As 'novas' acções sem valor nominal como alternativa de financiamento para as empresas portuguesas

AutorCatarina Gonçalves de Oliveira - Joana Pinhal
CargoAdvogadas da Área de M&A-Priate Equity da Uría Menéndez - Proença de Carvalho (Lisboa).
Páginas107-112

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Introdução

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 49/2010, de 19 de Maio («DL 49/2010»), assistimos à consagração, no ordenamento jurídico português, da admissibilidade das denominadas acções sem valor nominal, no âmbito das sociedades anónimas.

Muito embora este diploma prosseguisse também outras finalidades, designadamente de transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2007/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho, relativa ao exercício de certos direitos dos accionistas de sociedades cotadas, assim como da Directiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos serviços no mercado interno, tal como consta do seu artigo 1.º, centraremos o presente estudo na análise das principais modificações introduzidas ao Código das Sociedades Comerciais («CSC») em razão da admissibilidade de acções sem valor nominal, no nosso ordenamento jurídico. Os preceitos legais indicados sem referência ao diploma a que pertencem constam, por isso, do CSC, salvo indicação em contrário, com a redacção em vigor à data do presente estudo.

O nosso objectivo é, pois, o de reflectir sobre o verdadeiro alcance desta inovação legal que se traduz na possibilidade de as acções das sociedades anónimas serem acções sem valor nominal -em particular, sobre se as alterações efectuadas consubstanciam, efectivamente, um alargamento das hipóteses de financiamento das empresas portuguesas-, bem como o de superar determinadas questões terminológicas que se afiguram decisivas para uma real compreensão desta nova figura em Portugal, numa fase em que a doutrina nacional começa ainda a dar os primeiros passos na sua interpretação e discussão.

As «novas» acções sem valor nominal
Enquadramento geral

As acções sem valor nominal, comummente designadas por no par value shares, ao contrário do que à primeira vista possa parecer, não constituem uma novidade no contexto europeu e estadunidense do direito societário. Pelo contrário, desde há muito que se discutem as virtualidades associadas a estas acções, sendo, inclusivamente, possível traçar-se um percurso de crescente reconhecimento da figura, em detrimento da regra da obrigatoriedade do valor nominal.

Com efeito, observamos que a Segunda Directiva 77/91/CEE, do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, também designada por Segunda Directiva sobre Sociedades ou Directiva do Capital (a «Directiva»), na sua versão originária, já previa (e mantém essa mesma previsão -cfr. Artigos 3.º c), 8.º n.º 1 e 9.º n.º 1) a possibilidade de inexistência de valor nominal, autorizando, assim, as legislações nacionais a preverem a emissão de acções sem valor nominal. De acordo com a Directiva, na falta de valor nominal, as acções não poderão ser emitidas a um valor inferior ao seu valor contabilístico. Mais adiante, explicitaremos o modo como interpretamos esta exigência.

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Importa, porém, e antes de mais, esclarecer que as acções sem valor nominal consagradas na Directiva e agora, na nossa lei, coincidem com as geralmente denominadas acções sem valor nominal impróprias ou falsas, em oposição às verdadeiras acções sem valor nominal ou acções sem valor nominal próprias (true no par shares).

Com efeito, a noção de acção sem valor nominal surge, no nosso ordenamento jurídico, profundamente ligada ao conceito de capital social, mantendo-se, assim, a possibilidade de determinação da fracção ou da percentagem do capital que determinado número de acções representa, à semelhança do que sucede em países como a Bélgica, a Alemanha, a Itália ou a França, e ao contrário dos Estados Unidos da América, cujo legislador procedeu à eliminação deste conceito, ainda hoje fundamental -mas cada vez mais questionado- no direito societário europeu.

Outra realidade não poderia, aliás, ter lugar no nosso ordenamento jurídico, tendo em conta as imposições comunitárias existentes a este nível. De facto, a Directiva exige às sociedades anónimas, inter alia, a existência de um capital social dividido em acções, as quais correspondem, por sua vez, a uma determinada fracção do capital, dispondo ainda, como vimos, que, na falta de valor nominal, as acções não podem ser emitidas a um valor inferior ao seu valor contabilístico (à semelhança, de resto, da exigência de um valor mínimo de emissão correspondente ao valor nominal aplicável às acções com valor nominal).

Prima facie poderá parecer -como, aliás, decorre do próprio Preâmbulo do DL 49/2010- que o legislador configurou esta permissão de emissão de acções sem valor nominal por parte das sociedades anónimas portuguesas como a consagração, com carácter genérico, da solução temporária e excepcional contida no Decreto-Lei n.º 64/2009, de 20 de Março, que veio estabelecer mecanismos extra-ordinários de diminuição do valor nominal das acções das sociedades anónimas, por razões fundamentalmente ligadas à conjuntura económica em que Portugal se encontrava submerso. Não é esta, contudo, a nossa visão, podendo -quanto muito- o referido diploma ser considerado precursor da consagração legislativa desta figura em Portugal, tendo em conta que ambos os diplomas preconizam soluções legais distintas, ainda que com objectivos substancialmente semelhantes.

Foi, portanto, neste contexto, que o DL 49/2010 surgiu, traduzindo-se -em nosso entender- num esforço de eliminação de determinadas desvantagens competitivas sofridas...

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