A privacidade do trabalhador no meio informático

CargoJuiz de Direito, advogado

A PRIVACIDADE DO TRABALHADOR NO MEIO INFORMÁTICO

'o perigo da máquina para a sociedade não provém da máquina em si, mas daquilo que o Homem faz dela'

  1. A Internet como ferramenta de trabalho

    A Internet e sua tecnologia foram rapidamente absorvidas pelas empresas, que se utilizam desse novo meio de comunicação para desenvolver os meios produção, proporcionando, dentre outras vantagens, maior eficiência para as suas atividades.

    Através da Internet o empregado pode tornar-se mais produtivo, uma vez que informações valiosas para o desenvolvimento do trabalho acham-se disponíveis de maneira rápida e fácil. Na Internet efetuam-se transações comerciais, pesquisas, treinamentos, gerenciamento à distância de subsidiárias, troca de informações de todo tipo, fóruns etc. Há, inclusive, algumas empresas que não exigem a presença física do empregado no seu local de trabalho, desenvolvendo suas funções à distância e segundo critérios de produtividade. Deste modo, as novas tecnologias tem modificado bastante o modo como se desenvolve a atividade laborativa.

    Todavia, no Brasil e no exterior empresas tem despedido empregados por uso indevido das ferramentas tecnológicas que são fornecidas pelos empregadores aos trabalhadores para o desempenho de suas funções. Especialmente aquelas que utilizam os recursos da Internet estão passando por situações de má utilização da rede de computadores pelos empregados. São casos que envolvem acesso a sites pornográficos, envio de mensagens ofensivas, humorísticas ou pornográficas a terceiros ou a outros funcionários, queda da produtividade por uso da rede para tratar de assuntos não relacionados ao trabalho etc.

    Pesquisa realizada pela Revista INFO EXAME e a Pricewaterhousecoopers com 836 maiores empresas brasileiras revelou que 25,5% das companhias já despediram pelo menos um funcionário por uso inadequado da web ou do e-mail .

    Tem-se tornado muito comum procedimentos de monitoramento das ações dos empregados no local de trabalho, quando acessam a Internet, seja por meio do controle dos hábitos de navegação, seja através da verificação do destino e conteúdo das mensagens eletrônicas.

    Essa prática de fiscalização e conseqüente rescisão do contrato de trabalho por mau procedimento ou desídia no desempenho das respectivas funções, vem levantando um debate em torno da possível violação de preceitos constitucionais, como por exemplo o direito à privacidade, sigilo das comunicações e vedação do uso de provas ilícitas. Tais problemas foram objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, existindo posições favorável a fiscalização e também contrária.

    No Brasil, não há qualquer legislação que regulamente o assunto, diferentemente do que ocorre em outros países. Daí a necessidade de analisar o problema sob ponto de vista dos tribunais e também dos princípios que norteiam as relações trabalhistas. Este é o escopo do presente artigo.

  2. A Dignidade Humana e o Direito do Trabalho

    Sabe-se que a dignidade humana é considerada pelas constituições modernas como núcleo central dos direitos fundamentais. No Brasil, este superprincípio é inserido como um dos fundamentos da República (art. 1º, III, CF). O objetivo maior dos direitos fundamentais é conservar a dignidade humana. É o livre exercício dos direitos que levará ao reconhecimento de que o ser humano vive condignamente.

    LUIS ROBERTO BARROSO expressa com perfeição o sentido da dignidade humana:

    'A dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo (...) A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência'.

    Logo, terá respeitada a sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e efetivados, seja os direitos individuais, direitos políticos e direitos sociais, econômicos e culturais.

    Sendo assim, qualquer ação humana deverá estar pautada na observância do conceito de dignidade, sobretudo àquelas que definam situações de aplicação dos direitos fundamentais que dão conteúdo jurídico ao conceito de dignidade humana. Daí a conclusão de que o princípio da dignidade da pessoa humana deverá servir como norte interpretativo geral, vinculando o intérprete em seu ofício.

    Neste sentido, pronuncia-se ANA PAULA DE BARCELOS:

    'O intérprete deverá demonstrar explicitamente a adequação de suas opções tendo em vista o princípio constitucional pertinente à hipótese e o princípio geral da dignidade da pessoa humana, a que toda a ordem jurídica afinal se reporta (...) Assim como se passa com a fundamentação da decisão judicial, através da qual se observa o percurso trilhado pelo juiz, permitindo identificar facilmente onde ele porventura se tenha desviado da rota original, da mesma forma a exposição de como uma determinada opinião jurídica se relaciona com os princípios constitucionais aplicáveis permitirá certo balizamento e, em conseqüência, o controle constitucional do processo de interpretação e de suas conclusões através da sindicabilidade da eficácia interpretativa dos princípios constitucionais'.

    Além de vincular todos integrantes da sociedades aos seus compromissos valorativos, sobretudo a dignidade humana, o sistema legal implantado pela constituição oferece a idéia, por meio de seus preceptivos, do conteúdo da dignidade humana, por meio do elenco de direitos fundamentais, sendo possível, pois, definir quando um ato humano viola a dignidade. Basta verificar se transgrediu um direito fundamental.

    Quanto ao Direito do Trabalho, resta claro através da dicção do art. 170, caput, da Constituição Federal que a vida digna está intimamente relacionada ao princípio da valorização do trabalho humano. 'A dignidade humana é inalcançável quando o trabalho humano não merecer a valorização adequada'.

    Segundo EROS ROBERTO GRAU a dignidade humana não é apenas o fundamento da República, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica. Esse princípio compromete todo o exercício da atividade econômica, sujeitando os agentes econômicos, sobretudo as empresas, a se pautarem dentro dos limites impostos pelos direitos humanos. Qualquer atividade econômica que for desenvolvida no nosso país deverá se enquadrar no princípio mencionado.

    Alem disso, a ordem econômica também está condicionada à valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho, conferindo ao trabalhador tratamento peculiar, isto é 'dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre os demais valores da economia de mercado'.

    É com base nessas normas constitucionais que podemos inferir outro princípio cardeal do direito do trabalho: o princípio da proteção. A constituição promove, seja através do elenco dos direitos sociais, seja por meio da prevalência do valores do trabalho sobre o capital, um sistema de proteção ao hipossuficiente, no caso do trabalhador, de modo que se busca uma igualdade substancial na relação de trabalho, obrigando o interprete a escolher, entre várias interpretações possíveis, a mais favorável ao trabalhador.

    Com efeito, o estudo do direito à privacidade do trabalhador no local de trabalho e seus possíveis casos de violação deve se pautar nos preceitos acima aludidos, sendo crível ao intérprete direcionar seu pensamento de forma a garantir o máximo de dignidade, valorização do trabalhador e sua proteção. Aderindo a essas premissas estará promovendo uma interpretação legítima, de acordo com a Constituição.

  3. Privacidade e Trabalho

    O primeiro documento internacional que elegeu a privacidade como direito fundamental foi a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada em 02 de maio de 1948. Logo em seguida, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída pela ONU em 10 de dezembro de 1948, foi reconhecido o direito à vida privada.

    O Brasil só incorporou expressamente o direito à privacidade e intimidade ao texto constitucional com a Constituição de 1988, embora já possuísse dispositivos que tratavam indiretamente da matéria, tais como a vedação de violação de correspondência.

    Portanto, antes da constituição, a privacidade encontrava-se protegida por normas esparsas, tais como os arts. 554, 573 e 577 do antigo Código Civil que tratavam do direito de vizinhança, alguns tipos penais referentes as violações de domicílio, correspondências, dados e segredos (arts. 150, 151 e 153) e, por fim, o art. 49, § 1º, da Lei de Imprensa que faz incorrer em ilícito civil aquele que divulga informação pertinente à vida privada do indivíduo, embora verdadeira, desde que não motivada no interesse público.

    O novo código civil estabelece a proteção da vida privada no...

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