O que Tomás Fez Por Nós
Autor | António Manuel Hespanha |
Páginas | 35-39 |
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Texto lido na sessão de apresentação do livro de Bartolomé Clavero, Tomás y Valiente Una biografía intelectual, Milano, Giuffré, 1996, realizada na Facoltá di Giunsprudenza de Florença, em abril de 1997.
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Era o fim da tarde em Macau, na China. Faltavam uns minutos para começar as minhas aulas. Com cautelas desusadas, a minha assistente diz-me que acabara de receber, de Lisboa, uma má noticia. Pensei na familia, nos meus velhos pais. A noticia era, de alguma forma, ainda mais brutal: Tomás y Valiente fora assassinado.
Tomás era um velho amigo. Já não me recordo exactamente quando o conhecera em pessoa. Mas mais importante será recordar como o conheci intelectualmente, porque esta foi, porventura, uma experiencia comum a mais historiadores da minha idade e com as minhas preocupações.
Conheci Tomás y Valiente por uma referencia de Johannes-Michael Scholz, um jushispanista do Instituto Max-Planck que muitos dos presentes conhecerão. Estávamos em 1976. Scholz preparaba então um caderno especial da revista Ius commune sobre estrategias metodológicas da historia do direito (Vorstudien zur Rechtshistorik, Frankfurt/Main, Vitt. Klostermann, 1977). Nesse caderno, o mundo latino tinha um lugar de relevo, não apenas pelas vinculações do coordenador ao mundo hispánico, mas também porque, no banco dos réus estava, nesse contexto, a historia dogmática e isolada dos contextos não jurídicos que dominava na Alemanha e no mundo académico do centro e norte da Europa.
Para Scholz, Tomás aparecia como paradigmático justamente dessa nova historia do direito que ele quería promover. Tanto nos seus ensaios monográficos então mais conhecidos -El derecho penal... e Los validos ...- como no seuPage 36 Manual..., Tomás atento, de urna maneira nova, aos contextos não jurídicos da historia do direito.
Realmente, vendo as coisas com um pouco mais de reflexão, o que nele era novo, para nos, não era bem a abertura a contextos não jurídicos.
É certo que isso contrastava muito com urna historiografía jurídica formalista, estritamente ocupada com a exegese das fontes ou com a seca evolução dogmática, tal como a que dominava em Portugal, por essa época. Em confronto com ela, o ampio respiro das referencias culturáis e sociais das obras de Tomás y Valiente constituía um choque de abertura. Mas referencias culturáis e sociais tinhamnas também obras as de Jacques Ellul, Franz Wieacker ou, em menor medida mas em Espanha, a obra de Alfonso García Gallo, cultor do tal...
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