Modelos de regulação (ou supervisão) do sector financeiro

AutorPedro Ferreira Malaquias/Sofia Martins/Catarina Gonçalves de Oliveira/Paula Adrega Flor
CargoAdvogados
Páginas41-53

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1 - Introdução

A função do Estado Regulador concretiza, mediante o exercício de competências de supervisão e regulação, uma «presença pública indirecta na economia», e implica a assunção de um dever público de vigilância e garantia do desenvolvimento crescentemente privatizado das actividades económicas na «sociedade de risco» 1.

O exercício da regulação pelo Estado traduzse, assim, no estabelecimento de regras gerais e abstractas de modo economicamente ordenado, com o intuito de reforçar ou controlar a livre concorrência, compreendendo um variado leque de poderes, que se poderão agrupar em: (i) poderes de informação e acompanhamento, cujo objectivo é o de o regulador se inteirar das situações que caem sob a sua alçada, acompanhando o desempenho das entidades reguladas e efectuando uma verificação prévia da informação a ser dirigida ao público; (ii) poderes normativos, ao abrigo dos quais o regulador emite regras gerais e abstractas para o sector regulado; (iii) poderes de decisão concreta, nos quais se incluem os poderes do regulador de atribuir autorizações e licenças, de manter registos, etc.; (iv) poderes de fiscalização concreta, através dos quais o regulador verifica a observância daquilo que tenha sido por si determinado; e (v) poderes sancionatórios, através dos quais o regulador exerce as suas funções de prevenção e retribuição de violações perpetradas pelas entidades reguladas2.

Pese embora, na realidade, o termo «regulação» se prenda mais com os poderes normativos atribuídos ao regulador, consubstanciando-se no acompanhamento do mercado e do sector económico em causa, gerando directrizes e determinações de carácter genérico e, por outro lado, o termo «supervisão» se prenda mais com os poderes de acompanhamento da actividade das entidades reguladas, corporizando-se em actos administrativos, determinações concretas e/ou sanções, a verdade é que esta última expressão se tem vulgarizado, sendo hoje geralmente aceite como compreendendo ambas as realidades. Assim, poderá dizer-se que o termo «supervisão» tem, hoje, um sentido amplo, que abrange quer a regulação, quer a supervisão (em sentido estrito).

A partir deste conceito, convirá, ainda, distinguir entre (i) supervisão prudencial, entendida como aquela que se destina a assegurar os valores de pru-Page 42dência na actuação dos agentes económicos e também os de confiança do público, visando a prevenção de riscos, a solvência e liquidez financeira das instituições reguladas, e, portanto, exercida ex ante, e (ii) supervisão comportamental, mais associada a um controlo ex post da actividade das entidades reguladas junto dos consumidores, no intuito de obrigar ao cumprimento das regras vigentes pela aplicação de sanções aos agentes infractores.

A regulação de que vamos tratar neste artigo refere-se a um sector específico de actividade económica, o sector financeiro, e, por esse facto, apresenta características próprias.

O sector financeiro considera-se vulgarmente dividido em três subsectores: (i) o subsector bancário, mais ligado às funções de recepção de depósitos e concessão de crédito, que tem como agentes principais as instituições de crédito e as sociedades financeiras; (ii) o subsector segurador, cujo objectivo é o de assegurar a cobertura de riscos contra o pagamento de prémios, de forma a atenuar contingências, no qual se movem sobretudo as companhias de seguros e as mediadores de seguros; e (iii) o subsector dos mercados de capitais, que abarca a área do investimento, através da prática de actividades de intermediação financeira, facultando o acesso ao mercado, e que engloba o mercado dos valores mobiliários e serviços de investimento. Trata-se, pois, no fundo, da actividade financeira privada, cuja divisão se faz entre crédito, investimento e seguro3.

As áreas de intervenção regulatória de cada um dos subsectores identificados podem ser sumariadas da forma seguinte:

1. 1 - Subsector bancário

São alvo da supervisão bancária todas as instituições que actuam no mercado, na concessão de crédito e captação de depósitos.

No âmbito dessa sua actividade, cabe à entidade reguladora responsável pela supervisão bancária, que, no caso português, é o Banco de Portugal, atender, por um lado, a preocupações de carácter prudencial (prevenção de riscos, solvência e liquidez financeira das instituições intervenientes, para garantia da subjugação dos efeitos resultantes da assimetria informativa, e por forma a assegurar a gestão sã e prudente das mesmas), das quais resulta a necessidade de apreciação prévia da qualidade da instituição e dos seus serviços, e, por outro lado, de índole comportamental (através da imposição de sanções aos agentes infractores e ponderando sempre a protecção dos consumidores).

Competemlhe, pois, funções de garantia da estabilidade do sistema financeiro, de fiscalização da organização, estrutura e actividade das instituições e de troca de informações, quer ao nível nacional, quer comunitário, assegurando uma supervisão integrada, tanto de base individual, como consolidada.

1. 2 - Subsector do mercado de capitais

Como fim último da regulação e supervisão mobiliária neste subsector, em Portugal a cargo da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários («CMVM»), elegese a tutela dos investidores e da confiança que estes depositam no sistema, através do controlo e garantia de um funcionamento transparente, eficaz e concorrencial do mercado de valores mobiliários. É precisamente a este fim que se dirige a actividade da CMVM, no uso das atribuições, competências e poderes que a lei lhe confere.

Com efeito, reveste-se de particular importância, nos mercados de capitais a preocupação de tutelar o elemento psicológico e a inerente confiança dos agentes e intervenientes naqueles mercados, garantindo a existência de liquidez no mercado, a rentabilidade dos investimentos e a segurança, credibilidade e integridade do sistema financeiro.

Resulta, de resto, directamente da lei, que a protecção dos investidores, a eficiência e regularidade de funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros, o controlo da informação, a prevenção do risco sistémico e a prevenção e repressão de práticas ilegais são os principais fins públicos que cabe à CMVM prosseguir, através do estabelecimento de um equilíbrio entre a tutela da posição dos investidores e a competitividade e eficiência dos mercados.

Inerente à ideia de tutela do investidor é a prevenção e protecção eficaz contra riscos. Todavia, pretende-se aqui não já libertar o investidor dos riscos associados às decisões de investimento, mas antes garantir que os mesmos são adequadamente documentados e, bem assim, percebidos e antecipados pelo mercado. Procura, deste modo, a autoridade administrativa assegurar que estejam cumpridas as condições e preenchidos os requisitos que permitam a assunção pelos investidores dos riscos consi-Page 43derados normais e aceitáveis para o mercado em causa, visando-se, com isso, eliminar riscos anormais e extraordinários e prevenir a intensificação dos riscos próprios do mercado4.

1. 3 - Subsector segurador

A actividade financeira privada consiste, no que ao subsector segurador respeita, no essencial, na aplicação, pelos particulares, das suas poupanças no pagamento de prémios de seguros com o objectivo de precaver necessidades ou danos futuros. O particular paga o prémio do seguro como forma de neutralizar um possível risco ou álea futuro.

Nessa medida, o objectivo da supervisão da actividade seguradora encontra-se normalmente identificado com a protecção dos segurados. No entanto, a actividade de supervisão acaba por ir mais além, identificando-se, em certa medida, com a prossecução do interesse público, dado que a entidade reguladora, ou o organismo de supervisão, intervém, inclusivamente, ao nível da definição, execução e controlo da execução das orientações definidas na política para o sector segurador. Assim, a par da protecção dos segurados, a actividade de supervisão no subsector segurador abrange, desde logo, o poder de decidir sobre o acesso e exercício à actividade seguradora.

Sucede que é hoje cada vez mais difícil estabelecer fronteiras rígidas entre os três subsectores. Com efeito, as tradicionais actividades creditícia, de investimento mobiliário e seguradora estão cada vez mais interligadas. Assim, é tradicionalmente costume ver a Banca prestar serviços financeiros, multiplicando-se os intermediários financeiros, fruto de uma forte intervenção da Banca no mercado dos valores mobiliários. Tem-se igualmente assistido à expansão da Banca para o mercado segurador, através, nomeadamente, da comercialização de seguros por bancos e da criação de produtos bancários e de seguros interligados entre si. Por outro lado, vemos as empresas de seguros cada vez mais como instituições financeiras e investidoras institucionais que, a par da sua tradicional actividade de seguro e de resseguro, exercem actividades conexas ou complementares, gerindo fundos de pensões, podendo captar e receber fundos do público no âmbito de operações de capitalização, participando no capital social de bancos e de sociedades gestoras de participações sociais e, mesmo, comercializando crédito bancário. São os designados fenómenos da bancas-surance ou da assurfinance. A esta realidade acresce a dos conglomerados financeiros, grupos de empresas que prestam serviços nos três subsectores.

Resulta do contexto acima descrito em cada um dos subsectores assinalados que as entidades reguladoras ou de supervisão vêem a sua tarefa dificultada...

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