A reforma laboral em Portugal

AutorAndré Pestana Nascimento
CargoAbogado Del Área de Derecho Fiscal y Laboral de Uría Menéndez (Lisboa).
Páginas47-61

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1 · Introdução

Até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, em 1 de dezembro de 2003 1, a legislação laboral encontrava-se dispersa por múltiplos diplomas legais, a maioria dos quais, datados das décadas de setenta e oitenta, conseguiu sobreviver sem grandes alterações de fundo até ao momento da sua revogação.

A modificação do contexto político, económico e social subsequente à adesão de Portugal à Comuni-dade Económica Europeia, em 1986, e ao crescimento económico que se seguiu, fez ressaltar a necessidade de um novo Código que, por um lado, sistematizasse e unificasse as matérias constantes de legislação avulsa e, por outro, fosse apto a adequar e atualizar a normativa laboral às necessidades das empresas e dos trabalhadores.

Todavia, o Código do Trabalho de 2003 preocupou-se mais em apresentar um conjunto sistematizado de normas e transpor inúmeras Diretivas Comunitárias do que em inovar nas soluções jurídicas propostas. O cuidado de não romper com a tradição jurídica nacional resultava, aliás, da própria exposição de motivos da Lei n.º 99/2003.

Paralelamente, a Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, aprovou a Regulamentação do Código do Trabalho, versando sobre matérias específicas que o legislador optou por deixar de fora do Código.

Ao contrário da legislação anterior, tanto o Código do Trabalho de 2003, como a respetiva Regulamentação, tiveram vida curta 2 e foram revogados pelo Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. No entanto, salvo raras exceções (v.g. em matéria de tempo de trabalho), também este diploma não operou uma verdadeira reforma da legislação laboral, situando-se numa linha de continuidade face aos institutos pré-existentes.

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Já no plano processual, porém, o Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, introduziu significativas alterações ao Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, com destaque para a criação da nova ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

Finalmente, em matéria contributiva, a Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, aprovou o primeiro Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social que, após diversos avanços e recuos, acabou por entrar em vigor em 1 de janeiro de 2011.

A relativa estabilidade da normativa laboral até ao final de 2003 contrasta, portanto, com a proliferação legislativa que se segue nos anos subsequentes.

E eis que, em 6 de abril de 2011, fruto da contínua pressão dos mercados financeiros e da escalada dos juros na colocação de dívida soberana, o então Primeiro-Ministro José Sócrates anunciou ao país ter endereçado à Comissão Europeia um pedido de assistência financeira.

Foi neste contexto que, em 17 de maio de 2011, o Governo português celebrou com a troika, composta pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a União Europeia, um Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, que, entre outros aspetos, se propôs aprovar medidas legislativas que conduzissem a significativas alterações do mercado de trabalho.

Os principais objetivos visados, de acordo com a primeira (17 de maio de 2011), segunda (9 de dezembro de 2011) e terceira (15 de março de 2012) versões do Memorando, consistiam (i) na redução do risco de desemprego de longa duração e no fortalecimento das redes de apoio social; (ii) na reforma da legislação de proteção do emprego para combater a segmentação do mercado de trabalho, promover a criação de emprego e facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre profissões, empresas e sectores; (iii) na promoção da flexibili-dade dos regimes de tempo de trabalho que permitisse adequar as cargas horárias aos picos de ativi-dade e assim aumentar a competitividade das empresas; (iv) em promover a evolução dos custos de trabalho em função da efetiva criação de emprego e (v) na aprovação de legislação que melhorasse a empregabilidade dos jovens e das categorias mais desfavorecidas de trabalhadores.

Tendo em vista esses objetivos, as alterações legislativas em matéria laboral e contributiva têm vindo a suceder-se umas às outras. O Código do Trabalho de 2009, por exemplo, já sofreu duas profundas alterações e outras são esperadas num futuro próximo. As regras aplicáveis à proteção no desemprego foram igualmente alvo de significativas modificações e é expectável que o início de 2013 traga novas mudanças.

Mas será que as opções legislativas que têm vindo a ser tomadas são as mais adequadas e aptas a atingir aqueles desideratos ou, pelo contrário, ficam aquém do esperado e desejado? É quanto procuraremos analisar neste breve trabalho.

2 · Prestações de desemprego

De acordo com os dados constantes do PORDATA (www.pordata.pt), a taxa de desemprego registada em Portugal em 2011 ascendia a 12,7% (um máximo histórico) e afetava cerca de 706 mil pessoas. Tão ou mais grave do que este número, é o facto de 53% dos desempregados serem desempregados de longa duração (ou seja, há mais de um ano), o que revela a escassa rotatividade do mercado de trabalho.

Impunha-se, portanto, a aprovação de medidas que, por um lado, incentivassem os empregadores a contratar desempregados de longa duração e, por outro, motivassem os desempregados a aceitar as propostas de emprego.

Com efeito, considerando que o montante líquido do subsídio de desemprego correspondia a 65% da remuneração de referência, com um limite mínimo de € 419,22 e máximo de € 1.257,66, muitos eram os desempregados a quem só interessaria o retorno ao mercado de trabalho com uma remuneração significativamente superior ao respetivo subsídio. Muito embora a recusa de uma oferta de emprego que garantisse uma retribuição ilíquida igual ou superior ao valor da prestação de desemprego, acrescida de 25% (se essa oferta ocorresse durante os primeiros seis meses de concessão do subsídio) ou 10% (caso a proposta surgisse a partir do sétimo mês de concessão das prestações) pudesse levar à anulação da inscrição do beneficiário no centro de emprego e, consequentemente, à cessação do direito ao subsídio, certo é que no contexto económico atual essas ofertas de emprego eram e continuam a ser muito escassas 3.

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Por outro lado, a duração máxima de atribuição das prestações de desemprego podia atingir os dois anos e meio e, nos casos de beneficiários com mais de 45 anos de idade e longas carreiras contributivas, chegar mesmo aos três anos.

Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, o Governo português propôs-se claramente desincentivar a permanência dos beneficiários na situação de desemprego, tendo, para o efeito (i) reduzido o limite máximo do subsídio de € 1.257,66 para € 1.048,05 4; (ii) determinado que, após seis meses de concessão, o montante das prestações teria uma redução de 10%; e (iii) reduzido significativamente os prazos máximos de concessão do subsídio, que não poderão ser superiores a um ano e meio (ou mais precisamente, 540 dias), sem prejuízo de majorações para os desempregados que apresentem longas carreiras contributivas 5.

Naturalmente, estas medidas explicam-se também (ou sobretudo) pela necessidade de reduzir a despesa pública e cumprir as metas do défice que foram traçadas pela troika, no âmbito do pedido de resgate financeiro que Portugal apresentou 6.

Do lado dos empregadores, e para além das dispensas e reduções temporárias de pagamento da taxa social única quando sejam celebrados contratos de trabalho com desempregados de longa duração (medidas que já existem desde 1995 7), têm vindo a ser aprovados vários diplomas legais que concedem outros incentivos à contratação de desempregados, em particular jovens. Esses incentivos traduzem-se, entre outros, no reembolso total ou parcial dos montantes pagos pelas entidades empregadoras com as contribuições devidas à segurança social, no financiamento de estágios profissionais e no pagamento de prémios de integração quando aos estágios suceda a celebração de contratos de trabalho 8.

Adicionalmente, os empregadores continuam a poder contratar a termo certo os desempregados de longa duração, ao invés de terem de se comprometer com contratos sem termo, cuja cessação obedece a um regime mais exigente 9.

No que ao fortalecimento das redes de apoio social diz respeito, é de salientar a redução do período de garantia mínimo para a obtenção de subsídio de desemprego, de 450 para 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações nos 24 meses anteriores à situação de desemprego. Com esta medida, os recém licenciados contratados a termo certo, cujos vínculos laborais cessem, por exemplo, passado um ano, têm direito ao subsídio, o que não acontecia ao abrigo da legislação anterior.

O legislador foi igualmente sensível ao drama dos casais desempregados, situação que tem vindo a afetar cada vez mais famílias 10, e determinou a majoração do montante devido a cada um dos cônjuges (ou unidos de facto) em 10% 11.

Finalmente, o Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março veio, pela primeira vez, alargar a proteção social no desemprego aos trabalhadores independentes que prestem serviços a uma única entidade contratante, de quem obtenham 80% ou mais do valor total dos seus rendimentos anuais, contanto que, entre outros requisitos, apresentem um prazo de garantia mínimo de 720 dias de exercício dessa atividade independente, com o correspondente pagamento efetivo de contribuições nos 4 anos imediatamente anteriores à data da cessação invo-

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luntária da prestação de serviços. Este apoio é financiado através das contribuições das entidades contratantes beneficiárias de pelo menos 80% do valor total da atividade do trabalhador.

Compreende-se o alargamento da proteção social a este grupo de...

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