Distribuiçáo selectiva e a Internet: alguns comentarios

AutorIsabel Fortuna de Oliveira
Páginas191-208

Isabel Fortuna de Oliveira. Dra. en Derecho. Profesora en la Universidade de Aveiro (Portugal). Abogada. Correo electrónico: ifortunaoliveira@clix.pt.

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I Apresentaçáo da questáo; a solucáo encontrada na jurisprudencia francesa

A questáo suscitada ao Conseil de Concurrence e aos Tribunais Franceses foi a seguinte: num sistema de distribuicáo selectivo o distribuidor seleccionado terá o direito de comercializar os produtos através da Internet mesmo quando o contrato de distribuicao nao prevé essa forma de comercializa§áo ou mesmo a interdita? Será a Internet urna forma de comercializacáo que terá de ser admitida pelo fornecedor (titular da marca) neste sistema de distribuic,áo?

A questao surgiu nomeadamente em Franga em 1999, no já célebre caso Fierre Fabre. Os factos sao simples: um distribuidor selectivo da sociedade Fierre Fabre Dermo-Cosmétiques, que comercializava marcas de produtos dermo-cosméticos (Klorane, A-Derma, Ducray, Avene, Galenic e Elancyl), iniciou a comercializagáo dos produtos utilizando um site na Internet. O titular da marca (fornecedor) considerou que este método de venda contrariava as cláusulas contratuais e accionou judicialmente o distribuidor.1

Primeiramente, o Tribunal de Commerce de Pontoise decidiu a 2 de Margo de 1999' contra as pretensoes do fornecedor, a sociedade Fierre Fabre Dermo-Cosmétiques. Baseando a sua decisao essencialmente na análise das cláusulas contratuais, considerou que as disposicóes contratuais nao excluíam a venda através da Internet, antes pelo contrario, previam a obrigacáo do distribuidor desenvolver os seus melhores esforcos na venda dos produtos em questao. Assim, a comercializagáo através da Internet deveria constituir urna forma a ser acrescentada aos meios tradicionais de venda por parte do distribuidor.

A Cour d'Appel de Versailles a 2 de Dezembro de 19992, decidiu em sentido contrario e determinou a licitude de um sistema de distribui§ao selectivo que nao permitía a venda através da Internet. Na decisao deste Tribunal foi essencialmente considerado que a comercializagao através do site disponibilizado pelo distribuidor nao permitía obter os mesmos resultados de qualidade e de valorizacáo dos produtos exigidos pelo fornecedor; os conselhos aos clientes nao podiam serPage 193 dados imediatamente, requerendo um prazo de resposta, a qual, dada a inexistencia de contactos pessoais com o vendedor estaría condicionada pela informagáo dada pelo cliente; por outro lado, o site em causa nao respondia aos requisitos estéticos exigidos em materia de apresentacáo dos produtos. A Cour d'Appel nao deixou de considerar que no futuro este novo método de distribuicáo poderia ser integrado numa rede de distribuicáo selectiva desde que respeitasse os criterios de qualidade, de saúde e de valorizacáo dos produtos normalmente exigidos nos sistemas de distribuigáo selectivos.

As interpretacoes e opinióes sobre este acórdáo dividiram-se: para uns, o Tribunal teria manifestado urna aceitagáo genérica sobre estas duas formas de distribuigáo do mesmo produto e apenas no caso concreto as circunstancias factuais nao teriam beneficiado da aprovacáo por parte do Tribunal; para outros, porém, o facto do Tribunal ter projectado a possibilidade de compatibilizacao para um futuro, dependente da evolugáo tecnológica no sistema, permitiría concluir que ñas circunstancias actuáis, a proibicáo de comercializacáo através da Internet seria lícita.

Posteriormente surgiu um novo caso. A empresa distribuidora Bijourama comercializada exclusivamente os produtos através da Internet (produtos de bijouteria, joalharia e relógios) nao dispondo de nenhum estabelecimento comercial físico. O pedido de integracáo no sistema de distribuicáo selectivo da sociedade Festina France, (filial do grupo Festina Lotus, criada nos anos 70 em Espanha), foi por esta empresa recusado. Considerando que estava a ser objecto de urna discriminagáo ilegítima devido ao método de comercializacáo utilizado, Bijourama apresentou urna queixa ao Conseil de la Concurrence, que assim teve oportunidade de se pronunciar sobre esta materia3.

No decurso dos procedimentos, o Conseil de la Concurrence considerou que os contratos iniciáis de distribuicáo nao previam a possibilidade dos distribuidores venderem os produtos através da Internet, o que poderia conduzir a restricoes de vendas passiva e activa, contrarias ao direito comunitario da concurrencia. Em consequéncia, Festina aceitou as condicoes impostas pelo Conseil de la Concurrence, tendo alterado os contratos de distribuicáo.

Porém, para o distribuidor Bijourama a questáo estava longe de ser resolvida, pois o Conseil de la Concurrence na decisáo mencionada aceitou o principio de que a venda dos produtos estaría reservada aos distribuidores seleccionados por Festina France —ou seja, aqueles que satisfaziam os criterios exigidos, nomeadamente os relativos ao estabelecimento comercial (físico)—. Para Bijourama, a reserva da venda através da Internet aos membros do sistema de distribuicáo selectivoPage 194 que dispunham de um estabelecimento comercial constituía urna exclusáo relativa a urna outra forma de distribuido, constituindo, ainda, urna interdicáo de vendas passivas, contraria ao direito da concurrencia nacional e comunitario4.

A discussáo continuou nos tribunais franceses. A Cour d'Appel de París, no acórdáo de 16 de Oütubro de 20075 decidiu que as exigencias impostas aos distribuidores eram idénticas, quer as vendas se processassem através do estabelecimento comercial físico, quer através da Internet. Este ultimo sistema de vendas era assim complementar ao sistema de venda físico, deparando com o mesmo nivel de exigencias. A Cour d'Appel concluiu, assim, que os contratos alterados por Festina France abriam expressamente a possibilidade aos distribuidores seleccionados de venderem os produtos através da Internet segundo condicoes objectivas, transparentes e nao discriminatorias.

O caso Festina France constitui, assim, urna evolucáo relativamente ao caso anterior, o caso Pierre Fabre; a Cour d'Appel de París concluiu, neste ultimo acórdáo que os contratos de distribuicáo tém de contemplar a possibilidade dos distribuidores utilizarem como meio complementar de venda, a Internet.

A discussáo prosseguiu, indagando se a natureza dos produtos comercializados poderia interferir de alguma forma ñas conclusSes apresentadas. Com efeito, os produtos comercializados por Festina France eram essencialmente relógios; se a natureza dos produtos fosse diferente, e a respectiva venda implicasse um aconselhamento mais personalizado e com formacáo especializada, será que a obrigatoriedade de comercializacáo através da Internet seria mantida?6

O Conseil de la Concurrence emitiu urna decisáo7 relativa as práticas adoptadas no sector da distribuigáo selectiva dos produtos cosméti-Page 195eos e de higiene corporal, cuja comercializagáo era apoiada num servigo de conselho fornecido por pessoa portadora de diploma em farmacia (produtos vendidos «sur conseil pharmaceutique») vendidos normalmente em farmacias, parafarmácias, perfumarías, ou em grandes armazéns. No centro da questao encontrava-se um conjunto de práticas adoptadas por todas as marcas presentes no mercado relevante em Franga8, as quais visavam ou urna proibigao total das vendas através da Internet ou a sua admissao submetida a condigóes consideradas demasiado restritivas. Nesta decisáo, o Conseil de la Concurrence reafirma o principio adoptado na jurisprudencia anterior: o sistema de distribuigáo selectivo deve conter a possibilidade dos distribuidores poderem vender através da Internet enquanto modalidade complementar á venda dos produtos a partir de um estabelecimento físico. Em conformidade com esta decisao, todas as empresas destinatárias alteraram os seus contratos integrando a venda através da Internet como urna das modalidades possíveis de venda dos produtos portadores das respectivas marcas. Foi assim reafirmada a licitude da rejeigáo de agentes que vendessem exclusivamente através da Internet, nao obstante alguns laboratorios tivessem aderido a esta modalidade de distribuigáo.

Quanto as condigóes de qualidade exigidas na venda dos produtos on Une, o principio adoptado é de que estas nao podem ser mais elevadas ou restritivas do que na venda física. Assim, os distribuidores podem ser obligados a respeitarem criterios de qualidade relativos a apresentagáo dos produtos no respectivo site, sendo interdito a utilizagao de slogans, imagens ou termos que desvalorizem a imagem da marca. Porém, a exigencia mantida por algumas marcas de criagáo de um site exclusivamente reservado á venda dos produtos sob conselho farmacéutico foi considerada excessiva, tendo esta exigencia sido substituida por «páginas dedicadas», num quadro de urna boutique virtual consagrada aos produtos dermo-cosméticos vendidos sob conselho farmacéutico. O servigo de aconselhamento realizado através de «hot Une» ou de mensagens electrónicas com obrigatoriedade de prazos de resposta máximo (normalmente de 48h) foi globalmente aceite. As limitagóes quantitativas ñas vendas através da Internet, previstas nos contratos iniciáis, foi encarada com reservas por parte do Conseil de la Concurrence, considerando que nao existiriam limitagóes ao nivel da aquisigao dos produtos nos pontos de venda físicos. Se bem que compreendendo o objectivo de evitar o desenvolvimento de um comercio paralelo, as...

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