O novo regime jurídico das obrigações hipotecárias em Portugal

AutorPedro Ferreira Malaquias
CargoAbogado, Socio de Uría Menéndez
Páginas99-111

Page 99

1 · Antecedentes
1. 1 · Origem

As obrigações hipotecárias (OH) foram introduzidas no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto- Lei n.º 125/90, de 16 de Abril 1. Era objectivo do legislador proporcionar ao sector financeiro português a possibilidade de emissão de um instrumento de captação de fundos, já largamente divulgado nos mercados internacionais, o qual, na perspectiva do investidor, tinha o atractivo de ser um investimento de risco reduzido.

1. 2 · Principais características

As OH eram definidas no Dec.-Lei n.º 125/90, como sendo títulos de crédito que incorporam a obrigação de a entidade emitente pagar ao titular, nos termos e condições da emissão, determinada importância correspondente a capital e juros e que conferem um privilégio creditório especial sobre os créditos hipotecários afectos à respectiva emissão, com precedência sobre quaisquer outros credores.

Podiam emitir OH as instituições de crédito legalmente autorizadas a conceder créditos garantidos por hipoteca, para financiamento da construção ou aquisição de imóveis e que dispusessem de fundos próprios não inferiores a 1.500.000.000,00 escudos.

A emissão de OH estava inicialmente sujeita a autorização do Ministro das Finanças, que deveria previamente ouvir o Banco de Portugal, requisito que deixou de ser exigido com a alteração introduzida pelo Dec.-Lei n.º 17/95, de 27 de Janeiro.

Contudo, em caso de oferta pública de subscrição, as entidades emitentes deviam previamente publicar num jornal de grande circulação um prospecto contendo, em termos sintéticos, toda a informação relevante sobre as características das obrigações. Admitia-se também que as OH revestissem a forma escritural.

As hipotecas que garantissem os créditos hipotecários (CH) prevaleciam sobre quaisquer privilégios creditórios imobiliários.

A afectação dos CH à garantia do cumprimento das OH estava sujeita a registo, embora, a partir do Dec.-Lei n.º 17/95, deixassem de ser devidos emolumentos em função do valor do facto inscrito. Contudo, o privilégio creditório especial de que gozavam os titulares das OH não carecia de inscrição no registo predial.

O prazo de reembolso das OH não podia ser inferior a 3 anos, nem superior a 30 anos.

Page 100

Os CH afectos às OH deviam ser créditos vincendos de que as entidades emitentes fossem titulares e que estivessem garantidos por primeiras hipotecas constituídas sobre bens que pertencessem em plena propriedade ao devedor hipotecário e sobre os quais não incidissem quaisquer outros ónus ou encargos.

O montante dos CH não podia exceder o valor dos bens hipotecados.

Os bens hipotecados deviam estar cobertos por seguro adequado efectuado pelos respectivos proprietários, ou, na sua falta, pelas entidades emitentes.

A responsabilidade pela avaliação dos bens hipotecados cabia às entidades emitentes, devendo, contudo, a avaliação dos bens ser objecto de um relatório circunstanciado.

O valor nominal global das OH em circulação não podia ultrapassar 80% do valor global dos CH afecto às referidas obrigações.

Por seu lado, o vencimento médio das OH não podia ultrapassar a vida média dos CH que lhes estivessem afectos, e o montante global dos juros a pagar anualmente, não podia exceder o montante dos juros anuais a cobrar dos CH afectos às OH emitidas.

Cabia à entidade emitente manter um registo prévio, actualizado, de todos os CH afectos às OH. As entidades emitentes podiam livremente comprar e vender as OH por si emitidas, com vista a assegurar a liquidez do mercado secundário mas, enquanto estivessem na sua posse, as OH não gozavam do regime previsto no Dec.-Lei n.º 125/90. Por fim, importa salientar que o legislador afastou a aplicação às OH das regras relativas à emissão de obrigações constantes do Código das Sociedades Comerciais.

1. 3 · Evolução

Não obstante a flexibilização introduzida pelo Dec.-Lei n.º 17/95, apenas duas instituições de crédito recorreram a este instrumento de captação de recursos.

A sobrecarga administrativa que resultava da necessidade de inscrição no registo predial da afectação dos créditos garantidos por tais hipotecas ao cumprimento de OH, acrescida do carácter lacunar da regulamentação existente em determinadas áreas, como a necessidade de segregação dos activos afectos à emissão e a inexistência de regras específicas para lidar com os casos de insolvência das entidades emitentes, impediu o desenvolvimento e proliferação em Portugal de um mercado de OH.

2 · O decreto-lei nº 59/2006
2. 1 · Introdução

Após algumas vicissitudes, decorrentes sobretudo das sucessivas mudanças das equipas governamentais, foi finalmente publicado, em 20 de Março de 2006, o Decreto-Lei n.º 59/2006.

Para além de uma maior flexibilização do regime aplicável às OH, destacando-se o termo da necessidade de inscrição no registo predial da afectação dos créditos hipotecários ao cumprimento das emissões de OH, são de saudar as notas de actualização trazidas pelo regime, nomeadamente a previsão da possibilidade de utilização de instrumentos financeiros derivados para a cobertura de riscos cambiais, de taxa de juro ou de liquidez.

O novo diploma alarga também o leque de entidades emitentes, através da criação de uma nova espécie de instituição de crédito, as instituições de crédito hipotecário.

Ainda como nota de novidade, refira-se a criação de um novo instrumento financeiro, as Obrigações sobre o Sector Público (OSP), as quais, na senda das Öffentliche Pfandbriefe alemãs, das Cédulas Territoriales espanholas ou das Public Sector Asset Covered Securities irlandesas, têm como activos subjacentes créditos sobre, ou com garantia de, administrações centrais ou autoridades regionais e locais de um dos Estados membros da União Europeia. Vamos então analisar com mais detalhe o novo regime jurídico das OH.

2. 2 · Os emitentes

As OH apenas podem ser emitidas por instituições de crédito legalmente autorizadas a conceder créditos garantidos por hipoteca que disponham de fundos próprios não inferiores a E 7.500.000 (art. 2.º) 2.

O Dec.-Lei n.º 59/2006 criou ainda um novo tipo de instituições de crédito, especialmente vocacionado para a emissão de OH.

Page 101

Trata-se das instituições de crédito hipotecário (ICH) cujo objectivo é o de conceder, adquirir e alienar (i) créditos garantidos por hipoteca sobre bens imóveis com vista à emissão de OH (art. 6.º n.º 1), (ii) ou créditos sobre administrações centrais ou autoridades regionais e locais de um dos Estados membros da União Europeia e créditos garantidos por tais entidades, com vista à emissão de OSP (art. 6.º n.º 2).

As ICH podem ainda desenvolver outras actividades necessárias à prossecução do seu objecto, incluindo, acessoriamente, administrar os bens que lhes hajam sido restituídos em reembolsos de créditos. O financiamento das actividades das ICH poderá ser obtido através (i) da emissão de papel comercial, (ii) da contratação de financiamentos junto do sector financeiro (iii) ou da obtenção dos financiamentos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 9.º do RGIC (ou seja, e de um modo simplificado, suprimentos e operações de tesouraria com sociedades do mesmo grupo) (art. 7.º).

As ICH regem-se pelo disposto no Dec.-Lei n.º 59/2006 e subsidiariamente pelo RGIC e demais legislação aplicável às instituições de crédito (art. 8.º).

2. 3 · Formalidades da emissão

A emissão de OH tem de ser precedida de deliberação expressa do órgão de administração da entidade emitente, devendo da mesma constarem as características das obrigações a emitir e as condições da emissão (art. 9.º n.º 1).

Caso a deliberação preveja um programa de emissões, deverá incluir igualmente as características das obrigações e as condições da emissão, bem como o prazo máximo para a respectiva emissão (art. 9.º n.º 2).

Nos termos do n.º 2.1. da Instrução do Banco de Portugal n.º 13/2006, o Banco de Portugal deve receber, com a antecedência mínima de um mês relativamente à data prevista para a primeira emissão de OH, os seguintes documentos:

(a) Cópia da acta da reunião do órgão de administração da instituição em que a deliberação haja sido tomada e da qual constem as características das obrigações a emitir e as condições da emissão, bem como, se aplicável, as condições do programa, nos termos previstos no n.º 2 do art. 9.º;

(b) Cópia da acta da reunião em que tenha sido deliberada a designação do RCO;

(c) Cópia da acta da reunião em que tenha sido deliberada a designação do auditor independente;

(d) Relatório com a descrição da organização e política de gestão dos riscos inerentes ao património autónomo afecto às OH, com a indicação específica dos procedimentos, ou modelos, de gestão de risco e de controlo de eventuais desfasamentos entre activos e passivos;

(e) Composição prevista do património autónomo e outros elementos que demonstrem o cumprimento do regime prudencial aplicável.

O órgão de administração da entidade emitente...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR