáo referente as Orientacóes relativas as restricóes vertícais, esclarece que: «... no caso das res-triqoes pelo objecto, tal como indicadas no artigo 4 do Regulamento de Isengao por Categoría, a Comissáo nao tem de apreciar os efeitos reais sobre o mercado»16.

E assim, os artigo 4 e 5 do Regulamento n.° 2790/99 prevéem um conjunto de cláusulas consideradas restritivas da concorréncia per se cuja aplicacao nao requer a verificacáo do poder de mercado por parte das empresas participantes do acordó. A funcao atribuida a esta tipolo-gia de cláusulas é expressamente mencionada nos Considerandos 10 e 11 do Regulamento 2799/99, determinando que a sua presenca nos respectivos contratos, e independentemente da quota de mercado das empresas em causa, provocará a nao aplicacao da isencao ao acordó em causa (no caso das cláusulas previstas no art. 4)17 ou a nao aplicacao daPage 126isengáo á cláusula prevista (no caso das cláusulas identificadas no art. 5)18.0u seja, independentemente da quota de mercado que a empresa em causa detenha, a presera das cláusulas consideradas restritivas per se impede a aplicagáo da isengáo automática prevista no Regula-mento 2790/99.

A inclusáo de cláusulas restritivas per se tem merecido criticas por parte de alguma doutrina, baseadas na incoeréncia ao nivel dos principios; assim, para alguns autores, os criterios de análise económica que orientam o Regulamento 2790/99, seriam incompatíveis com a inclusáo de normas consideradas restritivas de forma automática, sem a possibilidade de serem analisados num contexto económico19. Para outros autores, porém, a lista de cláusulas consideradas restritivas per se seria demasiado extensa: somente as imposigóes ao nivel dos pregos e a pro-tecgáo territorial absoluta seriam restritivas pela sua própria natureza ou pelo seuobjecto20.

1. Exemplos de restricoes «graves»: as restricoes a concorrencia passiva e a clausula de nao concorrencia

Analisando a alinea b) do artigo 4 do Regulamento 2790/99 é identificado e considerado como cláusula restritiva per se a restricáo relativa ao territorio ou em relagáo aos clientes relativamente aos quais o comprador pode vender os bens ou os servicos contratuais. As excepgóes a este principio encontram-se previstas e sao objecto de urna referencia expréssa21 no mesmo articulado legal.

Perante esta sistematizagáo, o artigo 4 pode ser interpretado no sentido de que as excepgóes nele mencionadas constituem urna forma de «white list» dentro do principio geral de interdigáo, pelo que somente o tipo de restriqao previsto enquanto excepcao será admitido. Ou seja, e segundo julgamos ser a interpretagao correcta, as restrigoes impostas ao territorio ou em relagáo aos clientes relativamente aos quais o comprador pode vender os bens é proibida, a menos que caiba dentro dasPage 127exceptes previstas, ou seja, ñas situagoes que, a título excepcional, sao admitidas22.

A primeira excepgáo permite que o acordó preveja restricóes as vendas activas para um territorio exclusivo ou a um grupo exclusivo de clientes reservado a outro comprador/distribuidor, desde que tal res-trigáo nao limite as vendas dos clientes do comprador23. Numa interpretacao a contrarium, o texto legal interdita as restricóes as vendas passivas, permitindo, apenas, as restrigoes as vendas activas2425.

Esta impossibilidade mereceu a...

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