Liberalismo en bem-estar social nas Constituiçoes brasileiras

AutorMarcus Firmino Santiago
CargoInstituto Brasiliense de Direito Público, IDP. Centro Universitário do Distrito Federal, UDF
Páginas337-370
LIBERALISMO E BEM-ESTAR SOCIAL NAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
LIBERALISM AND WELFARE STATE IN THE BRAZILIAN
CONSTITUTIONS
Marcus Firmino Santiago
Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
Centro Universitário do Distrito Federal – UDF
SUMARIO: I. INTRODUÇÃO - II. UM ESTRANHO LIBERALISMO: AS
CONSTITUIÇÕES DE 1824 E 1891 - III. CONSTITUIÇÃO DE 1934 E CARTA DE
1937: DIREITOS SOCIAIS EM UM ESTADO INTERVENTOR - IV. PARA ONDE
CAMINHA O BEM-ESTAR SOCIAL: UMA FRÁGIL DEMOCRACIA (1946) E UMA
LONGA EXPERIÊNCIA AUTORITÁRIA (1967) - V. CONSTITUIÇÃO DE 1988:
RENASCIMENTO DO BEM-ESTAR SOCIAL - VI. CONCLUSÃO
Resumo: As categorias teóricas utilizadas para classificar as formas de relação
entre Estado e sociedade destacam a liberdade dos cidadãos diante do poder
estatal, cujas responsabilidades variam na proporção da autonomia conferida à
sociedade. Usualmente cabe à Constituição, no momento em que define as regras
para organização política do Estado e os direitos fundamentais, traçar um
panorama que permita identificar se um país se aproxima mais de valores liberais
ou sociais. Porém, nem sempre o desenho constitucional permite criar realidades
que realmente reflitam os modelos conceituais. O estudo das Constituições
brasileiras permite perceber que, em vários momentos da história nacional,
houve um conflito entre as categorias jurídico-políticas (Estado Liberal, Estado de
Bem-estar Social) e as práticas institucionais. Esta artigo analisa o contexto em
que as Constituições nacionaiselaboradas e osdesvios vividos em sua aplicação, e
tem por objetivo refletir sobre os modelos de Estado idealizados nos textos
normativos, ora concebidos para estruturar uma realidade que não chegou a ser
concretizada, ora manipulados abertamente de forma a conferir legitimidade a
regimes claramente autoritários.
Abstract: The theoretical categories used to classify the relationship between
State and society highlight citizens liberty before the State power, whose
responsibilities vary accordingly to the degree of society autonomy. When the
Constitution defines the rules of State political organization and the fundamental
rights, it draws a picture that allows identifying if a country is more concerned
with liberal or social values. On the other hand, there are times when the political
reality do not reflect the constitutional model. The study of Brazilian
constitutions emphasizes that in several moments of national history, there was a
conflict between the legal and political categories (Liberal state, Welfare state) and
institutional practices. This study is based on the analysis of national
constitutions, emphasizing the context in which they were made and the
obstacles encountered in its implementation process, and aims to reflect on the
idealized State models in the regulatory texts, sometimes designed to structure a
reality that did not come true, sometimes openly manipulated in order to
legitimate clearly authoritarian regimes.
Historia Constitucional
ISSN 1576-4729, n.16, 2015. http://www.historiaconstitucional.com, págs. 339-372
Palavras-chave: Liberalismo. Bem-estar social. Constituições brasileiras. Direitos
fundamentais.
Key-words: Liberalism. Welfare state. Brazilian Constitutions. Fundamental
rights.
I. INTRODUÇÃO
Em 1822, ano da independência brasileira diante de Portugal, a Europa já
tinha sido inundada pelas ondas liberais agitadas pela Revolução Francesa e
pelas guerras napoleônicas. O pensamento político liberal era o retrato da
modernidade, sendo naturalmente incorporado ao discurso das lideranças que
estavam à frente do processo de ruptura com a metrópole colonial.Não é de se
estranhar, portanto, que o Estado brasileiro tenha reproduzido o paradigma
europeu.
A década de 1820 na Europa marcou o período de acomodação das pressões
pelo controle do poder estatal, pelo fim dos regimes absolutistas, pela afirmação
do primado do Direito e da supremacia das constituições ante a resistência das
correntes conservadoras que insistiam em manter vivos os privilégios
nobiliárquicos. Este frágil equilíbrio entre liberalismo e conservadorismo foi
incorporado à primeira Constituição brasileira, nascida da pena do Imperador
Pedro I, e mantido íntegro ao longo de quase todo o Século XIX.
É interessante destacar este marco inicial na formação do Estado brasileiro
na medida em que ilustra boa parte da trajetória institucional do país, marcada
por frequentes antagonismos e incoerências decorrentes de modelos teóricos que
nem sempre combinam com as práticas estatais. Assim se viu durante a era
imperial, de 1822 a 1889, e posteriormente no período republicano. Constituições
liberais conviveram com práticas estatais altamente interventivas, seja no plano
social ou econômico; Constituições sociais foram combatidas ferrenhamente por
forças defensoras de um liberalismo por vezes extremado.
O presente estudo objetiva traçar um panorama das transformações vividas
pelo Brasil quanto a sua organização político jurídica por intermédio de uma
releitura de sua história constitucional. Para tanto, são analisados os processos
constituintes, os textos constitucionais produzidos e algumas práticas
institucionais ilustrativas da realidade vivida em cada momento da vida estatal.
A história constitucional brasileira foi dividida em duas grandes etapas,
identificadas com o Liberalismo e o Bem-estar social. O termo Liberalismo é
utilizado para definir um pensamento político e econômico que defende uma
mínima intervenção estatal nas relações privadas, preservando os espaços de
liberdade e autodeterminação e se materializa em Constituições que privilegiam a
defesa das liberdades individuais e a contenção do poder estatal. Já Bem-estar
social denomina um modelo pautado em uma intervenção estatal direcionada,
focada especialmente no domínio econômico e voltada a garantir acesso a um
conjunto de benefícios sociais, buscando equilibrar liberdade e igualdade, vista
esta última sob uma perspectiva material.
Estes conceitos traduzem os modelos teóricos encontrados nos discursos e
nos textos legislativos que orientam a formação do Estado brasileiro, fornecendo
Marcus Firmino Santiago
340
os alicerces estruturais de suas instituições políticas, econômicas e sociais.
Instituições que nem sempre têm funcionado da maneira idealizada, não raro
sendo apreendidas e torcidas a fim de favorecer interesses por vezes claramente
dissociados do ideal de busca por um bem comum. A realidade fática apresenta
aos olhos situações complexas, tanto sob a perspectiva conceitual quanto jurídica
que merecem reflexão e análise mais detida, o que o presente artigo se propõe a
fazer.
II. UM ESTRANHO LIBERALISMO: AS CONSTITUIÇÕES DE 1824 E 1891
No Século XIX, o modelo estatal brasileiro se alinhava com o paradigma
liberal dominante, recebendo influências de diferentes sistemas. Em sua
formação inicial, imediatamente após a proclamação de independência perante
Portugal, em 07 de setembro de 1822, a referência buscada para desenhar a
primeira Constituição nacional foi o constitucionalismo francês. A Carta de 1814,
outorgada pelo rei Luis XVIII no contexto da restauração monárquica que se
seguiu à deposição de Napoleão Bonaparte, era uma mescla de elementos liberais
e conservadores, exatamente como a Constituição brasileira de 1824, igualmente
outorgada pelo Imperador Pedro I.1
O primeiro processo constituinte brasileiro, em verdade, teve início antes da
proclamação de independência, quando Dom Pedro, então Príncipe Regente,
editou o Decreto de 03 de junho de 1822 convocando uma Assembleia Luso-
Brasiliense, composta por deputados eleitos pelas províncias, unidades
administrativas do território brasileiro.2 Com a separação formal face à
metrópole, em setembro do mesmo ano, o chamamento feito pelo governo central
não foi posto em prática e, nos meses que se seguiram, o agora Imperador
brasileiro hesitou em instalar a Assembleia Constituinte. Este fato gerou grandes
pressões internacionais, sendo vários os países que se recusaram a reconhecer o
Brasil como nação independente, e internas, oriundas da Câmara e do Senado,
além de várias províncias.3
Finalmente, em 03/05/1823, reuniu-se a Assembleia (na verdade, um
Congresso Constituinte, pois também exercia atribuições legislativas ordinárias),4
contando com Deputados que tinham participado da Constituinte portuguesa de
1822 e traziam ideias liberais, presentes firmemente na Revolução do Porto.5
se avizinhava, então, o eminente conflito entre o Imperador e os parlamentares,
1 Constituição de 1824 disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm
2 LEAL, Aurelino. História Constitucional do Brasil. edição fac-similar. Brasília: Senado Federal,
2002. p. 48-50.
3 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1991. p. 34. CASTRO, Araújo. A Constituição de 1937. edição fac-similar. Brasília:
Senado Federal, 2003. p. 32-35.
4 Havia a necessidade de decidir diversas questões referentes ao desenho jurídico do novo
Estado, o que incluía decidir pela manutenção em vigor, ou não, de normas do direito português,
tarefas que foram desempenhadas pelos legisladores constituintes. CASTRO, Araújo. Op. cit., p.
12.
5 LEAL, Aurelino. Op. cit., p. 4 e 20.
Liberalismo e bem-estar social nas constituições brasileiras
341

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR