Reivindicações: algumas reflexões sobre a sua interpretação e a fundamentação dos critérios de decisão em litígios de patentes

AutorJoão Paulo F. Remédio Marques
Páginas231-256

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I Introdução. A incerteza judicativa

Sempre que o titular de uma patente exercita judicialmente o licere do seu direito subjectivo -por meio de um pedido enquanto autor numa acção de condenação ou na contestação, por via de um pedido reconvencional- ele dirige uma pretensão contra alguém que, na sua perspectiva, praticou um acto, ou um conjunto de actos no Estado para cujo ordenamento jurídico a proteção patentária foi concedida; actos, estes, que careciam do seu consentimento. Faz-se assim necessário determinar em que condições e quais são os actos que carecem da autorização do titular da patente. Todavia, mesmo que fique estabelecido que a contraparte na acção de infracção praticou algum dos actos exaustiva e tipicamente previstos na lei como actos mercadológicos reservados ao titular (v. Gr., importação, fabrico, introdução no comércio, etc.) -seja a título de violação directa ou de violação indirecta do direito de patente-, é ainda preciso saber se tais condutas atingiram o invento que se encontra protegido e, logo, o direito de o titular o explorar economicamente em regime de exclusivo temporário 1. Vale dizer: faz-se mister comparar a invenção patenteada com o produto, processo ou uso utilizado pelo réu. O objectivo desta comparação visa determinar se o referido produto, processo ou uso utilizam a ideia inventiva industrial (e as respectivas regras técnicas) anteriormente protegida fora daquelas utilizações que devem ser consideradas utilizações livres 2.

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Os pedidos de patente incluem as peças escritas mais importantes: as reivindicações. Estas permitem, por um lado, aferir da susceptibilidade de proteção de uma invenção e, por outro, determinar o âmbito (tecnológico) de proteção do direito de patente 3. A infracção de um direito de patente -vale dizer, os critérios de decisão prático-normativa do tribunal e os percursos metodológicos de determinação e de qualificação de uma conduta do demandado como conduta infractora- constituem, provavelmente, as matérias mais complexas deste subsistema da propriedade industrial 4.

II A metódica do juízo de infração da patente. Os âmbitos de proteção da patente

Como é sabido, a metódica destinada à determinação de um juízo de infracção de uma patente ou, ao invés, de um juízo de absolvição do réu do pedido implica: a) a determinação das actividades concretamente desenvolvidas pelo réu, em termos de se poder afirmar que elas coincidem, ou não, com o acervo de condutas mercadológicas tipicamente previstas na lei como condutas ilícitas (âmbito mercadológico de protecção) -fabrico, oferta, importação, introdução no comércio, posse do objecto da invenção patenteada- ou com o certo tipo de actividade de reprodução ou de multiplicação das matérias biológicas constitutivas da invenção patenteada (âmbito biológico de proteção 5); b) determinar,

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por meio da interpretação das reivindicações, se a conduta do réu, alegada pelo autor, está dentro do âmbito tecnológico de proteção conferido pela patente 6; o que impõe uma comparação da invenção patenteada com o produto, processo ou uso utilizados pelo réu, em termos de se dizer que a sua similitude 7 ou

distância técnicas conduzem, respectivamente, a um juízo de infracção ou de absolvição, c) determinar se a concreta conduta do réu pode ser, ainda assim, considerada como actividade livre, ao abrigo das utilizações livres expressamente previstas no CPI 8.

III A insuficiência da proteção literal das reivindicações

O réu em acções de violação de patente raramente é acusado de praticar uma conduta relativamente a um produto, processo ou um uso de um produto que traduz a execução exacta das regras técnicas precipuamente reivindicadas na patente do autor. O estender o alcance do exclusivismo daquela exploração económica para além dos estritos limites fornecidos por uma interpretação literal das reivindicações responde a uma pretensão de justiça em homenagem aos legítimos interesses do titular deste direito subjectivo privado, evitando que os concorrentes (reais o potenciais) deste titular, por meio de triviais e cosméticas alterações de elementos técnicos reivindicados, possam comercializar produtos, processos ou usos que desempenham substancialmente a mesma função técnica, da mesma maneira, tendo em vista a obtenção do mesmo resultado técnico 9.

Esta solução postula, porém, uma outra e bem mais complexa: a determinação dos limites a partir dos quais as condutas praticadas por terceiros são livres, não podendo ser posicionadas dentro do «círculo de proibição» deste direito de propriedade industrial, não exigindo o consentimento do titular da patente 10.

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Uma patente que não forneça uma proteção adequada ao comportamento deste tipo de concorrentes não é dotada de valia técnico-económica. Porém, quanto maior for a mais-valia técnico-económica e social de uma invenção patenteada, maior será, como veremos, a probabilidade de o seu «círculo» ou âmbito de proteção ser constantemente posto em causa 11, levando o seu titular a accionar terceiros de uma forma mais recorrente 12.

IV A teoria dos meios equivalentes: o teste schneidmesser e a 3ª. questão do teste catnic/improver

No quadro da common law, a partir da segunda metade do século xix, a jurisprudência do Supreme Court dos EEUU iniciou a orientação segundo a qual o direito de exclusivo outorgado à invenção patenteada não é eficazmente assegurado se aos terceiros não autorizados pelo titular da patente for reconhecida a faculdade de efectuar imitações substancialmente conformes ao corpus mechanicum da invenção protegida, nos casos em que estes terceiros se limitam a realizar variações na forma ou nas proporções da invenção patenteada 13 - 14. De modo que, segundo este Tribunal, a teoria dos meios equivalentes -inicialmente utilizada nas acções de violação de patentes mecânicas foi mobilizada nas acções de infracção de patentes químicas- 15 dá resposta a estas preocupações 16.

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A extensão da tutela do direito de patente a reproduções não literais dos elementos técnicos reivindicados também foi, há muito, recebida nos ordenamentos jurídicos da civil law, em particular no ordenamento alemão. Assim terá nascido a teoria dos meios equivalentes, segundo a qual a proteção do titular da patente se estende aos meios técnicos equivalentes aos que constem do texto das reivindicações. De sorte que os meios técnicos equivalentes (susceptíveis de serem surpreendidos no dispositivo utilizado pelo réu) são todos aqueles elementos capazes de desempenhar a mesma função, substancialmente da mesma maneira, para o efeito de produzir substancialmente o mesmo resultado produzido pelo elemento reivindicado 17 - 18.

Uma coisa parece-me certa: o licere outorgado ao titular de uma patente e o inerente «círculo de proibição» ou «círculo de poder» não pode estender-se e ser oponível para além da concreta solução técnica reivindicada e devidamente alicerçada nas regras, conceitos e nos exemplos de execução da invenção divulgados na descrição incluindo, obviamente, as soluções técnicas e respectivos termos ou expressões cujo significado, por via interpretativa, o juiz se convence que o perito na especialidade teria igualmente entendido, na data do pedido de patente (ou na data da prioridade), a partir da leitura do fascículo da patente, como sendo soluções tecnicamente equivalentes, por desempenharem a mesma função técnica, substancialmente da mesma maneira, com vista a alcançar os mesmos resultados técnicos; aqui onde o juiz fica convencido de que esse perito da especialidade também pode entender os elementos técnicos utilizados pelo réu como sendo elementos intermutáveis relativamente aos reivindicados na invenção patenteada, de tal modo que a substituição de etapas, de fases ou

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de elementos mecânicos, químicos ou biológicos, efectuadas pelo réu, não é substancial em relação à invenção patenteada.

Esta formulação deriva, como se vê, da 3.ª Questão inscrita no teste Catnic/Improver (ou Protocol Questions) e da tentativa germânica de, a partir das cinco decisões do Supremo Tribunal Federal alemão, de 12/03/2002, adoptar critérios decisórios harmonizáveis com o case law britânico 19 - 20. Todavia, quer a 3.ª questão do teste Catnic/Improver, quer a 3.ª questão do teste Schneidmesser -ao exigirem que as revindicações sejam interpretadas de uma forma objectiva na óptima de impressão de específicos destinatários (id est, os peritos na concreta especialidade)-...

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