A Constituiçao da Primeira República Brasileira
Autor | Gustavo Ferreira Santos |
Cargo | Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal de Pernambuco |
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A história das instituições de um país muito pode dizer da sua atualidade. Diversas questões colocadas ao intérprete-aplicador da Constituição precisam, para receber resposta, da uma análise do processo de institucionalização do ente político. Nos Estados Unidos da América, no século XVIII, foi estabelecido o primeiro Estado Federal, no sentido moderno, tendo em vista o interesse das ex-colônias inglesas em superar debilidades verificadas no período em que todas as ex-colônias eram soberanas e se organizavam sob forma de Confederação, bem como foram estabelecidos paradigmas quanto à república e ao presidencialismo.
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No Brasil, com a primeira Constituição da República, o Estado Federal, a República e o Presidencialismo ganharam corpo. Através da feitura de uma Constituição descentralizadora, os republicanos dotaram o Brasil de um documento legal apropriado a uma efetiva organização política descentralizada. A Constituição de 1891 teve vigência no período conhecido como Primeira República.
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Como documento legislativo, a compreensão da Constituição de 1891 é importante, entre outros motivos, para esclarecer os conceitos legais que alguns institutos tinham na época.
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Obviamente, conforme vários historiadores já demonstraram, não foi efetiva a aplicação da Constituição de 1891 pela sociedade. À primeira vista, a Constituição de 1891 conheceu, sob os seus auspícios, um período longo de estabilidade política. Realizou-se a proclamação da República em 1889 e sucederam-se governos regularmente eleitos até a Revolução de 1930. Várias instituições permaneceram incólumes neste período. Mas, o que se evidencia uma pesquisa, mesmo que preliminar, é que a chamada Primeira República teve sérios períodos de agitação política, passando o País por grandes mudanças, relacionando-se boa parte destas com a organização do poder.
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Utilizamos no título do trabalho o termo "Primeira República" por acharmos o mais acertado para designar o período. O ordinal "primeiro" denota ser o momento estudado uma das fases de nossa história republicana: a inaugural. Não haveria distorção se utilizássemos o designativo República Velha, e até o fizemos em alguns lugares no texto, pois o mesmo tem grande valor significativo se comparado ao período que se segue denominado de República Nova. Porém, acreditamos que o termo Primeira República nos serve mais, exatamente por ser menos carregado de significado político e ideológico, não se prestando às conclusões prévias que poderiam advir do uso dos adjetivos "nova" e "velha".
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O que mais importa para o trabalho, quanto a designação do período, é evitarmos as impropriedades que alguns termos podem conter. Evitamos, por exemplo, adotar os termos "República das Oligarquias", "República dos Coronéis" e "República do Café-com-Leite". Apesar da inegável importância do estudo da participação das oligarquias e dos chamados coronéis no cenário político da Primeira República, a estes fenômenos não se resume o período. Havia um quadro mais complexo de interesses e de grupos que se relacionavam no espaço político.
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O período foi especialmente rico no surgimento de grupos de interesse. Merecem destaque os fatos políticos protagonizados por militares, que estiveram na cena política durante toda a Primeira República, com interesses que variavam de acordo com o momento e com o setor conjunturalmente proeminente. Foi também a Primeira República o momento da industrialização e urbanização, que levaram ao nascimento de novos movimentos e a entrada em cena de novos atores sociais. O surgimento de um proletariado industrial determinou o nascimento do movimento sindical e o crescimento do movimento popular.
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Quanto ao termo "República do Café-com-Leite", também acreditamos ser impreciso, pois, não foi o período totalmente controlado por um pacto prévio e deliberado entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, apesar da inegável importância política dos dois. A realidade política, porém, era mais complexa do que o termo induz a concluir, sendo necessário que se estude particularmente as relações entre a Federação e os Estados mais importantes.
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Neste trabalho, cuidaremos somente de uma análise do processo de gestação da Constituição e do seu texto. O que, apesar da necessidade de proceder a um aprofundamento do estudo da política do período, já nos apontará elementos de grande valia para a compreensão da influência que aquela Constituição exerce sobre instituições políticas hoje vigentes.
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A proclamação da República é um importante marco na história das instituições políticas do Brasil. As novas instituições substituíram um regime parlamentarista monárquico já consolidado, transformando profundamente a estrutura do Estado1.
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A República, no plano conceitual, não se limita a expressar um modo de organização do governo; constitui-se em verdadeiro princípio diretor do ordenamento jurídico, pois prende-se em sua origem a um conjunto de virtudes a serem exigidas dos governantes. Na República, a administração do Estado se faz baseada em um compromisso formal entre os governantes e o povo, fundamento do poder. Há, necessariamente, a existência de poderes independentes e harmônicos a desempenhar as três funções estatais. Exige-se, pois, a prestação de contas do governante que atua dentro da legalidade.
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Em nossa experiência concreta, a República foi resultado de um golpe, passando os militares, no início do novo regime, a comandar o Estado. Através de um decreto presidencial, o Decreto nº 1, editado no mesmo dia do movimento que derrubou o império, foi estabelecida uma normatividade temporária, que foi completada, aos poucos, por outros decretos do Governo Provisório2. O Decreto nº 1 foi redigido por Rui Barbosa. Seguiu-se à proclamação da República um período de regime de exceção, no qual o governo era exercido em virtude não de uma Constituição, mas da força, com uma norma do próprio governo a delinear a forma do exercício provisório do poder. Ao mesmo tempo desenvolviam-se os trabalhos de elaboração do arcabouço constitucional da nova ordem.
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A Constituição Republicana de 1891 surgiu sob forte influência do constitucionalismo norte-americano, que, já no império, era referência inafastável nos debates políticos aqui desenvolvidos. Merecem destaque, ainda, como documentos que influenciaram bastante a formação do texto de nossa primeira Constituição republicana a Constituição da Suíça e a Constituição da Argentina3. Por outro lado, a nossa primeira Constituição republicana influenciou a Constituição portuguesa de 19114.
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O Governo Provisório nomeou, através do Decreto nº 29, em 03 de dezembro de 18895, uma comissão, composta por cinco membros, para a redação do projeto que seria apresentado à Assembléia Constituinte para a discussão e feitura da nova Constituição. Saldanha Marinho, que seria o seu Presidente, Rangel Pestana, Antônio Luiz dos Santos Werneck, Américo Brasiliense de Almeida Mello e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro foram os escolhidos, todos antigos republicanos, sendo que os dois primeiros haviam assinado o Manifesto Republicano de 1870, importante documento em defesa da República6.
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A Comissão deliberou, para a organização dos trabalhos, que cada membro seu apresentaria um projeto, o que realmente ocorreu, à exceção de Santos Werneck e Rangel Pestana, que resolveram apresentar um trabalho conjunto, e de Saldanha Marinho, que, na condição de Presidente da Comissão, não apresentou proposta. Concluídos os projetos, foi, então, unificado o trabalho da Comissão, que apresentou o projeto definitivo ao Governo Provisório em 30 de maio de 1890. Antes de apreciado pela Assembléia Constituinte, foi ainda o projeto revisado e retocado por Rui Barbosa7.
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A Constituinte, na verdade, tinha natureza Congressual, pois foi convocada para o trabalho de feitura da Carta Magna, mas, também, para o exercício posterior do Poder Legislativo. Nos trabalhos da Constituinte, uma Comissão de 21 membros, formada por um representante de cada Estado da Federação8, realizou a apreciação do Projeto oferecido pelo Governo Provisório, para posterior deliberação do plenário. O texto que foi aprovado pelos constituintes pouco inovou em relação ao projeto que havia servido de base às discussões9.
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