Telemedicina: breves considerações ético-legais.

AutorGenival Veloso de França
CargoProfessor titular de Medicina Legal da Escola Superior da Magistratura da Paraíba e de Bioética da Universidade Estadual de Montes Claros

Introdução

De um certo tempo para cá, inúmeras têm sido as oportunidades em que os médicos se valeram dos recursos tecnológicos da comunicação, a exemplo do fax, do telefone, da videoconferência e do correio eletrônico, como forma de atender e beneficiar melhor seus pacientes. Estes meios mais sofisticados da recente tecnologia da informação por certo vão facilitar ainda mais não só o intercâmbio dos profissionais de saúde entre si e com os pacientes mas também propiciar a resolução a distância de casos de ordem propedêutica e terapêutica. Já é possível, hoje, detectar enfartes por exames através do telefone em tempo real, ter sinais vitais do paciente transmitidos ao médico pela Web e poder realizar, por especialistas internacionais, cirurgias por videoconferências. Some-se a isso, ainda, a possibilidade do prontuário com acesso a Web para os profissionais que atuam em campo, e alguns projetos como o de teleoftalmologia - que permite exames periódicos em fundo de olho nas comunidades carentes ligadas a um centro médico especializado. Em suma, a questão atual não é mais se as tecnologias de informação vão ser imprescindíveis às ações de saúde, mas como e até onde esta proposta vai avançar.

No futuro, o simples uso da Internet mudará totalmente a maneira de praticar e promover a medicina e as ações de saúde em geral, desde um simples resultado de exame por e-mail até o controle a distância das filas de transplantes. A telemedicina é, sem dúvida, a maior revolução na assistência em saúde nestes últimos anos.

Mesmo assim, dentre as profissões técnicas a medicina é a que até agora menos se beneficiou da tecnologia, a que menos se esforça nesse sentido e a que mais tem a se beneficiar. Para tanto, o médico terá de modificar substancialmente sua formação, qualificação e o próprio comportamento profissional.

Dessa forma, pode-se conceituar telemedicina como todo esforço organizado e eficiente do exercício médico à distância que tenha como objetivos a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de indivíduos isoladamente ou em grupo, desde que baseados em dados, documentos ou outro qualquer tipo de informação confiável, sempre transmitida através dos recursos da telecomunicação. Some-se a isto a possibilidade efetiva do acesso à informação através dos diversos modelos de ensino médico continuado. Tal conceito e prática foram recomendados ultimamente pela Declaração de Tel Aviv, adotada pela 51ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, em outubro de 1999, em Israel, a qual trata das “Normas éticas na utilização da telemedicina”.

Pelo visto, pode-se afirmar que a telemedicina tem vantagens potenciais e sua demanda aumentará à medida que os meios de telecomunicação tornem-se cada vez mais disponíveis e confiáveis. Os pacientes mais beneficiados serão certamente os que não dispõem de acesso a especialistas, ou aqueles cuja atenção básica é precária ou inexistente. Muitas especialidades que trabalham com imagens médicas, como radiologia, patologia, ortopedia, cardiologia e dermatologia, poderão socorrer-se dos recursos tecnológicos da comunicação para prestar sua contribuição. Além do mais, a telemedicina será de grande utilidade na educação médica continuada e na contribuição da pesquisa.

Hoje, não mais cabe discutir se as tecnologias de informação serão ou não utilizadas nos projetos terapêuticos, preventivos e propedêuticos em favor dos níveis de vida e de saúde das populações, mas como essas informações vão ocorrer ao longo do tempo com segurança e proteção da confidencialidade. Ainda mais porque há um nível na proteção da saúde, como nas ações preventivas, onde a informação é um elemento de necessidade absoluta para a propagação e animação coletivas.

Em suma, a verdade é que as redes internacionais de computadores eliminaram os limites geográficos, permitindo uma nova e fascinante experiência na sociedade global ligada eletronicamente, desafiando, assim, todas as formas convencionais do exercício tradicional da medicina. Nisto pode-se dizer que se ganha na redução de tempo e despesas na locomoção dos pacientes, na interação entre profissionais, na qualidade da reciclagem médica, na desospitalização, no concurso rápido de profissionais de diversas áreas em acidentes de massa, no gerenciamento dos recursos em saúde, na descentralização da assistência à saúde, entre tantos.

Em face destes acontecimentos e como era de se esperar, vêm surgindo alguns problemas, principalmente pela não-existência de normas internacionais e de órgãos mediadores capazes de limitar um ou outro impulso com regras éticas e legais bem definidas. Daí se perguntar: como garantir os níveis mínimos de qualidade do sistema de teleassistência? Qual a melhor forma de garantir a confidencialidade e a segurança dos dados enviados e das recomendações recebidas? Como se criar um padrão de qualidade internacional capaz de atender aos interesses dos pacientes e dos médicos do mundo inteiro?

O fato é que ainda não dispomos em nosso país de instrumentos jurídicos e de normas éticas específicas para regular o sistema eletrônico de troca de informações no campo da medicina. Além disso, ainda perdura por parte dos Conselhos de Medicina uma resistência a certas modalidades deste modelo assistencial. Basta ver o parecer do Cremesp, referente à consulta nº 56.905/97, cuja ementa diz o seguinte: “É vedada a consulta médica feita de qualquer forma que não seja pessoalmente, no paciente”. Todavia, o Conselho Federal de Medicina, instado pelo Cremerj a respeito de consulta da Petrobrás sobre orientação médica à distância para embarcações, plataformas marítimas e instalações na selva, sintetizou na ementa do Parecer CFM nº 31/97 o seguinte: “Pode o médico que, excepcionalmente por força de lei ou função, por obrigação a exercer plantão telefônico para assessoria a situações de urgência ou emergência ocorridas em embarcações e plataformas, oferecer integralmente opinião dentro de princípios éticos e técnicos para tratamento de pessoa necessitada, correlacionando-a às informações obtidas, não sendo responsável pelo exame físico e execução do procedimento a ser adotado por terceiros”.

As razões mais manifestas para a implantação do sistema de telemedicina são o envelhecimento da população e o aumento progressivo dos pacientes crônicos e com caráter degenerativo, a elevação dos custos com a saúde e as dificuldades de acesso ou translado para as clínicas e hospitais.

Assim, a telemedicina constitui, hoje, campo muito promissor no conjunto das ações de saúde e os seus fundamentos devem começar a ser parte da educação médica básica e continuada. Portanto, deve-se oferecer oportunidades a todos os médicos e outros profissionais de saúde interessados nesta interessante forma de assistência.

Ipso facto, não há como desconhecer que o uso adequado desta inovadora forma de atendimento ao paciente pode trazer inúmeras e potenciais vantagens, e, ainda, a possibilidade de que tal estratégia tem de avançar cada vez mais. Não só pelo fato do pronto-atendimento em locais mais remotos, senão ainda pela oportunidade de acesso aos especialistas da medicina curativa ou preventiva. Um exemplo bem simples disto é a transmissão de imagens e resultados de exames transferidos a uma avaliação à distância em áreas como radiologia, patologia, cardiologia, neurologia, entre outras. Ainda mais: tais propostas, além de poderem, quando bem utilizadas, beneficiar os pacientes - agindo prontamente, diminuindo custos e minimizando riscos com suas locomoções –, atraem um maior número de especialistas em favor dos níveis de vida e de saúde das pessoas.

O uso da telemedicina depende, pois, do acesso aos meios tecnológicos modernos que infelizmente não são disponíveis em todas as regiões do planeta. Ademais, deve-se considerar que essa abordagem, principalmente a da assistência curativa ao paciente, conhecida como teleassistência, deve resumir-se a situações muito específicas da urgência e da emergência, pois em muitas dessas eventualidades não existe médico no local.

Por tal razão, a telemedicina traz consigo uma série de posturas que se confrontam com os princípios mais tradicionais da ética médica, principalmente no aspecto da relação médico-paciente, além de alguns problemas de ordem jurídica que podem despontar na utilização deste processo, pois ele suprime o momento mais eloqüente do ato médico: a interação física do exame clínico, entre o profissional e o paciente. A eliminação da relação pessoal médico-paciente de imediato altera alguns princípios tradicionais que regulam o exercício ético da medicina. Portanto, há certas normas e princípios éticos que devem se aplicar aos profissionais que utilizam a telemedicina.

Neste processo, muitas vezes a relação médico-paciente exige a transmissão de informações eletrônicas - como pressão arterial e eletrocardiogramas -, chamada de televigilância. Esta televigilância, utilizada com mais freqüência aos pacientes com enfermidades crônicas como diabetes, hipertensão, deficiências físicas ou gestações de alto risco, necessita que se faculte um certo aprendizado ao paciente e seus familiares para que possam receber e transmitir informações às necessárias e imprescindíveis. O ideal seria poder contar com enfermeiros ou pessoas especialmente qualificadas para obter e utilizar resultados bem seguros, pois a presença de profissionais de saúde propicia maior segurança aos dados.

Já se cogita realizar a consulta normal do paciente com seu médico através dos meios de telecomunicação, como a Internet, a chamada teleconsulta ou consulta em conexão direta, onde não existe o contato frontal com o examinado nem os dados semióticos disponíveis, e nem a presença de outro médico no local. A partir daí inicia-se uma série de riscos que passam pela incerteza, insegurança e desconfiança das informações; por outro lado, o paciente teme pela não-identidade e qualificação do médico, e pela confidencialidade das suas declarações.

O fundamento basilar de todos os...

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