Patentes de segundo e ulterior uso terapêutico de substâncias químicas conhecidas versus patentes de produtos reivindicados por meio do processo por que são obtidos

AutorJoao Paulo F. Remédio Marques
Cargo del AutorProf. Dr. Iuris. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusíada do Porto (Portugal)
Páginas211-237

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  1. Introdução. O problema e a sua importância

Hipotize-se que é reivindicada uma formulacao farmacéutica de anticor-pos monoclonais 1 nos seguintes termos: formulacao farmacéutica compre-endendo uma combinacao liofilizada de um agente lioprotector (trealose ou sacarose), de um agente tensioactivo (polisorbato) e de um anticorpo (anti-corpo monoclonal huMAb4D5-8), susceptível de ser obtida ("obtainable by") por meio da liofilizacao de uma solucao contendo 25mh/ml de huMAb4D5-8, 5mM histidina com um pH 6.0, 60 mM de trealose e 0,01% de polisorbato 20; mais se reivindicando que esta formulacao liofilizada contém 450mh do referido anticorpo, a qual pode ser reconstituida com 20 ml de BWFI (0.9 ou 1.1% de álcool benzilico), a fim de obter uma solucao proteica concentrada contendo 22 mg/ml do referido anticorpo, 52 mM trealose, 4 mM de histidina, pH 6.0, 0,009% de polisorbato 20 2.

Imagine-se, por outro lado, que se reivindica o anticorpo monoclonal hu-MabD%-8 para a preparacáo/fabrico de um medicamento para ser usado num método de tratamento de cancros da mama caracterizados pela sobreexpressao do antigénio X, compreendendo as etapas de administracao ao paciente de uma dose inicial de 8mg/kg do referido anticorpo, bem como a administracao intravenosa ao paciente de uma pluralidade de doses, com uma periodicidade de trés semanas, do anticorpo numa dosagem de 6mg/kg (...)"3.

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Por último, suponha-se que se reivindica o uso de uma composicao com-preendendo uma quantidade biologicamente efectiva de um anticorpo anti--aminofosfolípido no tratamento de cancro por meio da eliminacao de células tumorais endoteliais de um tumor vascular, provocando a coagulacao4. Nas situ-acóes concretas acima referidas, a protecao das diferentes invencóes no dominio das patentes químicas e farmacéuticas foi lograda por meio de reivindicacóes (aparentemente) diferentes5. As formas pelas quais os requerentes destas patentes apresentaram as reivindicacóes sao -numa análise muito ligeira e, para já, provisoria-, completamente diferentes.

O presente estudo pretende fazer alguma luz sobre: (a) As diferencas de regime jurídico e os motivos que alicercam estas formas de reivindicar invencóes; bem como analisar (b) O ámbito de protecao das patentes concedidas sob tais maneiras de reivindicar. Desde logo, será importante indagar que actos mercadológicos estao os concorrentes dos titulares destas patentes impedidos de realizar. É, por exemplo, muito importante saber se as patentes (de produto) obtidas mediante a reivindicacao dos processos por que sao obtidos (product--by-process claims) conferem ao respectivo titular o poder de impedir que ter-ceiros fabriquem, importem para o Estado da protecao ou ai comercializem tais produtos ou substancias, ainda quando estas sejam obtidas por meio de processos substancialmente diferentes. Outrossim, faz-se necessário descortinar se o titular de uma patente de uso de substancia química-farmacéutica para o tra-tamento de uma determinada doenca pode impedir (ou condicionar por outras formas) que os concorrentes (fabricantes/importantes) dessa mesma substancia activa possam introduzir no comércio o medicamento genérico autorizado para um diferente uso terapéutico pelas autoridades sanitárias competentes, mesmo que seja mencionada essa outra utilizacao terapéutica tanto na autorizacao de introducao no mercado (AIM), quanto no folheto informativo e na embalagem colocada no mercado. Enfim, é importante saber se o titular de uma patente de uso de substancia química reivindicada sob a "fórmula suíca" apenas pode impedir terceiro nao autorizados da utilizacao dessa mesma substancia para a mesma indicacao terapéutica, se e quando for demonstrado, conquanto mediante prova indiciária, que tais terceiros tém, tiveram ou ostentam a intengáo de a fabricar, comercializar ou importar para essa utilizacao; ou se, pelo contrário, é suficiente a cognoscibilidade de que a importacao, fabrico ou comercializacao dessa substancia activa permite a sua utilizacao na indicacao terapéutica constante das reivindicacóes. Ademais, a delimitacáo do círculo de protecáo deste tipo de patentes é muito importante6.

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II Tipos de patentes quanto ao objeto da proteção

Como é sabido, o ordenamento jurídico do subsistema das patentes distingue, umversalmente, patentes de produto de patentes de processo 7. A inven-cao patenteada pode ter como objecto (de protecao) produtos -máquina ou artefacto (machine, manufacture, Sachpatent) ou uma substancia (composi-tion of matter, Stoffpatent) 8, incluindo materias biológicas -, bem como pro-cessos ou métodos. As patentes de produto protegem substancias inequivoca-mente identificadas nas reivindicacóes por meio de específicas propriedades e estruturas (químicas, mecánicas ou outras). Normalmente entende-se que estas patentes protegem a referida substancia (ou conjunto de substancias), independentemente do uso a que ela se destina, no presente ou no futuro. As patentes de processo (ou método) tém como objecto as fases, actividades,

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etapas ou ciclos pelos quais é logrado uma substancia ou produto (novo ou já divulgado). O resultado da actividade (v. gr., reaccóes químicas) protegida tanto pode ser um produto ainda nao identificado ou isolado, quanto a alterando de um produto ou substancia já anteriormente existente9. Por vezes, na química sintética e na biológica molecular nao é possível a identificacao precisa, no momento do pedido da patente, da estrutura e das propriedades químicas ou biológicas da substancia ou produto que se pretende patentear, designadamente se na data da prioridade nao estao á disposicao do requerente da patente métodos adequados de avaliacao de tais estruturas ou propriedades 10. Estas patentes denominam-se, comummente, product-by-process 11; ou melhor, trata-se de patentes reivindicadas por meio do(s) processo(s) por que a invencao é obtida (product-by-process claims; product-by-process Anspru-ch; durch angabe des Herstellungsverfahren): o produto é definido, descrito e caracterizado, total ou parcialmente, por meio do processo pelo qual é obtido ou fabricado 12.

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III Admissibilidade das reivindicações product-by-process
1. Quanto aos requisitos de proteção

Embora estas reivindicacóes sejam, na minha opiniao, de duvidosa admis-sibilidade13, o certo é que as Directrizes Para Exame do Instituto Europeu de Patentes (Parte F, Capítulo IV, 4.12) admitem o depósito deste tipo de reivindicacóes product-by-process (revendications de produits caractérisés par leur procede d'obtention ou produit para procédé), contanto que o produto seja novo, desfrute de actividade inventiva e industrialidade e, sobretudo, na data do pedido de protecao, nao seja possível definir e caracterizar satisfatoriamente o produto por meio da mencao da sua estrutura, composicao ou outros parámetros físico-químicos14, tais com, por exemplo, as condicóes de reaccao 15, 16. O que está em causa é -lembre-se- uma patente de produto. A novidade (e actividade inventiva) do produto obtido pelo processo reivindicado decorrerá, muitas vezes, de novos atributos, propriedades, qualidades ou características (até aí desconhecidas) instiladas pelo processo relativamente a produtos já compre-endidos no estado da técnica17. Por vezes, pode ser apenas possível (et, pour

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cause, admitido) descrever as máquinas, maquinismos, equipamentos ou dispositivos corpóreos utilizados na obtencáo da substancia assim reivindicada18. E a utilizacáo desta forma de reivindicar verifica-se, principalmente, no dominio das invencóes químicas e biotecnológicas 19, 20.

2. A questão quanto às formulações «produto obtido pelo processo x» versus «produto susceptível de ser obtido pelo processo y»

Numa análise superficial, no direito estrangeiro, acerca dos niveis de admis-sibilidade destas duas formas de proposicóes linguisticas, constatamos que em muitos países a segunda formulacáo linguistica (obtainable by) coloca serios problemas de satisfacáo dos requisitos da clareza e da suficiencia descritiva. Na verdade, na Australia, as reivindicacóes "obtainable by" sáo aceitas somente quando náo é possivel, de todo em todo, definir e caracterizar o produto atra-vés da sua estrutura; enquanto as reivindicacóes "obtained by" sáo admitidas ainda quando é possivel a definicáo da substancia por meio de parámetros es-truturais21. No Brasil, as Directrizes Para Exame do Instituto de Propriedade Industrial deste pais permitem a apresentacáo desta especie de reivindicacóes em casos extremos, quando náo for possivel definir o produto per se doutra forma22. Na China, o respectivo Instituto de Patentes obriga os requerentes a...

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