A redução do capital social com atribuição aos sócios de bens em espécie - aspetos societários e fiscais

AutorJoão Anacoreta Correia, Maria João Dias/Miguel Durham Agrellos
CargoAdvogados da Área de Comercial da Uría Menéndez - Proença de Carvalho (Porto)/Advogado da Área de Fiscal da Uría Menéndez - Proença de Carvalho (Porto)
Páginas161-166

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1. A redução do capital social em espécie Introdução

A presente nota visa refletir sobre a possibilidade de atribuição de bens em espécie aos sócios, no âmbito de uma redução do capital social exuberante. Por simplificação, a operação em apreço será referida como redução em espécie.

A redução em questão terá forçosamente que surgir em cenários de sobrecapitalização da sociedade, sendo motivada pela vontade de os sócios recuperarem investimento feito na sociedade, que se revelou excessivo eou improdutivo. A tónica destas linhas encontra-se, precisamente, na possibilidade de recuperação desse investimento em espécie (por oposição à recuperação em dinheiro). Por força da atribuição aos sócios de bens diferentes de dinheiro, a operação em análise poderá revestir-se de implicações específicas, tanto a nível societário como fiscal.

Assim e em suma, pretende aferir-se, face ao quadro legal vigente, se a redução do capital social em espécie é possível e qual o regime societário e fiscal a que estará sujeita.

2. O capital social e a atribuição de bens aos sócios

A redução em espécie não se encontra expressamente prevista no Código das Sociedades Comer-ciais («CSC»). Assim, a presente análise passa, necessariamente, por alguma reflexão sobre o (i) regime do capital social; (ii) o regime da conservação do capital social e da distribuição de bens aos sócios; (iii) o regime de reembolso das entradas em sede de liquidação da sociedade; e (iv) o regime da redução do capital social exuberante.

2.1. Capital social

O conceito de capital presta-se a diferentes aceções, que nos propomos definir sem preocupações de excecional rigor. Numa perspetiva formal, o capital social consiste numa cifra, fixada no contrato de sociedade, correspondente ao somatório do valor nominal das participações dos sócios. Estará aqui em causa o capital social nominal ou formal. Numa perspetiva material, o capital social consistirá naquela parte do património existente na sociedade que se revela necessário para a cobertura da referida cifra, e que é tendencialmente correspondente às entradas realizadas pelos sócios. Estará aqui em causa o capital social real.

O capital social desempenha várias funções, tanto a nível interno (critério de determinação das posições jurídicas dos sócios, função de produção...) como a nível externo. Nesta última sede, a função mais destacada do capital social é a função de garantia dos credores. Tal significa que o regime do capital social é pautado por certos princípios e regras (exacta formação, intangibilidade, efetividade...) que visam assegurar o ingresso e manutenção do capital social real no património da sociedade, garantindo-se por essa via o pagamento das dívidas da sociedade.

Atualmente, a aptidão do capital social para desempenhar a função de garantia é amplamente questio-

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nada, por motivos que não poderemos agora explorar. Por inerência, o mecanismo do capital social está hoje em discussão e mesmo em crise.

Em Portugal, alterações legislativas ainda recentes, como a eliminação do capital social mínimo nas sociedades por quotas (Decreto-Lei n.º 33/2011, de 7 de Março) e a previsão de ações sem valor nominal nas sociedades anónimas (Decreto-Lei nº 49/2010, de 19 de Maio) indiciam que a importância do capital social, entre nós, nas suas diversas funções, se está a esbater.

Não obstante, e como a seguir veremos, o regime da redução do capital social vigente é ainda amplamente marcado pela função garantística do capital social e por uma pretendida correspondência entre o capital social formal e o capital social real.

2.2. Conservação do capital social e distribuição de bens aos sócios

As regras de conservação do capital social, constantes dos artigos 31.º e seguintes do CSC, são corolário da função de garantia do capital social.

No artigo 32.º do CSC encontra-se legalmente consagrado o princípio da intangibilidade do capital social, que corresponde à impossibilidade de distribuição aos sócios de bens ou valores necessários à cobertura do capital social. Como decorrência deste princípio, está proibida a restituição das entradas aos sócios. Em suma, os sócios não podem reaver, em vida da sociedade, bens no valor que afetaram ao património da sociedade, para cobertura do capital social.

De acordo com o n.º 1 da referida disposição legal: «[s]em prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta [...] seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.». No fundo, ficam forçosamente retidos na...

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