A proteção jurídica do e-mail, enquanto meio de comunicação privada, no Direito Penal espanhol.

AutorMarcelo Cardoso Pereira.
CargoAdvogado. Doutorando pela Universidade de Oviedo - Espanha.

Sumario: 1) Introdução. 2) Delitos informáticos. 3) A intimidade como um direito fundamental e sua proteção no ordenamento jurídico espanhol. 4) O direito ao segredo nas telecomunicações e sua proteção no ordenamento jurídico espanhol. 5) A proteção jurídico-penal do correio eletrônico no Direito Penal espanhol. 5.1) Considerações iniciais. 5.2) Apropriação de e-mail. 5.3) Interceptação de e-mail. 5.4) O tipo agravado de difusão, revelação ou cessão do conteúdo do e-mail. 5.5) O tipo agravado em razão da esfera de domínio profissional do autor do delito. 5.6) Tipo agravado em razão do caráter de privacy do conteúdo do e-mail ou se o delito for praticado contra menores de idade ou incapazes. 5.7) O tipo agravado pelo ânimo de lucro. 6) Exceções à ilegitimidade das condutas descritas no artigo 197 do Código Penal espanhol. 7) Conclusão.

1) Introdução

O crescente e espetacular desenvolvimento das novas tecnologias, principalmente a informática e a telemática, trás, junto às constantes inovações, o surgimento de uma nova classe de delinqüência.

É inquestionável a expressiva utilização do correio eletrônico (e-mail) nos dias atuais. Mister que o Direito Penal ofereça proteção jurídica a este meio de comunicação, assim como o faz para as correspondências postais convencionais.

O Direito Penal espanhol, no desempenho de sua tarefa de adaptação às novas formas de delinqüência, abrange a proteção jurídica ao e-mail enquanto meio de comunicação privada.

Nosso objetivo no presente trabalho é, justamente, realizar uma breve análise acerca da proteção jurídico-penal dispensada pelo Direito espanhol ao correio eletrônico, o que passamos a fazer em seguida.

2) Delitos informáticos

Existem realmente delitos informáticos? Eis um tema o qual foi, e ainda é, objeto de muita discussão em seara doutrinária.

Não vamos aqui examinar a fundo esta problemática, uma vez que este não é nosso escopo. Todavia, entendemos ser de muita importância deixar mencionado que a doutrina se encontra dividida acerca do tema.

As opiniões são as mais variadas. Vejamos, primeiramente, o conceito de delito informático elaborado por Luis Camacho Losa. Para este autor:

“ En una primera aproximación podríamos definir el delito informático como toda acción dolosa que provoca un perjuicio a personas o entidades, sin que necesariamente conlleve un beneficio material para su autor, o que, por el contrario, produce un beneficio ilícito a su autor aun cuando no perjudique de forma directa o inmediata a la víctima, y en cuya comisión intervienen necesariamente de forma activa dispositivos habitualmente utilizados en las actividades informáticas ”.

Devemos ressaltar que o citado autor não considera como delitos informáticos os crimes que já se encontram tipificados em um Código Penal e que possuem somente uma relação ocasional com a informática, como, por exemplo, o furto de um hardware .

Outros, como Antonio-Henrique Pérez Luño, preferem a denominação criminalidad informática, sustentando que a heterogeneidade de situações que se podem incluir na expressão “delito informático” aconselha que se utilize a primeira denominação .

Independentemente da denominação que se adote, seja delito informático, criminalidad informática, computer crime (Estados Unidos), computerkriminalität (Alemanha) etc., o que deve ficar claro é que na chamada “era da informática”, onde poucos aspectos de nossas vidas não se vêm afetados pelas novas tecnologias, máxime a informática e a telemática, crimes podem e estão sendo praticados com o uso destas novas tecnologias, o que demanda uma adaptação das características permanentes e intangíveis do Direito.

3) A intimidade como um direito fundamental e sua proteção no ordenamento jurídico espanhol

Um conceito de intimidade é de difícil elaboração. Refere-se ao âmbito de reserva de determinados aspectos os quais constituem a parcela privada da vida de determinada pessoa. Nos Estados democráticos de Direito, a intimidade é um direito fundamental, reconhecido e respeitado, fundamentalmente, por este status.

Seguindo os passos da Constituição portuguesa (1976), primeiro Texto Fundamental a consagrar o direito à intimidade a nível constitucional na Europa, Espanha reconheceu, em sua Constituição (1978), o direito à intimidade .

A proteção penal ao direito à intimidade, no âmbito do ordenamento jurídico espanhol, não correspondia aos anseios de sua Carta Magna, uma vez que até 1995 o nível de proteção dispensado pelo Código Penal espanhol a este direito era modesto, por não dizer inexistente.

Neste sentido a doutrina de José Luis Manzanares e Javier Cremares:

“ La intimidad, en cuanto bien jurídico independiente, no había sido objeto de tutela jurídica por parte de los anteriores Códigos Penales. Esta es, pues, una de las más destacadas novedades del actual Código Penal que se hace eco, de esta forma, de la importancia y dimensión autónoma que ha ido adquiriendo progresivamente el derecho a la intimidad ”.

Com a reforma do aludido Codex (Lei Orgânica 10/1995, de 23 de novembro de 1995) este panorama foi modificado. O “novo” Código Penal da Espanha reservou um Título específico para os “delitos contra la intimidad, el derecho a la propia imagen y la inviolabilidad del domicilio”. Para nós interessa, no presente estudo, o Capítulo primeiro deste citado Título, em especial o artigo 197 do Código Penal espanhol, pelo que a este limitaremos nossa análise.

4) O direito ao segredo nas telecomunicações e sua proteção no ordenamento jurídico espanhol

Como já tivemos oportunidade de mencionar, o direito ao segredo nas telecomunicações está garantido, no Direito espanhol, pela Constituição daquele país. De conformidade com o artigo 18.3 do Texto Maior espanhol: “ Se garantiza el secreto de las comunicaciones y, en especial, de las postales, telegráficas y telefónicas, salvo resolución judicial ”. Alertamos para a ressalva estabelecida por este preceito constitucional, é dizer, havendo ordem judicial rompe-se dita garantia. Devemos entender por “comunicaciones”, termo utilizado pela Constituição espanhola, como “telecomunicações” para os fins deste trabalho.

O segredo nas telecomunicações consiste em uma garantia da vida privada, no sentido de que preserva ao indivíduo um âmbito de atuação livre de ingerências de terceiros e, em especial, do Estado. Trata-se, pois, de uma garantia que pressupõe a liberdade das comunicações (entenda-se telecomunicações), ainda que a Constituição espanhola não tenha previsto expressamente desta maneira.

Seguindo esta linha de raciocínio, a liberdade e o segredo nas telecomunicações afeta a todo e qualquer procedimento de intercomunicação privada praticado nos dias atuais, com todos os meios técnicos disponíveis em uso.

Se bem observamos o Texto Fundamental espanhol, encontraremos referência (expressa) tão-somente às comunicações postais, telegráficas e telefônicas. Todavia, não esta fora da proteção constitucional qualquer forma de comunicação (desde que privada) que dispomos atualmente, verbi gratia, fax, correio eletrônico, vídeo conferência etc.

Em suma, o direito ao segredo nas telecomunicações possui caráter constitucional e constitui um dos pilares que compõe e sustentam o direito à intimidade. Protege, em tese, qualquer comunicação privada, independentemente dos meios utilizados para a realização desta.

Passamos agora à análise da proteção jurídico-penal dispensada ao correio eletrônico (enquanto uma forma de comunicação privada) pelo Direito Penal espanhol.

5) A proteção jurídico-penal do correio eletrônico no Direito Penal espanhol

5.1) Considerações iniciais

Não é nosso objetivo tratar de conceitos básicos os quais, dado o nível de influência das novas tecnologias no cotidiano de qualquer pessoa, já são de conhecimento geral. Como nosso estudo se centra na proteção penal dispensada ao correio eletrônico (daqui para frente e-mail), cremos ser necessário apresentarmos, ao menos, uma breve noção sobre o mesmo. Em poucas palavras, e-mail, simplificação...

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