Medidas de proteção do cidadão idoso. Envelhecimento - ocaso de direitos?

AutorCecília Conceição Morais Rosa
Páginas221-230

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I Apresentação do problema

A transformação da sociedade portuguesa em sociedade grisalha/ envelhecida confrontou e confronta o Estado, sociedade e as famílias com novos desafios. O século XXI é certamente a era do envelhecimento, no entanto, existe uma verdadeira “conspiração Grisalha” marcada pelo silêncio e vergonha dos cidadãos mais velhos em reclamar a satisfação dos seus direitos.

O aumento da esperança média de vida das pessoas e o crescente número de cidadãos idosos, numa sociedade que não consegue garantir a reposição geracional da sua população, confronta-nos, nomeadamente com “problemas” de sustentabilidade dos sistemas de proteção social e de exclusão socioeconómica, esta é muitas vezes acompanhada do abandono- exclusão familiar do cidadão idoso.

Atualmente o Estado, a sociedade e as famílias não conseguem oferecer respostas condignas para os problemas gerados pelo aumento da longevidade dos seus cidadãos. Uma sociedade na qual as principais fontes de obrigações são a responsabilidade civil e os contratos é muitas vezes incapaz de assumir de forma gratuita o cuidado e proteção dos seus “velhos”.

As alterações do perfil e funções da família por um lado e por outro e a fragilidade da garantia presente nas relações jurídico-familiares, conduziu e conduz ao abandono e/ou exploração de muitos cidadãos idosos.

Ora, as respostas aos desafios gerados pelo aumento do envelhecimento e diminuição da natalidade, não são, naturalmente, exclusivamente jurídicas,

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mas, certamente passam pelo Direito. A valorização jurídica dos afetos, é um imperativo. A mudança de paradigma nas relações jurídico-familiares urge.

A dignidade da pessoa humana impõe a afirmação da dimensão pessoal em detrimento da patrimonial nas relações jurídico- familiares.

II Proteção especial do cidadão idoso

É possível sinalizar o começo da terceira idade nos 65 anos, conforme indicações da Nações Unidas, mas, é impossível associar - lhe um retrato homogéneo.

Assim, a idade, não pode constituir, no caso dos cidadãos maiores o critério de aferição da sua capacidade natural, estes, podem ser idosos e dotados de plena capacidade de entender e querer, ou seja, a sua plena capacidade jurídica é suportada por uma plena capacidade natural ou poderão por força das fragilidades e vulnerabilidades associadas ao envelhecimento carecer de medidas de proteção diferenciadas e naturalmente personalizadas.

A velhice não está obrigatoriamente associada à diminuição ou falta de aptidão física e/ou psíquica. Por outro lado, o aparecimento de fragilidades físicas não é necessariamente acompanhado de diminuição da capacidade de entender e querer.

Os efeitos do envelhecimento na capacidade de entender e querer do cidadão idoso poderão tornar necessário ou não medidas de assistência e ou representação. Está na altura de separar as águas, sob pena, de contribuir para a estigmatização e ostracismo dos idosos. O cidadão idoso não é necessariamente incapaz e o cidadão incapaz adulto não é necessariamente idoso.

Nesta medida, as medidas de proteção tradicionalmente oferecidas pelos sistemas jurídicos são inadequadas e invasivas. Estas colocam em crise o princípio da dignidade da pessoa humana ao negarem ao cidadão idoso os direitos à autodeterminação da sua esfera jurídica e desenvolvimento da sua personalidade.

Ora, as medidas de proteção clássicas oferecidas pela ordem jurídica portuguesa, traduzidas nos regimes oferecidos pela incapacidade de facto, decretação judicial de interdição ou inabilitação, são demasiado invasivas e não oferecem as competentes respostas.

O envelhecimento da pessoa não pode significar a perda da sua autonomia, isto é, não pode representar a recondução desta a um estatuto de menoridade.

Estas medidas ofendem o princípio da intervenção mínima imposto pelos artigos 26.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.

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Em contrapartida a eficácia anulatória oferecida pelo regime da incapacidade de facto /acidental e usura, são institutos onde a proteção oferecida pode ceder perante a necessidade de tutelar a confiança e segurança do trafego jurídico, vide artigos 257.º e 282.ºambos do Código Civil Português.

É certo que o regime oferecido pelo instituto do abuso de direito titulado no art.º334.º do Código Civil Português, oferece a solução residual para a garantir a censurabilidade do comportamento de todos aqueles que ignorem a reciprocidade dos deveres familiares de respeito, cooperação e assistência.

A reprovabilidade do comportamento dos familiares do cidadão idoso traduzido tantas vezes, no incumprimento injustificado dos deveres de respeito, cooperação e assistência, nomeadamente, na prestação de alimentos dos descentes aos seus ascendentes, ou o esbulho do poder de decisão do idoso que é a mais refinada forma de violência em razão da idade, justificarão o alargamento do campo de aplicação dos institutos da deserdação e indignidade sucessória.

A eliminação das restrições impostas à liberdade de testar em nome da proteção da família justifica-se na ausência de solidariedade intergeracional.

A necessidade de encontrar medidas de proteção especial para eventuais fragilidades suscitadas com o aumento da esperança de vida no plano internacional desencadeou a realização de duas Assembleias das Nações Unidas e que culminaram na adoção dos Princípios das Nações Unidas para as pessoas Idosas...

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