Regime jurídico minerário no Brasil e na Espanha: propostas para aprimoramento do código de mineração pátrio visão comparativa

AutorMauro Furtado Araújo
CargoAdvogado com graduação em Direito pela Universidad de Castilla-la Mancha

Mauro Furtado Araújo 1 maurofurtado@hotmail.com

Este trabalho tem por objeto a proposta de modernização e harmonização da legislação minerária brasileira, desde um ponto de vista comparativo a partir do ordenamento jurídico espanhol, visando à elaboração de um novo Código desburocratizado e capaz de permitir que o Poder Público possa exercer a gestão dos recursos minerais em beneficio da sociedade.

Trata-se, ademais, de uma recopilação das normas que o Direito minerário pátrio elabora em todos os níveis, criando-se um arcabouço regulatório, seja através de leis e regulamentos, como também portarias, circulares e pareceres dos órgãos públicos que coordenam a produção mineral no Brasil, que embora considerado completo, torna bastante complexa a tarefa de analisá-lo.

As matérias-primas minerais, junto com a água e os recursos renováveis do reino vegetal constituem a base de todos os bens de produção e consumo que se dispõe a sociedade.

Tanto a construção quanto a grande maioria dos processos industriais, desde os mais elementares até os de tecnologia de ponta, utilizam matérias-primas minerais ou produtos semi-elaborados que as incorporam e, incluso naqueles poucos setores industriais nos quais as substâncias minerais não formam parte de suas matérias-primas, como o exemplo das madeireiras e mobiliárias, estão incorporadas à maquinaria necessária para seu processo de produção.

Assim, a mineração representa, desde os tempos mais remotos, uma atividade básica para o progresso econômico e técnico da humanidade e a segurança no abastecimento dos recursos minerais foi, e continua sendo, um objetivo estratégico de política econômica nos quatro cantos do mundo.

Pode-se afirmar, indubitavelmente, que a mineração é um dos setores básicos da economia de um país, contribuindo de forma decisiva para o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida das presentes e futuras gerações, sendo fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade preocupada com a responsabilidade social, estando sempre presentes os preceitos do desenvolvimento sustentável.

Segundo dados da Revista Indústria da Mineração2, a produção mineral brasileira deverá chegar à cifra de R$ 54 bilhões (bens primários, excluídos petróleo e gás), o que representa acréscimo de 18% em relação ao ano anterior, devido ao reajuste no preço dos minérios e à elevação na produção. Estima-se que nem a atual crise financeira que assombra os Estados Unidos deva interferir diretamente nos investimentos para este setor. Quanto à geração de empregos, a previsão é que a mineração ultrapasse, até o final deste ano, 2 milhões de empregos diretos no país, dos quais 160 mil estariam colocados na indústria da extração. Cumpre lembrar que sobre estes dados, a mineração gera a quantidade de 13 vezes mais de empregos indiretos ao longo da cadeia produtiva. Por último, este setor contribuiu com US$ 65 bilhões para o PIB, o que representa 5% do total de US$ 1,3 trilhão. Para 2008, espera-se que a indústria extrativa e de transformação mineral alcance os US$ 90 bilhões.

Especificamente, Minas Gerais se destaca no cenário econômico nacional por ser o maior produtor e por suas reservas, caracterizando sua produção mineral tanto pela diversidade de substancias quanto pelos métodos de produção empregados, que vão desde os garimpos clandestinos até modernas e sofisticadas técnicas de lavra e beneficiamento. Em 2006, a produção neste estado correspondeu, de acordo com estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM, 2007)3, por 44% de toda produção nacional, seguido do estado do Pará que participou com 21,9% e o restante da produção distribuída entre os demais estados da Federação.

Diante, pois, dos dados expostos, percebe-se a importância que representa a atividade mineira brasileira e a atenção que este setor tão peculiar merece receber, sobretudo na reavaliação do sistema de produção e exploração dos recursos minerais utilizados, com o fim de torná-los sustentáveis e, consequentemente, garantir a segurança e sobrevivência das futuras gerações ante o crescimento desordenado da população, da pobreza e das agressões ao meio ambiente.

Os recursos minerais na Espanha foram explorados há mais de dois mil anos e a mineração, de um modo geral, vem sendo uma fonte de riqueza, em ocasiões a única para populações daquelas regiões em que se instalaram as explorações, o que promove indiretamente outras atividades de setores econômicos. Seu papel na economia espanhola, entretanto, não deve estimar somente sob o ponto de vista dos valores macroeconômicos, senão que também há de considerar seu valor estratégico no abastecimento nacional de matérias-primas.

O segmento mineral espanhol, com base a dados do início do século XXI, contava com uma produção cujo valor superava os 3 bilhões de euros, gerando a cifra de 55 mil empregos diretos em seus mais de 3.500 estabelecimentos.

Para satisfazer às variadas necessidades da humanidade, a atividade mineral se encontra em plena expansão no mundo, o que exige uma fiscalização rigorosa diante dos seus impactos sobre o meio ambiente. Sabe-se que a proteção ambiental se torna cada vez mais um componente inevitável no conjunto das relações entre o econômico e o sócio-ambiental. Destarte, a tendência atual é a da previsão dos efeitos da implantação de uma mina sobre o meio ambiente, antes mesmo do inicio da atividade, não devendo a conservação ambiental, em conseqüência, voltar-se como um empecilho à implantação e desenvolvimento dessa atividade.

Pode-se afirmar que um dos desafios atuais refere-se à integração das políticas mineral e ambiental. Devido à especificidade das atividades minerais, sua relação com o meio ambiente é mais complexa e tênue do que se observa na maioria dos setores econômicos. Assim, cumpre lembrar a responsabilidade do Estado, no exercício de seus poderes legislativos, focado em criar uma relação harmônica entre o meio ambiente e a mineração incorporando no Código de Mineração (CM) as matérias que mencionam a questão ambiental nas peculiaridades do setor mineral.

Diante disso, não resta dúvida de que a atividade mineral seja nociva ao meio ambiente. Entretanto resulta importante recordar que várias outras atividades vêm gerando problemas ambientais no uso do solo e subsolo, quais sejam: a urbanização desordenada, agricultura, construção de barragens para fins de geração de hidroeletricidade, assim como o uso não controlado de água subterrânea.

Neste sentido, explica Iran Ferreira Machado4:

"é falsa a afirmação de que a mineração é a atividade econômica mais agressiva ao meio ambiente. Outras atividades, tais como a agricultura, a petroquímica, a siderurgia, as grandes barragens e a própria urbanização, têm características mais impactantes do que a mineração".

A sociedade, de um modo geral, entende que a extração e o aproveitamento dos recursos minerais e a proteção do meio ambiente são antagonistas, e que a atividade mineral suscita na destruição do meio natural.

Deste modo, a mineração é considerada como atividade potencialmente poluidora do meio ambiente e, por isso, recebe um tratamento da gestão pública ambiental comum a todas as atividades que efetiva ou potencialmente degradam a qualidade ambiental.

De acordo com Carlos Luiz Ribeiro5, "não existe incompatibilidade absoluta entre a prática da Mineração e a preservação do Meio Ambiente", mesmo quando se aceita que as atividades minerárias sejam geralmente degradantes do meio ambiente e, em alguns casos, localmente poluidoras.

Entretanto, ao se tratar da mineração racional e responsavelmente conduzida, respeitando as normas técnicas regulamentares, obviamente se entende que mineração e meio ambiente podem coexistir, afortunadamente, pois esta convivência resulta de muita importância para a humanidade. Se por um lado, o homem precisa dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, por outro, teria uma sobrevivência precária sem a mineração, posto que raras são as atividades humanas que não dependem dos recursos minerais.

Vê-se, então, uma inexplicável intolerância dedicada à mineração, como se ela fosse uma atividade recente no mundo e responsável pelos danos ambientais que se enfrenta na atualidade.

Atacar a mineração acusando-a de quase sempre e necessariamente degradante do meio ambiente é mero comodismo. De fato, é praticamente impossível minerar sem atingir o sistema ambiental e tampouco é intenção deste trabalho defender a extração mineral com os olhos vendados, impossibilitados de perceber suas conseqüências. Contudo, cabe também a este estudo essencialmente desenvolver a idéia de que o meio ambiente degradado poderá ser recuperado.

Cumpre acrescentar que a poluição causada pela atividade mineral, via de regra, resulta da liberação de resíduos naturais que poderão assorear os cursos de águas correntes, caso não forem contidos. Em contrapartida, as atividades industriais e agrícolas utilizam produtos químicos agressivos à saúde humana e aos animais cuja contenção é praticamente impossível. Destarte, raramente a mineração gera danos graves ou irreversíveis mesmo nas proximidades da área minerada.

Ademais, a mineração não escolhe sua localização, isto é, ela estará onde o minério estiver e este geralmente não se encontra nas proximidades dos centros urbanos, ao contrário do que ocorre com as atividades industriais. Assim, em decorrência da rigidez locacional apresentada na atividade de mineração, busca-se criar o mesmo ambiente existente na área explorada em outra região, como forma de recomposição em termos ambientais.

Embora os assuntos gerais sobre a atividade mineral e sua relação com o meio ambiente possam exigir um artigo específico, passa-se à essência deste trabalho. O principal destaque que se deve fazer é o oferecimento de sugestões para o aperfeiçoamento da legislação minerária que aqui serão desenvolvidas.

Cumpre lembrar que se fez mister a redação de um novo Código capaz de tratar situações atuais, desburocratizado e capaz de permitir que o Poder Público possa exercer, realmente, a gestão dos recursos minerais em prol da sociedade brasileira.

De fato, existem discussões a respeito da reforma no marco regulatório do setor minerário entre o governo, as indústrias de mineração, universidades e demais agentes do setor com a intenção de encaminhar ao Congresso Nacional, no início de 2009, vários projetos de lei sobre a matéria.

Dentre os temas que mais chamam a atenção para essa nova regulação destacam-se criação de uma agência reguladora com função primordial de fiscalizar como ocorre no setor energético, a permissão à exploração por estrangeiros na faixa de fronteira do território nacional e o uso do direito minerário como garantia para as solicitações de empréstimos junto às instituições financeiras.

A seguir, serão oferecidas propostas concretas naqueles assuntos cujas regulações carecem de adequação à situação atual da atividade minerária.

A) Sistema de prioridade

O art. 11, letra a do CM, com redação dada pelo Lei 6.403/76, dispõe sobre o princípio da prioridade, considerado basilar do Direito Minerário e que rege o mecanismo de atribuição e distribuição dos títulos de aproveitamento de substâncias minerais. O mencionado artigo estipula, in verbis:

"o direito de prioridade à obtenção da autorização de pesquisa ou de registro de licença, atribuído ao interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, para a finalidade pretendida, à data da protocolização do pedido no DNPM, atendidos os demais requisitos cabíveis, estabelecidos neste Código".

Com a atual forma do acesso ao bem mineral o direito de prioridade refere-se ao regime de aproveitamento da área considerada livre à data da entrada com o pedido junto ao protocolo do DNPM. Conforme esse texto normativo, pois, terá prioridade à aquisição originária de direitos minerários aquele que primeiro fizer a protocolização. A princípio, este direito de prioridade pode parecer amplamente democrático, pois vale como regra para todos, porém muitas vezes impede quem realmente teria a capacidade de levar adiante os investimentos necessários para a viabilização de um recurso mineral em reserva lavrável. Conclui-se, ademais, que será necessário o reconhecimento do DNPM da consideração de que a área esteja livre para que o pedido logre êxito.

A propósito, quanto à emissão da consideração de área livre, o DNPM pode enfrentar determinadas dificuldades, pois, de fato está sujeito a erros de observação ou de plotagem em mapas, assim como aqueles referentes à data de desoneração dessas áreas prioritárias. O CM sequer deixou de mencionar, conforme previsto no art. 66, §1º, letra a, aquelas hipóteses nas quais os erros cometidos decorrem de má-fé dos servidores do DNPM, ocasionando a anulação do alvará de pesquisa.

Ladro outro, a Lei de Minas espanhola estabelece regulações diferentes sobre o direito de prioridade conforme o tipo de substância mineral. Assim, quanto aos aproveitamentos de recursos da seção A, de acordo com os arts. 16 e 17, corresponderá ao proprietário do terreno, tratando-se logicamente de propriedade privada. Quando os recursos se encontrarem em terrenos de domínio e uso público, serão de aproveitamento comum. Para exercitar o direito ao aproveitamento destes recursos, deverá obter autorização de exploração do órgão provincial competente.

Quanto aos recursos da seção B, especificamente em relação às águas minerais e termais, o art. 25 da Lei de Minas estabelece que o Estado concederá o direito preferente a seu aproveitamento àquele proprietário das mesmas no momento da declaração de sua condição de mineral, podendo exercitar diretamente seu direito ou ceder a terceiros.

Para o aproveitamento das substâncias minerais previstas na seção C, o art. 41 da Lei de Minas dispõe que a prioridade para a tramitação das permissões de exploração será determinada pela ordem de apresentação das solicitações, equivalente ao previsto pela legislação brasileira. Entretanto, o Ministério de Indústria espanhol vinculará a pertinência do pedido caso estime necessário ou conveniente, depois de analisar as características dos estudos e reconhecimentos projetados, podendo fixar condições que considere procedentes ao evento concreto. Em seguida, conforme disposto no art. 47 da Lei de Minas, o interessado deverá apresentar pedido para pesquisa da área, devendo juntar na solicitação o programa de trabalhos a se realizar, o orçamento que será investido e o estudo econômico de seu financiamento, oferecendo as garantias sobre a viabilidade do projeto. Com isso, o órgão competente tomará em consideração a "solvência técnica e econômica" acreditada pelo solicitante na hora de conceder-lhe a autorização, tal como define o art. 45 da Lei. Se estiverem cumpridas as condições estabelecidas na Lei, o órgão em questão poderá aceitar o projeto integralmente ou dispor sobre sua modificação por considerar insuficiente ou inadequada a pesquisa programada ou mesmo os investimentos e meios científicos e técnicos previstos. Pode, ademais, exigir do solicitante a prestação de caução correspondente a 10% do investimento previsto para o primeiro ano, sob pena de ter seu expediente cancelado, devendo reintegrar a diferença entre o valor exigido e o investimento programado para este período.

A outorga das permissões para pesquisa se resolverá através de licitação das ofertas recebidas pelo órgão competente, devendo-se eleger aquela que apresente melhores condições científicas e técnicas e as maiores vantagens econômicas e sociais, de acordo com o estabelecido no art. 53 da Lei de Minas. A Lei 54/1980, que introduziu a seção D na Lei de Minas, em seu art. 10, apartado primeiro, dispõe que o processo licitatório será convocado no prazo inferior a 3 (três) meses, contado a partir do momento em que qualquer interessado solicite.

Somente a partir de então se poderá falar de concessão de explotação que, conforme mencionado no apartado dedicado à legislação minerária espanhola, será outorgada diretamente da permissão de exploração ou derivada de permissão para pesquisa. O primeiro caso, previsto no art. 63 da Lei de Minas, atende às condições de manifesta existência do recurso mineral e viabilidade de seu aproveitamento ou quando se pretenda explotar substâncias reconhecidas em direitos minerários caducados havendo provas que permitam definir a extração como conseqüência de melhoras tecnológicas ou de novas perspectivas de mercado.

Do contrário, assim que a pesquisa determine de modo suficiente a existência de substâncias minerais o titular poderá solicitar a concessão de explotação sobre esta área, dentro do prazo de vigência da permissão de pesquisa, de acordo com o art. 67 da Lei de Minas.

A diferença do que ocorre no sistema brasileiro, na Espanha há duas etapas anteriores à concessão para explotação, quais sejam, a permissão para exploração6 e a permissão para pesquisa7. A que determina o direito de prioridade é a primeira, embora na segunda já há possibilidade de se instaurar um processo licitatório para atribuir o título de direito minerário.

A título de comparação, sem prejuízo das peculiaridades de cada regime, a Lei 9.478/97, denominada lei do petróleo, dispõe em seu art. 23 que as atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural serão exercidas através de contratos de concessão, precedidos de licitação. Em seguida, o art. 25 estipula que as empresas somente poderão obter concessão para a exploração e produção de petróleo se superarem os pressupostos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo.

Diante do exposto, faz-se mister considerar as peculiaridades de cada ordenamento jurídico e colher aquilo que se pode aproveitar em cada caso. Quanto ao polêmico tema do direito de prioridade, sugere-se como contraposição ao sistema vigente de protocolização uma espécie de concorrência por parte das empresas mineradoras para a obtenção de autorização de pesquisa. Para tal, no momento em que qualquer interessado solicite o alvará para pesquisa, o DNPM deverá abrir um processo licitatório, com sua devida publicação, e terá de escolher aquele participante que demonstrar aptidão para realizar os estudos necessários com base a de determinados fatores como solvência científica, técnica e econômico-financeira. Ao órgão competente caberá também as obrigações de convocar o processo licitatório em um determinado prazo, como no caso da legislação espanhola, até 3 (três) meses desde a primeira solicitação.

Portanto, como proposta para evitar que o direito de prioridade recaia àquele que primeiro solicite a autorização de pesquisa, o art. 11, alínea a, do CM necessitaria passar por uma reformulação e ser constituído da seguinte forma: "o direito de prioridade à obtenção da autorização de pesquisa ou de registro de licença, cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre para finalidade pretendida, será atribuído ao participante do processo de seleção convocado pelo DNPM e escolhido por esta autarquia com base ao critério de solvência técnica, científica e econômico-financeiro, sem prejuízo dos demais requisitos cabíveis, estabelecidos neste Código".

B) Facilidade especulativa

A continuação será abordado um assunto nitidamente vinculado com o sistema de prioridade aplicado atualmente que trata da facilidade encontrada pelas empresas mineradoras conseguirem o alvará para a pesquisa da área sem explorá-la, com o intuito de fazer especulações para vender o título posteriormente a preços muito elevados encarecendo a execução da atividade de pesquisa e lavra.

Na prática, esse sistema privilegia os especuladores das áreas, pois com o simples requerimento protocolizado antes de qualquer outro interessado tornam-se titulares do direito minerário que autoriza a pesquisa e, consequentemente, terão prioridade para a concessão da lavra. Assim, requerem o alvará para logo usarem como moeda de fácil especulação ante as demais empresas mineradoras interessadas em lavrar as minas pesquisadas.

Sem prejuízo da proposta anterior, na qual somente será possível conseguir o alvará a empresa que demonstrar a capacidade para a exploração da área, deve-se impor outros requisitos e deveres focados em criar obstáculos à prática da especulação.

Em primeiro lugar, seria oportuno estabelecer maiores rigores a respeito das transferências ou cessões dos direitos minerários, sobretudo em relação àqueles alvarás de pesquisa. Neste caso, conforme previsão na Lei de Minas espanhola nos seus arts. 95 a 101, o órgão que conferiu o título à empresa deverá pronunciar sobre sua conformidade ou oposição à transferência, assim se vinculará esta cessão à anuência do órgão competente. Este, por sua vez, deverá observar todos os aspectos previstos para a obtenção do direito comprovando que o adquirente reúne as condições legais para viabilizar a pesquisa e, consequentemente, zelar pelo benefício da sociedade.

Ademais, caberia impor uma sanção para aqueles casos nos quais existam evidências claras de interesse especulativo por parte do titular do direito minerário. Sem previsão em ambos os ordenamentos jurídicos analisados por este trabalho, revela-se oportuno estipular uma penalidade ao minerador privando-lhe de elaborar o Plano de Aproveitamento Econômico para áreas disponíveis em um determinado período de tempo como, por exemplo, por 5 (cinco) anos.

Finalmente, com base no art. 48.3 da Lei de Minas espanhola, poderá se exigir do titular do alvará de pesquisa uma caução que será reintegrada gradativamente conforme o cumprimento das etapas realizadas na pesquisa. Ou seja, o minerador que conseguir o alvará deverá prestar uma caução que será depositada em uma conta específica do DNPM e na medida em que os trabalhos vão se concluindo, a mesma será devolvida proporcionalmente ao titular. Essa caução seria calculada tomando como base um percentual razoável sobre os valores do orçamento e cronograma previstos para a execução do plano dos trabalhos de pesquisa. Isso criaria obstáculos à prática da especulação, pois o minerador seria forçado a executar seu plano de pesquisa para ver ressarcido do valor depositado em garantia.

C) Arrecadação tributária

O aproveitamento8 de recursos minerais, independente do seu regime, acarretará compensação financeira aos Municípios (65%), ao DNPM (12%, sendo que 2% deverão ser destinados à proteção ambiental nas regiões mineradoras) e aos Estados e Distrito Federal (23%). O valor será calculado, a princípio, sobre o faturamento líquido, isto é, do total das receitas de venda do produto mineral excluídos os tributos incidentes sobre sua comercialização, as despesas de transporte e as de seguros.

De acordo com a substância mineral, o percentual da CFEM será de: 3% para os minérios de alumínio, manganês, salgema e potássio; 2% para o ferro, minerais fertilizantes, carvão e demais substâncias; 1% para o ouro extraído por empresas, isento os garimpeiros; e 0,2% para pedras coradas lapidáveis, carbonados e metais nobres. Ademais, as empresas mineradoras deverão repassar 50% do valor da CFEM ao proprietário do solo como compensação.

Através de estudo realizado pela consultora Ernest & Young, contratada pelo Instituto Brasileiro de Mineração9, demonstra-se que a carga tributária internacional do Brasil é uma das maiores do mundo. Dos 20 (vinte) países que mais participam do mercado das commodities minerais, o Brasil é o que impõe a maior carga sobre 12 (doze) minérios.

Percebe-se que as empresas mineradoras e o governo não se entendem quando o assunto é a carga tributária no setor mineral. Aquelas aduzem que com a elevada tributação os custos aumentam e dificultam os investimentos nas atividades minerárias. Lado outro, o governo entende que o valor cobrado pela CFEM não é o suficiente para compensar os Municípios e Estados pela extração da substância mineral.

De fato, a Câmara dos Deputados conseguiu votar com êxito, na madrugada do dia 20 de novembro de 2008, o relatório da reforma tributária que dispunha sobre o ajuste na CFEM com o objetivo de elevar a taxação, passando a considerar como base para sua tributação o faturamento bruto das mineradoras, sem prejuízo da alteração das alíquotas para ferro, minérios de fertilizantes e carvão mineral dos 2% atuais para 3%. Antes mesmo de elaborar este trabalho já se podia observar a elevada carga tributária que recai sobre a atividade mineral, tornando-se inconcebível com a reforma mencionada.

Na prática, em muitos casos as empresas mineradoras considerarão inviável explorar determinada região, sabendo do risco que acarreta esta atividade, pois, são poucas as minas que se tornam economicamente exeqüível para lavrar e, ainda mais agora, com as elevadas cobranças tributárias.

Naturalmente, cada país determina suas prioridades na hora de arrecadar os tributos e não podia ser diferente em uma área tão peculiar como a mineração. Portanto, Brasil e Espanha possuem suas maneiras de perceber a função social da capacidade fiscal arrecadatória e seria leviano propor alguma taxação sobre a mineração em base ao sistema tributário espanhol.

Ademais, especificamente para esse assunto, pelo fato de já tramitar no Congresso Nacional uma proposta de elevar a taxação na CFEM não haverá sugestão para aprimoramento legislativo, senão que somente fica o apelo por não conformar com tal medida.

Contudo, e isso sim eliminaria muitas discussões, caberia contemplar na própria norma que dispõe sobre a CFEM10uma regra de remissão ao Código Tributário Nacional, com aplicação subsidiária, gerando maior segurança jurídica a seus destinatários, pois ainda há dúvida acerca de sua natureza jurídica.

D) Seção sobre o meio ambiente

Cada Estado deve elaborar uma legislação11nacional correspondente à responsabilidade ambiental em todos os seus aspectos e está obrigado, juntamente com os particulares, a prevenir os danos ambientais, havendo correção, com prioridade, na fonte causadora.

Como se pode perceber, o CM brasileiro carece de uma regulação específica sobre o tema ambiental para a atividade mineral. O que de fato existe no ordenamento jurídico pátrio é a previsão constitucional do art. 225, §2º, que obriga àquele que explora recursos minerais a restaurar o meio ambiente degradado, ademais de um arcabouço de resoluções e portarias dos órgãos ambientais, muitas vezes, passíveis de ovação.

Vale citar a resolução nº 369/2006, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, ditada em 28 de março, que regula acerca da intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente (APP) para a extração de substâncias minerais, desde que haja a apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA) no processo de licenciamento ambiental, bem como outras exigências, entre as quais, a justificação da necessidade da extração destas substâncias em APP e a inexistência de alternativas técnicas e locacionais da exploração da jazida.

Lado outro, a Lei de Minas espanhola possui um capítulo destinado para a realização de estudos, recopilação informações e proteção ao meio ambiente. Destacam as disposições que vinculam os entes estatais de todas as esferas a atualizarem seus dados com a finalidade de fixar as condições assecuratórias do uso e desfrute adequado do meio ambiente.

Destarte, não há como negar a existência de peculiaridades que versam sobre a atividade mineral, da mesma forma em que se faz inequívoca a necessidade de uma regulação especialmente dedicada a este setor. A rigidez locacional, oportunamente mencionada neste trabalho, impõe à mineração a obrigação de se instalar onde se encontra a mina e cabe ao ordenamento jurídico estabelecer regras para a recuperação da área ou mesmo para a compensação capaz de criar o mesmo ambiente em outra região.

Portanto, sugere-se a elaboração de normas marcos que irão regular a atividade mineral a partir do princípio constitucional de recuperação ambiental, que abarca a reabilitação da área minerada e efetivação do fechamento de mina12, responsabilizando tanto as empresas mineradoras que degradam o meio ambiente quanto o Estado por ter o dever de fiscalizar. Vale também recopilar aquelas resoluções e portarias que prevêem situações específicas para tal setor, como a que se expõe anteriormente, estabelecer regras para uma auditoria ambiental com estudos atualizados e exigência de relatórios periódicos por parte das mineradoras. Finalmente, e não menos importante, evitar que os licenciamentos ambientais sejam cobertos por exigências desnecessárias que acabam por burocratizar a atividade mineral.

E) Maior importância às pequenas empresas mineradoras

A pequena mineração tem grande importância econômica e social no Brasil. Embora não exista no atual CM um conceito que diferencie a grande, média ou pequena empresa de mineração, pode-se utilizar de critérios como volume de produção, número de empregados, faturamento ou mesmo pela dimensão da área.

As pequenas empresas são responsáveis por aproximadamente 20% do PIB e de 34% do total de empregos gerados pela atividade mineral13. Sabe-se que o setor mineral brasileiro é composto por 71% de pequenas minas, 25% de minas médias e 5% de minas grandes14.

A maioria destas pequenas empresas, principalmente as que extraem substâncias de uso imediato na construção civil, encontra-se em situação irregular e do mesmo modo não cumpre suas obrigações, como a entrega dos relatórios exigidos, ademais de dificultar a fiscalização e o controle estatístico.

Assim, mister se faz a criação de um regime que incentive aos empreendimentos de pequeno porte oferecendo maiores facilidades de ajuda financeira, como a proposta que atualmente tramita sobre o uso do direito minerário como garantia para pedidos de empréstimos, ademais de estabelecer regimes de aproveitamento dos recursos minerais menos rigorosos ou complexos.

Por analogia, pode-se extrair do art. 63 da Lei de Minas espanhola a previsão que dispõe sobre a possibilidade de solicitar diretamente a concessão de explotação sem a necessidade de obter previamente a permissão para pesquisa naqueles casos em que o recurso esteja suficientemente conhecido e seu aproveitamento racional estime viável. Portanto, aplicando-se ao caso pleiteado, sugere-se criar o regime direto de concessão de lavra com o intuito de extrair os recursos minerais dispensando aqueles trabalhos prévios de pesquisa.

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Reflexiones sobre las actividades extractivas a cielo abierto: la necesaria congruencia entre la actividad económica e impacto ambiental. Revista E-Derecho Administrativo. nº 11. 2004. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=801651 . Acesso: 04/nov/2008.

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[1] Advogado com graduação em Direito pela Universidad de Castilla-la Mancha (Espanha) e convalidação realizada através de um convênio firmado com a Universidade Federal de Viçosa (MG)..

[2] Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Revista Indústria da Mineração. nº 20, ano III. out. 2008. Disponível em: www.ibram.org.br. Acesso: 06/nov/2008.

[3] Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Informações e análises da economia mineral brasileira. Disponível em: www.ibram.org.br. Acesso em: 17/out/2008.

[4] MACHADO, I. F. O meio ambiente e a mineração. In: Economia mineral do Brasil. Coord. BARBOZA, F.L.M. e GURMENDI, A. C. Brasília: DNPM, 1995.

[5] RIBEIRO, Carlos Luiz. Tratado de Direito Minerário. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 452p.

[6] Consiste em efetuar estudos e reconhecimentos em regiões determinadas, mediante a aplicação de técnicas de qualquer tipo que não alterem substancialmente a configuração do local.

[7] Atividade que versa realizar estudos e trabalhos encaminhados a manifestar e definir as substâncias minerais existentes dentro do perímetro demarcado e durante um prazo determinados.

[8] Oportuno ressaltar que o STF entende que a CFEM não revela natureza jurídica tributária, tratando-se, portanto, de uma receita pública originária..

[9] BRASIL. Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Praticas tributárias internacionais da indústria da mineração. Disponível em: http://www.ibram.org.br/sites/700/784/00000936.ppt Acesso: 29/set/2008.

[10] Lei 7.990/89, de 28 de dezembro, que institui a CFEM.

[11] Sem prejuízo das normas constitucionais que estabelecem técnicas de repartição de competências.

[12] Atualmente não há uma regulação específica para este tema, cujo processo deve ser tratado com planejamento previsto desde o início do empreendimento. Existe, sim, a exigência de apresentação do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), instituído pelo Decreto 97.632, ao órgão ambiental competente durante o processo de licenciamento ambiental que o torna bastante complexo e burocrático.

[13] BARRETO, Maria Laura. Mineração e desenvolvimento: Desafios para o Brasil. Rio de Janeiro: CETEM/MCT, 2001. Disponível em: www.cetem.gov.br/publicacao/CTs/CT2002-101-00.pdf . Acesso: 09/out/2008

[14] Mina pequena: produção superior a 10.000 t/a e igual ou inferior a 100.000 t/a. Mina média: produção superior a 100.000 t/a e igual ou inferior a 1.000.000 t/a. Mina grande: produção superior a 1.000.000 t/a.

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