O recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça em processo civil

AutorNuno Salazar Casanova - Adriano Squilacce
CargoAdvogados da área do Direito Público, Contencioso e Arbitragem de Uría Menéndez-Proença do Carvalho (Lisboa).
Páginas143-150

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Introdução

Até à recente reforma do regime dos recursos em processo civil operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto («DL 303/2007»), as decisões de mérito nas acções de valor superior à alçada dos tribunais da Relação admitiam, por regra, um duplo grau de recurso, i.e., recurso da sentença do tribunal de 1.ª instância para o tribunal da Relação e, do acórdão por este proferido, para o Supremo Tribunal de Justiça («STJ»). E isto apesar de o recurso em processo civil, ao contrário do que sucede em processo penal, não estar sequer constitucionalmente garantido.

Cedo se constatou, porém, que raramente as partes vencidas se conformavam com as decisões do tribunal da Relação e, pelo contrário, quase invariavelmente recorriam para o STJ. Para isso terá contribuído, também, uma taxa de justiça relativamente reduzida nos recursos para o STJ.

Assim, a esmagadora maioria das acções de processo ordinário, até ao respectivo trânsito em julgado, percorriam sempre as duas instâncias de recurso até à decisão final do STJ. Uma vez que, nestes casos, a última palavra caberia sempre aos juízes Conselheiros do STJ, mais experientes e tendencialmente mais qualificados, foi sem surpresa que, com a reforma do processo civil de 95/96, concretamente através do Decreto-Lei n.º 329-A/95, se introduziu o recurso per saltum para o STJ, ou seja, a possibili-dade de as partes, em determinadas circunstâncias, requererem que o recurso interposto da sentença de 1.ª instância suba directamente para o STJ. Desta forma, a parte mais interessada na célere resolução definitiva do litígio pode prescindir de um grau de jurisdição e requerer que o recurso seja imediatamente decidido pelo STJ, tribunal que, de resto, provavelmente iria já decidir, em qualquer dos casos, o mérito da sentença a título definitivo.

Talvez estranhamente, como se refere no preâmbulo do DL 303/2007, verificou-se uma utilização quase nula do recurso de revista per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, com percentagens inferiores a 0,5% do total de recursos de revista findos nesse tribunal. Muitos defenderam, por isso, a consagração de um recurso per saltum obrigatório, como de resto sucede em processo penal e em processo administrativo.

Na recente reforma do regime de recursos em processo civil não se optou pelo recurso per saltum obrigatório. Contudo, o DL 303/2007 diminuiu drasticamente os recursos para o STJ através da instituição da dupla conforme, impedindo o recurso de revista quando a decisão de 1.ª instância é confirmada pelo tribunal da Relação, mesmo que com diferentes fundamentos. Questão controvertida, e que o Código de Processo Civil não resolve, é a de saber se a dupla conforme opera quando a sentença do tribunal de 1.ª instância é confirmada apenas parcialmente pelo tribunal da Relação (sobre esta matéria, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, «"Dupla Conforme": critério e âmbito da conformidade», in Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Janeiro/Março, 2008, páginas 21 e ss.).

Em face da dupla conforme, o recurso per saltum passa, agora, a ter um redobrado interesse, pois constitui uma forma de qualquer das partes garantir uma decisão pelo STJ. Antevê-se, portanto, um aumento significativo do número de recursos per saltum requeridos, embora, como se verá, não necessariamente admitidos. Pelo exposto, e aten-

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dendo também às alterações introduzidas por este diploma no recurso per saltum, justifica-se que o mesmo seja revisitado.

Decisões susceptíveis de recurso per saltum

O recurso per saltum para o STJ visa, fundamental-mente, suprimir um grau de recurso a favor da celeridade na resolução do litígio, mas não permitir a apreciação, pelo STJ, de questões que, de outro modo, não seriam à partida susceptíveis de recurso de revista. Por isso, nos termos do artigo 725.º/1 do Código de Processo Civil, apenas são susceptíveis de recurso per saltum as decisões referidas no artigo 691.º/1/h), ou seja, as mesmas decisões que - nos termos do artigo 721.º/1 - comportam recurso sucessivo para o tribunal da Relação e para o STJ: as que põem termo ao processo e as que, sem pôr termo ao processo, decidem do mérito da causa.

Ao contrário do que sucedia antes da reforma operada pelo DL 303/2007, são agora susceptíveis de recurso per saltum decisões que não decidem do mérito da causa, desde que ponham termo ao processo, como é o caso da decisão que julga procedente uma excepção dilatória e absolve o réu da instância. Mas isto fundamentalmente porque o próprio recurso de revista passou, como regra geral, a incluir estes casos.

As restantes decisões nunca poderão ser susceptíveis de recurso per saltum, mesmo nos casos previstos no artigo 721.º-A/1 para a revista excepcional. Estes pressupõem sempre um acórdão da Relação, como resulta literalmente do n.º 1 do artigo e do carácter excepcional deste recurso.

Legitimidade

O recurso per saltum obedece, com as necessárias adaptações, às restantes regras gerais aplicáveis a todos os recursos que não se devam considerar excluídas pelo seu regime especial. Assim, aplica-se o disposto nos artigos 680.º, 681.º, 684.º-A/1 e 2, 685.º (com excepção do n.º 7), 685.º-A, 685.º-C, 685.º-D e 688.º

De acordo com os n.os 1 e 2 do artigo 680.º, os recursos só podem ser interpostos pela parte vencida ou por quem seja directa e efectivamente prejudicado pela decisão. Contudo, nos termos do artigo 725.º/1, e verificados que estejam os requisitos ali previstos, ambas as partes podem requerer que o recurso interposto das decisões referidas no n.º 1 e na alínea h) do n.º 2 do artigo 691.º suba directamente ao STJ. Isto significa que o recorrente pode, logo aquando da interposição de recurso, requerer que o mesmo seja per saltum, mas também que o recorrido pode, por assim dizer, convolar o recurso de apelação interposto num recurso per saltum ao requerer que o mesmo suba directamente para o STJ. Trata-se de um direito potestativo de qualquer das partes, preenchidos que estejam todos os requisitos previstos no artigo 725.º/1. Com efeito, a parte mais interessada na rápida resolução do litígio pode não ser necessariamente a recorrente. Como acertadamente se referia no preâmbulo do DecretoLei n.º 329-A/95, «na verdade, inúmeros sistemas jurídicos comportam a possibilidade de recurso per saltum, nomeadamente sempre que haja acordo das partes; pareceu, todavia, que, ponderada a nossa cultura judiciária, tal regime se arriscaria a permanecer, na prática, letra morta, já que ao interesse de uma das partes na aceleração do processo corresponderá normalmente o interesse da outra no retardamento do trânsito em julgado da decisão, procurando esgotar, para tal, todas as instâncias de recurso possíveis».

Contudo, não é apenas a celeridade na resolução do litígio que poderá suscitar o interesse no recurso per saltum. Com efeito, uma das partes (sobretudo o recorrente) poderá ainda ter interesse no recurso per saltum, caso a corrente jurisprudencial mais recente do STJ sobre certa matéria seja mais favorável à sua pretensão do que a jurisprudência mais recente do tribunal da Relação.

O problema é que, face à dupla conforme, em princípio apenas o recorrente estará verdadeiramente interessado no recurso per saltum. É que, mesmo que o recorrido deseje a obtenção célere de uma decisão final, se tiver dúvidas quanto ao sucesso do recurso (que quase sempre existem), o recorrido preferirá tentar obter uma decisão da Relação confirmatória, inviabilizado um subsequente recurso de revista por via da dupla conforme. Caso o recorrido não obtenha vencimento na Relação, poderá ainda recorrer para o STJ. Ou seja, para que o recorrido em 1.ª instância seja o vencedor da acção, bastar-lhe-á apenas obter uma decisão favorável de uma das duas instâncias de recurso: ou uma...

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