A responsabilidade dos administradores da insolvência

AutorJoão Anacoreta Correia E Carlos Sousa Barbosa
CargoAdvogado e Advogado Estagiário da área de Comercial da Uría Menéndez (Porto)
Páginas122-126

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Introdução

A razão de ser do presente artigo explica-se em poucas palavras.

Em Portugal, no ano de 2008, o número de processos de insolvência aumentou mais de 50% face a 2007. O que é o mesmo que dizer que nas secretarias dos tribunais deram entrada mais de 3.200 processos.

Na sua maioria as acções foram requeridas pelos credores, designadamente instituições financeiras e fornecedores, tendo somente em 30% dos casos sido apresentadas pelas próprias entidades insolventes. Os distritos mais afectados foram o Porto com 906 processos, Lisboa com 651 e Braga com 533, e os sectores dos fabricantes, grossistas, reta -lhistas e da construção civil os mais prejudicados.

Acresce que os últimos dados recolhidos reflectem ainda um maior agravamento do fenómeno. Só durante o mês de Janeiro deste ano, cerca de 300 empresas foram apresentadas à insolvência, ou seja, cerca de 15% mais do que no período homólogo de 2008, tendo a construção civil sido o sector mais afectado.

Ainda assim e apesar dos números, a verdade é que este fenómeno espelha menos de 1% do tecido empresarial português, o que deixa claramente em aberto que os números podem subir ainda consideravelmente, em consequência da crise económicofinanceira actual e da transformação acelerada do tecido produtivo.

Mas, como é comummente sabido, o fenómeno não tem apenas carácter nacional. Em Espanha, por exemplo, em 2008, o número de empresas e de particulares insolventes aumentou mais de 150%, chegando perto dos 3.000 processos de insolvência, metade dos quais relacionados com o sector da construção civil e imobiliário.

Por isso, hoje, mais do que nunca é fundamental que a comunidade jurídica esteja preparada para enfrentar com rigor jurídico e responsabilidade social esta realidade, e, no limite, face à globalização das relações económico-jurídicas, apta a responder a cenários de insolvências internacionais ou transfronteiriças.

O Regime Jurídico Português da Insolvência: a soberania dos credores

Com a entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (de ora em diante «CIRE»), em 2004, o regime falimentar português passou a (re)integrar o chamado sistema da «falência-liquidação».

Com efeito, nos termos do artigo 1.° daquele diploma, «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente».

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O primeiro aspecto que resulta expressamente deste preceito legal é assim, claramente, o de que objectivo principal do processo de insolvência é a garantia patrimonial dos credores.

Tal desiderato pode ser prosseguido através (i) da liquidação do património do devedor insolvente, com a consequente repartição do produto da venda pelos credores, ou (ii) através da aprovação de um plano de insolvência, plano esse que pode passar, embora não necessariamente, pela recuperação da empresa compreendida no património do devedor à data da declaração de insolvência, ou seja, na designada massa insolvente.

Uma vez que a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente é um mero meio instrumental para atingir o fim principal do processo, que como já se referiu é a tutela patrimonial dos credores, chamar a este diploma «Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas» é puro eufemismo.

Embora sejam conhecidos de todos os dramáticos custos económicos, sociais e humanos resultantes do fenómeno das insolvências, a verdade é que dissimular a realidade do direito constituído -através da denominação atribuída ao Código- não nos parece de forma alguma ter sido uma boa opção. E não se trata de um preciosismo jurídico, pois a opção principal do legislador foi claramente a de tutelar os credores, como se vislumbra pelo amplo leque de sujeitos com legitimidade processual activa para requererem a declaração de insolvência do devedor (artigo 20.° CIRE).

Esta tentativa de introduzir algum «optimismo social» é, em nossa opinião, altamente perigosa. Se é aceite por todos que os impactos sociais de uma insolvência, na maior parte dos casos, são penosos, não nos parece ser menos evidente que o possível «efeito dominó» de uma exasperante situação de recuperação da empresa não possa ter os mesmos ou piores efeitos. Destarte, somos da opinião, aliás como muita doutrina, que o legislador devia ter sido mais coerente e clarificador.

Não o tendo sido, cabe ao intérprete do direito (maxime, Juízes, Advogados e Administradores da Insolvência) responder mais do que nunca com rigor jurídico e responsabilidade social.

Outro aspecto que sobressai claramente é o de que o processo de insolvência é um processo de execução global, ou como sustenta alguma doutrina «colectivo, genérico ou total», porquanto nele concorrem todos os credores e todo o património do devedor, sendo concomitantemente um processo de execução especial, por contraposição com o processo de execução plasmado no Código de Processo Civil.

Assim sendo, e conforme prescreve o artigo 17.° do CIRE, há que aplicar subsidiariamente, em caso de lacuna, o regime previsto do Código de Processo Civil, mais concretamente o regime do processo de execução para pagamento de quantia certa, contanto que não contrarie as disposições do CIRE.

Para além disto, sempre se diga também que no actual CIRE o processo de insolvência se encontra fortemente «desjudicializado». O papel do juiz circunscreve-se hoje meramente a de garante da legalidade, e consequentemente às questões de ordem jurídica stricto sensu, como é o caso da declaração de insolvência, da homologação do plano de insolvência e da verificação e graduação de créditos, cabendo a decisão relativa ao destino da empresa exclusivamente aos credores.

O Administrador da...

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