Alternativas a prisão no sistema norte americano: uma justiça sensível?

AutorLudmila Mendonça Lopes Ribeiro
CargoMestranda em Administração Pública e Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Fundação.
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Alternativas a prisão no sistema norte americano: uma justiça sensível?

Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro*

Resumo

Atualmente, coloca-se a falência da prisão como um grande problema a ser resolvido pela sociedade contemporânea em todo o mundo. Inúmeros debates são colocados acerca dos mecanismos alternativos de punição de indivíduos, principalmente, no que se refere as novas perspectivas adotadas pelos Estados Unidos da América.

O estudo que nesse momento se apresenta pretende descrever algumas das experiências "alternativas" ao cárcere adotadas pela sociedade norte americana. Os relatos são baseados na leitura das bibliografias que se encontram ao fim do trabalho, sendo que nenhum dos programas foi visitado para a conformação final do relato.

Com a descrição dos mecanismos de funcionamento de determinadas sanções, pretende-se discutir em que medida tais questões foram transpostas ou são passíveis de ser para a realidade brasileira.

Por fim, pretendeu-se colocar uma breve conclusão acerca das principais questões que a experiência norte americana pretende suscitar, principalmente, no que se refere ao ideal de justiça e a democracia do sistema punitivo vigente nessa sociedade

Considerações Iniciais

Não há como se falar em alternativas ao sistema prisional sem antes tecer algumas considerações acerca da evolução e decadência do sistema prisional. Inventado pela Europa no século XVIII para suprimir torturas, mutilações e execuções, os EUA adotam os estabelecimentos penitenciários, propriamente ditos, no século XIX, apesar de antes a referida nação ter vivenciado algumas experiências de tal natureza.

A penitenciária surge nos EUA como base da reabilitação, visto que baseia-se na educação e no labor, entretanto, inapta a produzir resultados eficientes do ponto de vista da baixa reincidência e da redução da criminalidade.

Atualmente, no país em análise observa-se o fenômeno que costumou-se denominar indústria das prisões. Isso porque inúmeras penitenciárias em todos os estados da federação foram privatizadas. A partir desse momento, o cárcere se conformou como lócus extremamente produtivo, na medida em que se profissionalizou o preso e instalou-se meios industriais de produção. Com isso, a mão de obra extremamente capacitada e minimamente dispendiosa colocou a unidade prisional como um dos mercados mais atrativos e competitivos da atualidade. Entretanto, tal fenômeno não foi acompanhado pela redução da taxa de criminalidade e reincidência nos estados em que foi adotada.

No período compreendido entre 1965 e 1975, aconteceu um aumento percentual de 94% do número de assassinatos. Na década seguinte, a situação se agrava com o surgimento do tráfico de drogas e assim, tem-se um novo crime extremamente ofensivo e epidemiológico. As políticas públicas responderam colocando mais criminosos nas prisões e endurecimento das sentenças. Com isso ocorreu uma redução do delito violento, mas um significativo aumento dos não violentos.

No cenário atual, onde o encarceramento maior colocou uma pífia redução apenas nos crimes não violentos, sem alterar os violentos, as ruas tornaram-se lugares inseguros e assim, a população reagiu colocando que as políticas públicas não são para desculpar os criminosos de pequeno potencial ofensivo ou satisfazer a emoção pública no que se refere aos crimes violentos e sim, para reduzir o medo e as emoções ruins da sociedade.

As taxas de criminalidade nos EUA variam em relação inversamente proporcional ao endurecimento das sanções penais. Até a década de 90, o fenômeno vigente era o abrandamento da punição dos criminosos de maior periculosidade em detrimento do acirramento do tratamento conferido aos crimes não violento. Entretanto, ao contrário do que se pretendia realizar, em 1995, as estatísticas denotam o aumento dos delitos violentos e redução dos demais.

O início da década de 90 foi marcado por um intensivo encarceramento. Para se ter uma idéia da magnitude do fenômeno, anualmente são investidos 30% mais recursos que no ano anterior no sistema prisional. Manter alguém preso custa mais que um estudante em Havard uma das mais caras Universidades Norte Americanas. No intuito de comprovar a ineficácia no cárcere no que tange ao cumprimento de sua missão institucional, em 1994, Robert Martinson publicou um survey cujo resultado maior era que salvo raras exceções, a prisão não reabilitou ninguém.

Nesse sentido, o governo promove uma reforma criminal, cujos objetivos da lei eram a prevenção do crime e não a punição maliciosa de seu próprio espírito. Estabelece-se, dentre inúmeros programas alternativos a punição através da privação da liberdade, a pena de prestação de serviços a comunidade como uma nova maneira de se punir, a qual será analisada no capítulo a seguir.

Prestação de serviços a comunidade

A nova modalidade de pena instituída com a reforma do sistema de punições em meados da década de 90 é resultante do ideal de se economizar o cárcere apenas aos criminosos de maior potencial ofensivo e assim, submeter os de menor periculosidade ao trabalho na comunidade sob a supervisão do sistema de justiça criminal.

A pena de prestação de serviços a comunidade possui como seu primórdio o sistema de bases de restituição, sendo assim, uma maneira particular do criminoso recompensar as vítimas maiores de seu ato delituoso, que é a coletividade, da injúria e das perdas e danos que ela sofreu.

Essa visão do criminoso compensar a sociedade dos danos que ele causou com a conduta desregrada decorre da concepção de que o crime é praticado contra o Estado e assim, a punição deve ser proporcional a ofensa por ele sofrida. Entretanto, como o infrator continua a ser um membro social, ele deve ser reeducado para a vida em comunidade e assim, a prestação de serviços a entidades deve imputá-lo os valores moralmente colocados.

No que tange a trajetória percorrida pela pena de prestação de serviços a comunidade, a primeira notícia histórica de sua utilização está vinculada ao Império Romano. A essa época, os romanos usavam os criminosos para a realização de trabalhos públicos como a conservação de estradas e a mineração. Entretanto, tais atividades nunca possuíram nenhuma vinculação com o propósito de preparar o delinqüente para o retorno a sociedade.

No século XVII, a Inglaterra passa a utilizar os criminosos nos serviços de manutenção de seus navios e até mesmo como trabalhadores braçais nas suas colônias carentes de escravos.

A Constituição dos Estados Unidos, em seu artigo terceiro passa a proibir a escravidão ou a servidão involuntária, entretanto, permite que determinados crimes sejam punidos com o trabalho forçado. Entretanto, esse instituto sempre foi contemplado de maneira muito restrita nas sentenças criminais e com o passar do tempo foi totalmente esquecido pela Corte de Justiça Norte Americana.

A modernidade da pena de prestação de serviços ocorre em 1966, na Califórnia, quando os juizes começam a colocar o trabalho como alternativa a privação da liberdade para aqueles que praticaram crimes contra o sistema tributário.

Entretanto, essa modalidade de sanção dissemina-se apenas em 1970 com a promulgação do Federal Law Enforcement Assistence Administration (LEAA) que regulamenta a cominação da prestação de serviços a comunidade com outra modalidade de sanção penal em detrimento da privação da liberdade.

A regulamentação colocava que os condenados a prestação de serviços a comunidade deveriam ser encaminhados a obras, projetos e serviços públicos, bem como hospitais, centros de serviços e outras entidades de natureza puramente assistencial para realizarem atividades de serviços gerais. Nesse momento, o grande questionamento que se coloca é o fato dos criminosos realizarem trabalhos pouco produtivos e qualificados e, por isso mesmo, rejeitados pelo restante da população norte americana.

Assim, em 1980, o LEAA desaparece, mas não a sua concepção de evitar o cárcere para determinados criminosos. Além disso, a prestação de serviços comunitários permitia inúmeros serviços gratuitos ao Poder Público, o qual, até então, deveria promover os altos custos de punição do sentenciado através do cárcere. Além disso, com a adoção dessas medidas, os ofensores podiam amenizar os prejuízos por eles causados com a prática da conduta delituosa e conseqüente movimentação do aparato de justiça criminal. Dessa forma, o maior benefício do labor comunitário enquanto sanção penal é a compensação da ruptura dos valores moralmente aceitos com a realização de um trabalho socialmente útil.

Durante a década de 80, a pena de prestação de serviços a comunidade careceu de uma regulamentação geral a nível federal, cabendo a cada estado estabelecer as disposições relativas a esse mecanismo alternativo a privação da liberdade. A essa época, os principais problemas encontrados na efetivação dessa sanção penal eram:

- Ausência de uma agência especializada para alocar os indivíduos condenados a pena de prestação de serviços a comunidade, de maneira que eles não fossem alocados em serviços pouco úteis ou degradantes;

- Ausência de controle e racionalidade na determinação do lapso temporal em que deveria se processar a prestação de serviços a comunidade. Como exemplo das grandes disparidades verificadas entre estados da federação norte americana, tem-se o crime de dirigir embriagado que no estado da Califórnia redundaria no labor comunitário durante noventa horas. Entretanto, em New Jersey, o mesmo delito implicaria na sanção de noventa dias.

No intuito de racionalizar o processo de aplicação da pena de prestação de serviços a comunidade alguns juizes sugeriram fixar a sentença de acordo com a fórmula segundo a qual cada dia de encarceramento seria substituído por seis horas de trabalhos comunitários. Entretanto, essa proposição não foi aceita e as regras continuam a variar conforme o estado em que são aplicadas.

Atualmente, ainda não existem dados oficiais acerca de quantos indivíduos, efetivamente[1], deixaram de ir para o cárcere em virtude...

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