Produtos financeiros complexos

AutorCatarina Gonçalves de Oliveira
CargoAbogada del Área de Mercantil de Uría Menéndez Proença de Carvalho (Lisboa).
Páginas104-110

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Origem e Contexto

Foi em plena crise global dos mercados financeiros de 2007/2008 que surgiu, no ordenamento jurídico português, uma nova categoria conceptual no universo dos instrumentos financeiros -os assim designados «produtos financeiros complexos». Propiciada por uma conjuntura favorável ao acolhimento de um novo paradigma de reduzida liquidez, regulamentação apertada, menor especulação e maior influência do Estado nos mercados, rapidamente se impuseram vozes incitando a uma nova regulamentação e reforma do sistema financeiro.

Grande parte dos problemas que podem ser gerados pela complexidade deste tipo de produtos prende-se com eventuais assimetrias de informação, não só entre as entidades que os estruturam e as instituições que os comercializam, mas sobretudo em relação ao potencial investidor. É neste contexto que a transparência da informação prestada pelas instituições e a adequação dos produtos ao perfil de risco e capacidade financeira do potencial investidor se afirmam como elementos essenciais para que este tenha as expectativas correctas quanto à rendibilidade e risco destes produtos.

Assim, fruto de um labor legislativo ordenado à reposição e reforço da estabilidade financeira no mercado português, veio o Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro (o «Decreto-Lei»), entre um conjunto amplo de medidas anti-crise, consagrar maiores exigências de informação ao nível da supervisão e regulação para o que -numa terminologia não isenta de dúvidas- entendeu denominar de «produtos financeiros complexos». Reza o preâmbulo do diploma ter sido a intenção legislativa «nivelar os deveres de informação sobre produtos financeiros complexos, exigindo-se que a informação seja completa e clara de modo a permitir ao público o efectivo conhecimento das suas características e riscos, impondo-se o dever de entrega ao investidor de um documento informativo em linguagem clara, sintética e compreensível que expressamente identifique o produto como produto financeiro complexo».

Nova roupagem para uma realidade que o mundo financeiro já havia acolhido no passado sob designações, não raramente, pouco esclarecedoras e ambíguas -porque abrangendo realidades muito distintas- como a de «produtos estruturados», e à qual o legislador havia já, parcelarmente e de modo fragmentário, procurado dar resposta, por exemplo, através da qualificação de alguns destes produtos como «instrumentos de captação de aforro estruturados (ICAE)».

O Conceito - «Produtos Financeiros Complexos» e Outras Realidades Paralelas

Determina o Decreto-Lei a divulgação ao público como «produto financeiro complexo» dos instrumentos financeiros que, embora assumindo a forma jurídica de um instrumento já existente, têm características que não são directamente identificáveis com as desse instrumento, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade. É esta a definição legal do tipo de instrumento financeiro que ora se analisa.

Assim, e de acordo com o elenco exemplificativo incluído no Regulamento da CMVM n.º 1/2009, que irá ser adiante objecto de uma análise mais detalhada, são designadamente abrangidos por esta

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definição os certificados, salvo quando se limitem a replicar fielmente a evolução de um instrumento financeiro que não possa ser considerado um produto financeiro complexo, os valores mobiliários condicionados por eventos de crédito, as obrigações estruturadas, os warrants autónomos e as aplicações de fundos (v.g., depósitos bancários) a que estejam associados instrumentos financeiros, quer pela via da indexação da respectiva rendibilidade (v.g., depósitos indexados), quando não exista a garantia total do capital investido pelo balanço da instituição de crédito, quer por a sua comercialização combinada implicar a subscrição de, ou a adesão individual a, instrumentos financeiros. Cabem igualmente no conceito os contratos e operações de seguro ligados a fundos de investimento (unit linked).

Já no que respeita a fundos de investimento, lê-se no Documento de Consulta Pública da CMVM n.º 11/2008 que, independentemente de se tratarem de fundos de investimento harmonizados ou não harmonizados ou de fundos de investimento imobiliário comuns ou especiais, no entender da CMVM, os mesmos não são produtos financeiros complexos, no sentido do Decreto-Lei, salvo se forem objecto de uma comercialização combinada com depósitos. Cumpre referir, porém, que a prática da CMVM, pese embora a inexistência de qualquer entendimento escrito neste sentido, tem sido a de considerar como produtos financeiros complexos os fundos de investimento não harmonizados, ainda que sujeitando tal qualificação a uma análise casuística.

Na esteira da designação prevalecente na regulamentação anteriormente vigente, esclarece, ainda, o Decreto-Lei, que se consideram produtos financeiros complexos, designadamente, os instrumentos de captação de aforro estruturados, também designados por ICAE.

Os ICAE -também eles uma «zona cinzenta» em matéria de classificação de instrumentos financeiros- designavam um conjunto de produtos financeiros que combinavam as características de um produto financeiro tradicional do sector bancário (v.g., depósito), segurador (v.g., contrato de seguro) ou do mercado de capitais (v.g., obrigações) com as de outro instrumento, activo ou valor de referência de cuja evolução dependia, no todo ou em parte, a respectiva rendibilidade (v.g., valores mobiliários ou índices bolsistas), formando, assim, um produto materialmente novo. Refira-se que a definição legal de ICAE contida, designadamente, no Aviso do Banco de Portugal n.º 6/2002, era, quase inteiramente, coincidente com a definição de produto financeiro complexo que encontramos, actualmente, no Decreto-Lei. Não será estranha a este facto a intenção de o legislador sujeitar a um regime uniforme os instrumentos de captação de aforro estruturados, até então regulados por vários diplomas esparsos...

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