O Princípio Constitucional do Habeas Corpus no Direito Canónico Português

AutorJosé Domingues
CargoUniversidade Lusíada Norte
Páginas221-249
O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO HABEAS CORPUS NO
DIREITO CANÓNICO PORTUGUÊS
THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF HABEAS CORPUS
IN PORTUGUESE CANON LAW
José Domingues
Universidade Lusíada Norte
SUMARIO: I. INTRODUÇÃO.- II. AS CARTAS DE SEGURO NO DIREITO
CANÓNICO PORTUGUÊS.- III. CONCLUSÃO.
Resumo: As cartas de seguro portuguesas assumem-se, cada vez mais, como uma
das mais vetustas tradições jurídico-legislativas do princípio constitucional do habeas
corpus e, em simultâneo, uma cúspide da cultura jurídica portuguesa. Durante os
cinco séculos da sua vigência efectica ramificaram em duas tipologias: as cartas de
seguro civis, sob a égide da Justiça civil monárquica, e as cartas de seguro canónicas,
sob a égide da Justiça eclesiástica da Igreja. Para estas últimas pretende este estudo
deixar aqui uma primeira abordagem e singelo adminículo a partir, sobretudo, do
tratamento legislativo dispensado pelas várias Constituições Sinodais portuguesas,
que foi cotejado com a legislação civil concordante.
Abstract: Portuguese insurance letters are increasingly considered as one of the
oldest legislative-legal traditions of the constitutional principle of habeas corpus
and simultaneously a cusp of the Portuguese legal culture. During the five
centuries of its effective validity they ramified into two typologies: civil insurance
letters, under the aegis of monarchical Civil Justice, and canonical insurance
letters, under the aegis of the ecclesiastical Justice of the church. In respect to
the latter, this study intends to leave here a first approach and simple support,
mainly from the legislative treatment provided by the various Portuguese Synodal
Constitutions, which was compared with the concordant civil legislation.
Palavras chave: habeas corpus, cartas de seguro, Direito canónico.
Key Words: habeas corpus, insurance letters, canon Law.
«Potest autem Securitas, de qua agimus definiti, ut sit quaedam
licentia concessa Reo ab eo, qui potestatem habet concedendi, ut
possit ad judicium venire, et ne carceretur virtute decreti capturae
summarie editi, nisi quando alias de jure, et ipsius Securitatis
natura debuerit carcerari».
«Todavia, a carta de seguro de que tratamos pode ser definida
como sendo uma certa licença concedida ao réu por quem tem
poder de a conceder, para que possa vir a juízo, e para que não
seja encarcerado em virtude de um decreto de captura
sumariamente emitido, a não ser quando, por Direito e pela
própria natureza da carta de seguro, deve ser encarcerado».
1645 – Mateus Homem Leitão, Do Direito Lusitano.
Revista de Historia Constitucional
ISSN 1576-4729, n.16, 2015. http://www.historiaconstitucional.com, págs. 221-249
I. INTRODUÇÃO.
Uma das tradições jurídico-legislativas mais vetustas do princípio
constitucional do habeas corpus poder-se-á radicar, desde o século XIII em
diante, nas cartas de seguro instituídas e que circularam durante mais de cinco
séculos consecutivos pelo espaço territorial do reino de Portugal1. Não será
despiciendo deixar aqui consignado que, mesmo antes do Parlamento inglês ter
promanado o Habeas Corpus Act de 1679 –considerado, por alguma doutrina
portuguesa, como o primeiro dos marcos jurídicos fundadores na génese dos
direitos fundamentais2 o insigne jurisconsulto português Mateus Homem
Leitão, no ano de 16453, publicava um tratado doutrinal impar que ressuma uma
ampla, longínqua, e bem assente tradição legislativa e jurisprudencial
portuguesa, sem qualquer paralelo para a história do princípio constitucional do
habeas corpus4.
Até à data, ainda não foi possível chegar com a devida e cobiçada segurança
científica à origem mais recôndita das cartas de seguro, vetusta e comummente
enraizada num antiquíssimo costume não escrito do reino de Portugal5. O mais
1 José Domingues, “As origens do princípio de «habeas corpus» no pré-constitucionalismo português”,
Historia Constitucional, n.º 14, 2013, pp. 329-352 (343-346), em
http://www.historiaconstitucional.com (consultado no dia 10 de Setembro de 2013); Paulo Otero,
Manual de Direito Administrativo, volume I, Almedina, 2013, p. 259, identifica as cartas de seguro
portuguesas como um “antepassado lusitano do habeas corpus de origem britânica.
2 V. g., na esteira de Michael Sachs, José de Melo Alexandrino, Direitos Fundamentais
Introd ução Ger al, 2.ª edição revista e actualizada, Principia, 2012, pp. 1516: “podemos considerar
que na génese próxima dos direitos fundamentais se encontram os seguintes marcos jurídicos
fundadores: o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights inglês de 1689, a Declaração de Direitos
da Virgínia de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789”.
3 Esta obra conheceu várias edições correspondentes aos anos de 1645, 1675, 1697, 1700,
1735, 1736 e 1745que testemunham a subida acribia do seu autor e o elevado interesse e
importância das matérias tratadas.
4 Mateus Homem Leitão, Do Direito Lusitano Dividido em Três Tratados: Agravos, Cartas de
Seguro e Inquirições. Obra útil a todos os Professores de Leis e indispensável aos que trabalham nos
tribun ais, tradução do Latim de Fernando Ligório Vaz, prefácio e revisão técnica de António
Manuel Hespanha, Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, pp. 213-368 (com base na edição de
1745). A primeira edição do ano de 1645: De Iure Lusitano. Tomus primus in tres utiles tractatus
divisus. 1. De Gravaminibus . 2. D e Securitatibus. 3. De Inquisitionibus. Opus univer sis iurium
professoribus utile, & in foro versantibus maxime necessarium. Auctore Matthaeo Homem Leitão,
Olim Bracharensis Curiae Primatialis Senatore, nunc Sanctae Inquisitionis Conimbricensis
consultore Deputato. Illustrissimo D. Amplissimoque Praesuli D. Francisco de Castro in Regnis, &
Dominijs Portugalliae Inquisitori Generali dicatus. Cum facultate superiorum. Conimbricae. Ex
Officina Emmanuelis de Carvalho Universitatis Typographi. Anno Domini M.DC.XLV., em
http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/Xmateus+homem+leit%7bu00E3%7do&searchscope=
17&SORT=D/Xmateus+homem+leit%7bu00E3%7do&searchscope=17&SORT=D&SUBKEY=mateu
s+homem+leit%C3%A3o/1%2C3%2C3%2CX/l856&FF=Xmateus+homem+leit%7bu00E3%7do&se
archscope=17&SORT=D&3%2C3%2C%2C1%2C0 (consultado no dia 18 de Novembro de 2013).
5 José Domingues, “As origens do princípio de «habeas corpus» no pré-constitucionalismo
português”, op. cit., p. 335 (nota 22). O compilador da Reforma das Ordenações de D. Afonso V
(1446), em comentário a uma lei de D. João I, a propósito das cartas de seguro deixou bem claro
que “fomos certamente emformado que assy foi de longo tempo usado jeralmente em estes Regnos”
Ordenaçoens do Senhor Rey D. Affonso V, Real Imprensa da Universidade, Coimbra, 1792 (fac-
simile da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984/1998), Liv. III, Tít. 123, § 1–.
José Domingues
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