Portugal. O regime de clemência por infracçao às normas de concorrência em portugal. Implementaçao e perspectivas

AutorManuel Vélez Fraga
CargoAbogados del Área de Procesal y Derecho Público de Uría Menéndez (Madrid)
Páginas104-107

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Introduçao - contextualizaçao evolutiva do regime de clemencia

Nos termos do artigo 81.º do Tratado CE, os acordos entre concorrentes, sobre preços e repartiçao/afectaçao de mercados, i.e. cartéis, são proibidos na medida em que sejam "susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum". Esta violaçao do Tratado tem como consequência sancionatória a aplicaçao de uma coima cujo limite máximo é 10% do volume de negócios das empresas em causa no ano anterior (nos termos do Regulamento (CE) n.º 1/2003, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002 - JOUE 2003/L 1/1).

A Comissão Europeia ("Comissão") tem sancionado práticas de cartel desde 1969 (v.g., casos Quinine e Dyestuffs). Todavia, entre 1969 e 1996 a Comissão adoptou apenas 37 decisões respeitantes a este tipo de infracçao aplicando sanções pecuniárias muito limitadas, sendo a maioria dos casos judicialmente impugnados (verificando-se, em diversas situações, que o ónus probatório imposto à Comissão não tinha sido completamente preenchido, o que resultou na anulaçao de várias das decisões desta pelos Tribunais Comunitários).

Perante esta situaçao a Comissão, inspirando-se no exemplo norte-americano -que, estabelecendo sanções criminais, dispõe de um programa de clemência (leniency) desde 1978-, decidiu implementar um mecanismo que permitisse aos participantes num cartel obter a isençao/dispensa da coima ou a atenuaçao desta, mediante a colaboraçao na investigaçao da Comissão. Este mecanismo fragiliza a estrutura de concertaçao entre concorrentes, facilitando a detecçao do cartel e a reunião de provas da existência do mesmo.

A introduçao, em 1996, de tal política de clemência, no contexto programático da primeira EC Leniency Notice, fornecendo o primeiro enquadramento procedimental geral para as empresas interessadas em colaborar com a Comissão, teve resultados muito positivos. Todavia, surgiram não raramente dúvidas interpretativas, bem como críticas à grande discricionariedade que resultava para a Comissão da pouca densidade deste documento, susceptível de dissuadir os operadores económicos em aderir a tal política.

Assim, foi aprovada uma nova Leniency Notice, em 2002, conferindo claramente isençao à primeira empresa a disponibilizar provas substanciais das práticas de cartel, implementando igualmente um procedimento susceptível de indicar aos demais operadores económicos em que patamar de reduçao da coima se integrariam num período de apenas algumas semanas desde o pedido de clemência.

Apesar de bem sucedida, a segunda Leniency Notice foi revista em Dezembro de 2006, de modo a clarificar e ajustar alguns aspectos do regime comunitário de clemência que se verificaram mais frágeis na sua aplicaçao nos últimos quatro anos, dando origem à actual Comunicaçao da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à reduçao do seu montante nos processos relativos a cartéis (JOUE 2006/C 298/11, de 8 de Dezembro - "Comunicaçao").

Também no regime de clemência, tem repercussão o objectivo de cooperaçao plena entre as entidades nacionais e a Comissão Europeia. Com efeito, a Comunicaçao da Comissão sobre a cooperaçao no âmbito da rede de autoridades de concorrência (JOUE 2004/C 101/03, de 27 de Abril) pretende assegurar uma repartiçao eficiente do trabalho e uma aplicaçao eficaz e coerente das regras comunitárias de concorrência, no contexto da European Competition Network ("ECN"), que integra a Comissão e as autoridades da concorrência nacionais. Em 29 de Setembro de 2006, a ECN lançou um "Model Leniency Programme" (disponível em http://ec.europa.eu/comm/competition/ecn/index_en.html), que, tendo em consideraçao o sistema de competências Page 105 paralelas entre a Comissão e as autoridades nacionais, visa assegurar que os potenciais requerentes de clemência não são desencorajados pelas discrepâncias existentes entre os programas dos vários Estados Membros.

Em Portugal, apenas a criaçao em 2003 da Autoridade da Concorrência ("AdC"), como entidade administrativa independente, bem como a entrada em vigor da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho ("Lei da Concorrência"), permitiram desenvolvimentos neste campo.

O texto do artigo 4.º da Lei da Concorrência é muito próximo do artigo 81.º do Tratado CE, sendo a consequência sancionatória idêntica, nos termos do artigo 43.º da mesma lei, (uma coima com limite máximo de 10% do volume de negócios do ano anterior, para a empresa infractora).

Ao longo da sua actividade, a AdC aplicou coimas em quatro casos de cartel. Em 2006, a Lei n.º 39/2006, de 25 de Agosto (DR 164, série I-A - "Estatuto da Clemência"), regulamentada pelo recente Regulamento n.º...

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