A semelhança conceptual das marcas: Comentário da Sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 20 de novembro de 2014, no caso «Golden Balls v. Ballon d'or»

AutorMaria Miguel Carvalho
Cargo del AutorDoutora em Direito. Professora Auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho (Braga-Portugal)
Páginas453-467

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I Resumo do litígio1

O objecto do presente comentario é a decisao do TJUE, de 20 de Novembro de 2014, proferida nos casos C-581/13P e C-582/13 P, no ámbito do litigio que opós a Intra-Presse SAS (doravante designada como Intra-Presse) e o Instituto para a Harmonizacao no Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) [IHMI] á Golden Balls Ltd (doravante designada como Golden Balls) 2.

Em 2007, a Golden Balls (sociedade inglesa) requereu o registo como marca comunitaria do sinal nominativo "Golden Balls" para distinguir produtos incluidos nas classes 9.ª, 16.ª, 21.ª, 24.ª e 28.ª e servicos na classe 41.ª segundo o Acordo de Nice relativo á classificacao internacional de produtos e servicos para o registo de marcas, de 15 de Junho de 19573, tendo a Intra-Presse (organizadora da competicao "Bola d'Ouro" da FIFA [Fédération Internationale de Football Association]) deduzido oposicao, com fundamento quer no risco de confusao com a marca anterior -"Ballon d'Or"- de cujo registo é titular [art. 8.º, n.º 1, al.a b) do RegMC]4, quer na proteccao de que goza a marca de prestigio (art. 8.º, n.º 5 RegMC).

A Divisao de Oposicao do IHMI rejeitou a oposicao por considerar que os sinais em causa, apesar de ligeiramente semelhantes do ponto de vista conceptual para parte do público relevante, eram visual e foneticamente diferentes, pelo que sendo, globalmente, nao semelhantes nao existe susceptibilidade de confusao relevante no ámbito do disposto no art. 8.º, n.º 1, al.a b) e que o art. 8.º, n.º 5 nao é aplicável dado os sinais nao serem semelhantes. Todavia, a 1.a Cámara de Recurso do IHMI -na sequéncia do recurso deduzido pela Intra-Presse- adoptou um entendimento diferente 5.

Analisando a verificacao dos requisitos de que depende a proteccao dos si-nais registados anteriormente, quanto ao público relevante para aferir a suscep-

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tibilidade de confusão entendeu que o mesmo é composto quer por profissionais, quer pelo consumidor médio europeu (que é razoavelmente informado, observador e circunspecto), devendo ser tomado em consideração o público com menor nível de atenção, ou seja, e no caso concreto, o consumidor médio europeu6. No que respeita à comparação dos produtos e serviços assinalados com os sinais em confronto, concordou com a decisão da Divisão de Oposição, invocando ainda que tal não fora contestado pelas partes, pelo que considerou que os produtos das classes 21.ª e 24.ª não são semelhantes; os das classes 16.ª e 28.a são idênticos; os serviços da classe 41.a são idênticos ou muito semelhantes e os da classe 9.a são parcialmente idênticos ou semelhantes e parcialmente não semelhantes.

Todavia, quanto à apreciação da identidade ou semelhança dos sinais em confronto -e não obstante ter aceite que estes são visual e foneticamente diferentes-, concluiu (afastando-se do entendimento da Divisão de Oposição) que, conceptualmente, os sinais eram idênticos ou, pelo menos, extremamente semelhantes 7. Neste contexto, indeferiu o recurso (permitindo o registo da marca "Golden Balls") no que respeita aos produtos das classes 21.a, 24.a e a parte dos produtos da classe 9.a, deferindo-o (ou seja, impedindo o registo da marca "Golden Balls") para assinalar os produtos das classes 16.a, 28.a, parte da classe 9.a e para distinguir os serviços da classe 41.a, tendo considerado desnecessário analisar o art. 8.º, n.º 58.

Não se conformando com esta decisão, as partes recorreram, requerendo a anulação parcial da decisão. A Golden Balls requereu a anulação parcial da decisão (na medida em que impede o registo de "Golden Balls" para produtos das classes 16.a, 28.a, parte da classe 9.a e serviços da classe 41.a), invocando a violação do disposto no art. 8.º, n.º 1, al.a b) e a Intra-Presse deduziu pedido idêntico, relativamente à concessão do registo do sinal "Gol-den Balls" no que respeita aos produtos das classes 21.a, 24.a e a parte dos produtos da classe 9.a, fundando a sua pretensão na violação dos arts. 8.º, n.º 5, 64.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1.

O Tribunal Geral decidiu, em 16 de Setembro de 20139, recusar o pedido da Intra-Presse e deferir a pretensão da Golden Balls.

Nesta decisão, para além de confirmar que o público relevante para a aferição da susceptibilidade de confusão é o consumidor médio europeu, teceu importantes considerações quanto à aferição da semelhança entre os sinais.

De facto, confirmou que os sinais em confronto são visual e foneticamente diferentes. Quanto ao plano conceptual, sustentou que, em princípio, de um ponto de vista objectivo e excluídos alguns detalhes diferentes, aqueles trazem à mente o mesmo conteúdo semântico ou a mesma ideia (nomeadamente um balão dourado ou uma bola dourada ou ouro). Todavia, para aferir a semelhança conceptual do ponto de vista do público relevante -em particular o público anglófono ou francófono- tem de se ter em consideração o facto de a marca

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anterior ser em língua francesa enquanto que a marca cujo registo foi solicitado é em língua inglesa, o que permite que o respectivo conteúdo conceptual nao seja compreendido.

Com efeito, e nao obstante admitir que tal diferenca linguística nao basta para excluir a semelhanca conceptual, o TG entendeu que, na medida em que tal diferenca exige que o consumidor proceda á traducao, é possível -em funcao de outros factores, tais como o conhecimento linguístico do público relevante; do grau de relacao entre as línguas envolvidas e as palavras efectivamente usadas pelos sinais em questao- que impeca que o público relevante, pelo menos até certo ponto, proceda a uma comparacao conceptual imediata.

Detendo-se no caso sub judice o TG declarou que nao foi provado que o significado da marca requerida -composto pelas palavras "golden" e "balls"- seja imediatamente compreendido pelo público relevante, nomeadamente pelo público geral da UE e, em particular, o francófono (que entende a expressao francesa "ballon d'or" que constitui a marca anterior) e que, mesmo que se assuma que as palavras "golden" e "ball" fazem parte do vocabulario básico da língua inglesa, et pour cause, compreensíveis para o consumidor médio (incluindo o consumidor médio francófono), tal nao significa que aquele consumidor -que, em geral, tem uma fraca compreensao da língua inglesa- com-preenda essas palavras, na sua combinacao específica "Golden Balls", imedia-tamente como uma traducao para inglés da expressao francesa "Ballon d'Or", que constitui a marca anterior 10. Por conseguinte, concluiu que os sinais tém, no máximo, um grau de semelhanca conceptual fraco, ou mesmo muito fraco, para o público relevante, que nao é suficiente para afastar as suas dissemelhancas visual e fonética.

O TG acrescentou ainda que nao foi provado o elevado carácter distintivo da marca "Ballon d'Or" no que respeita aos produtos em causa, mas, mesmo que a marca goze de elevado carácter distintivo e tendo em conta o facto de os produtos ou servicos em questao serem idénticos ou semelhantes, a muito fraca semelhanca conceptual nao é, nas circunstancias do caso, suficiente para, por si só, criar uma susceptibilidade de confusao no público em causa, pelo que é viável o registo da marca "Golden Balls".

No que respeita á nao apreciacao pela Cámara de Recurso do pedido da Intra-Presse com base no art. 8.º, n.º 5, o Tribunal Geral entendeu que o mes-mo seria sempre recusado pelo facto de os sinais em confronto nao serem semelhantes.

A Intra-Presse recorreu para o TJUE, com fundamento na distorcao dos factos quanto á afericao das capacidades do público relevante e na violacao do disposto quer no art. 8.º, n.º 1, al.ª b), quer no art. 8.º, n.º 5, ambos do RegMC.

O TJUE, depois de recusar o primeiro fundamento11 -invocando que o TG tem jurisdicao exclusiva quanto á fixacao dos factos relevantes e que o TJUE apenas os poderia analisar se tal decorresse de forma óbvia dos documentos

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apresentados, o que nao sucede no caso-, recusou a violacao do disposto no art. 8.º, n.º 1, al.ª b), relativamente a cada um dos tres aspectos avancados pela Intra-Presse e pelo IHMI.

O primeiro respeitava á afericao incorrecta do público relevante para efeitos da aplicacao do art. 8.º, n.º 1, al.ª b), por só se ter atendido a parte do público, na medida em que o mesmo teria sido reduzido ao consumidor médio francófono.

O TJUE declarou que tal constituí uma interpretacao errada da sentenca do TG, já que as conclusóes deste tribunal relativamente ao grau de semelhanca entre os sinais em causa se baseiam na consideracao de todo o público relevante, incluindo o público anglófono e que o mesmo tinha determinado previamente (v. n.º 27 da sentenca citada) que "o público relevante era composto pelo consumidor médio da Uniao Europeia, razoavelmente bem informado e razoavelmen-te observador e circunspecto" 12, conformando-se, por isso, com a jurisprudencia anteriormente estabelecida a este respeito que se refere ao público na Uniao Europeia13.

O segundo respeitava a um erro na apreciacao da semelhanca conceptual de sinais de línguas diferentes. Na opiniao da Intra-Presse o TG teria acrescentado uma condicao para que tal semelhanca existisse, exigindo que ocorresse um processo intelectual de traducao (a prévia traducao) daqueles sinais pelo público relevante.

O TJUE, depois de salientar que o que as partes entendem por "seme-lhanca conceptual" é a forma como o público relevante entende os sinais em confronto, recorda que de sentencas anteriores do mesmo tribunal resulta que as decisóes relativas ás características do público relevante e ao seu grau de atencao, percepcao ou comportamiento sao questóes de facto, o mesmo valendo para a compreensao, pelo público relevante, do significado em diferentes línguas 14...

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