Liability management exercises

AutorAna Sá Couto - Catarina Gonçalves de Oliveira
CargoAbogadas da área de Direito Comercial de Uría Menéndez - Proença de Lasevallo (Lisboa)
Páginas26-38

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Depois de um abrandamento nos mercados de dívida a partir de 2005, questionava-se se os exercícios de liability management 1 («liability management exercises» ou «LME») voltariam a ressurgir. Foi, precisamente, a crise financeira mundial de 2007 que trouxe consigo os ingredientes necessários à (re)criação das condições propícias ao recrudescimento destes exercícios de gestão de responsabilidades e estrutura de capital das empresas - com particular acuidade, no sector financeiro.

Com efeito, muitos emitentes estão agora focados em operações do tipo LME como parte de um esforço de gestão, reestruturação e esforço dos seus balanços em face do contexto económico e financeiro severamente adverso que vivemos, marcado por uma crise de liquidez generalizada e uma forte contracção do acesso ao crédito.

Como causas prováveis (mas não exclusivas) da predisposição para a realização de um liability management refira-se, por um lado, a existência de montantes substanciais de dívida acumulada nos emitentes desde o início da década de 2000 - dívida esta que se encontra a negociar, as mais das vezes, no mercado secundário, com descontos significativos abaixo do par -; por outro lado, a elevada volatilidade do mercado, os preços das acções em queda acentuada, a degradação dos ratings, os cortes na avaliação dos activos, a revisão em baixa das projecções de resultados, e a sobre-alavancagem crescente das empresas feita com recurso aos mais diversificados e sofisticados instrumentos e estruturas - de resto, também ela, em parte, responsável pela hecatombe financeira a que vimos assistindo desde 2007.

As instituições financeiras, em particular, têm procurado nestes exercícios de liability management a panaceia para a necessidade (imposta) de reforço dos seus rácios de capital e fundos próprios. Por seu turno, as empresas, em geral, encontram-se mais receptivas a prosseguir reestruturações voluntárias e extra-judiciais, em alternativa a um cenário de insolvência. Um dos principais pólos de atracção dos LME é a flexibilidade oferecida ao nível do leque de alternativas possíveis, incluindo: amortizações antecipadas de obrigações ou outros instrumentos representativos de dívida (debt or bonds redemptions); recompras de obrigações ou outros instrumentos representativos de dívida (debt or bond buybacks); ofertas públicas ou privadas de aquisição de obrigações ou outros

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instrumentos representativos de dívida mediante a entrega, em contrapartida, de dinheiro (tender offers), acções ou outros valores mobiliários (exchange offers); alterações dos termos e condições de obrigações e outros valores mobiliários representativos de dívida (consent solicitations); operações de conversão de dívida em capital (debt equity swaps ou conversion of debt into equity) 2; entre outras, são várias as opções que se encontram à disposição dos emitentes.

Efectuada a delimitação positiva da figura, não gostaríamos de prosseguir sem antes excluir do âmbito da nossa análise uma realidade também ela habitualmente categorizada como liability management, ainda que com um alcance distinto. Com efeito, a expressão liability management exercise é de emprego corrente em matéria de gestão de fundos de pensões. Neste contexto, os liability management exercises visam reduzir a exposição do fundo a vários riscos, designadamente o risco de investimento ou de longevidade 3. Por manifesta desadequação ao propósito desta análise, estes liability management exercises não constituirão objecto do nosso estudo.

1. Razões e objectivos para a realização de um LME
1.1. Em geral

De um modo geral, os dois principais motivos pros-seguidos pelas empresas com a realização de um LME são (i) o diferimento e/ou (ii) a redução de encargos com a dívida, sendo certo que estes dois objectivos não convergem necessariamente. Desde logo, uma sociedade que enfrente o vencimento a breve trecho de um volume significativo de dívida emitida, pode decidir adiar ou prorrogar o seu reembolso através da emissão de nova dívida a juro mais elevado.

De forma mais exaustiva, podem apontar-se os seguintes motivos:

(i) Estrutura - através da simplificação, uniformização e homogeneização das estruturas e instrumentos de dívida de um determinado emitente que, ainda que circulando sob nomes e perfis de crédito diferentes, não apresentam discrepâncias ao nível do respectivo carácter de subordinação.

(ii) Desalavancagem - através da redução de dí-vida.

(iii) Investimento - na falta de melhor alternativa (v.g., porque as taxas de juro ou de retorno de investimento são baixas), adquirir dívida própria pode ser uma hipótese mais interessante. Em caso de diminuição das taxas de juro, pode haver vantagem em recomprar as obrigações antigas (com juro mais alto), financiando essa operação, a juros mais baixos, mediante emissão de novas obrigações ou com recurso a crédito bancário.

(iv) Liquidez / dilação do prazo da dívida - beneficiando das actuais condições do mercado, muitas empresas têm optado por refinanciar-se através de uma operação de troca de obrigações por obrigações com prazo de vencimento mais alargado.

(v) Redução de despesas - designadamente, através da redução de despesas com juros.

(vi) Reputacão - através da recompra de obrigações, o emitente poderá sinalizar aos investidores perspectivas de evolução futura positivas.

(vii) Recapitalização - comprando ou trocando obrigações abaixo do par, o emitente realiza um ganho (mesmo que ofereça, como habitualmente, um prémio em relação à cotação das obrigações em mercado secundário). Estas operações de LME têm, designadamente, reflexos ao nível regulatório e de melhoria de ratings, em particular no caso das instituições financeiras.

(viii) Solução alternativa - não raras vezes, um LME apresenta-se às empresas como uma alter-nativa menos onerosa do que uma reestruturação societária e financeira mais profunda, ou mesmo, em casos extremos, um potencial processo de insolvência.

1.2. O Caso Particular da Banca

Como, de resto, tem vindo a ser abundantemente afirmado, a dificuldade de emissão de títulos re presentativos de participações sociais (equity-raising), atento o respectivo valor nominal e as actuais

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cotações de mercado 4, tem atraído a atenção das instituições financeiras para exercícios de LME, em que se torna possível alcançar um certo nível de capitalização sem a necessidade de proceder a um aumento de capital por novas entradas em dinheiro e, portanto, sem exigir um elevado esforço financeiro por parte dos seus accionistas.

Na actual conjuntura, os LME - em particular, as recompras (repurchases ou buybacks), as ofertas de aquisição (tender offers) e as operações de troca (exchanges) - permitem às instituições financeiras prosseguir os seguintes objectivos (alguns deles coincidentes com os já expostos supra relativamente à generalidade das empresas):

(i) Dilação de prazos de vencimento de dívida;

(ii) Geração de capital de melhor qualidade regulatória, tipicamente através de ofertas públicas de troca (exchange offers);

(iii) Melhoria dos rácios de capital, designadamente através da recompra de instrumentos financeiros que negoceiem abaixo do par e respectivo cancelamento (repurchases ou buybacks).

(iv) Potencial desinvestimento público, em particular mediante a aquisição de instrumentos financeiros através dos quais se tenha efectuado uma operação de capitalização pública 5.

De entre os objectivos enunciados, os LME têm assumido especial importância no âmbito da recapitalização das instituições de crédito, nomeadamente como forma de dar cumprimento às exigências de fundos próprios (core Tier 1) estabelecidos na legislação e regulamentação aplicáveis.

Centrando-nos a este propósito no caso europeu e, em particular, Portugal, cumpre salientar que, a nível comunitário, a Autoridade Bancária Europeia («EBA») propôs, na Recomendação EBA/ REC/2011/1, publicada no dia 8 de Dezembro de 2011, um pacote de capital para uma lista de setenta entidades bancárias da União Europeia - incluindo quatro bancos em Portugal 6 -, exigindo que esses bancos criem buffers de capital que lhes permitam atingir um nível de fundos próprios Core Tier 1 de 9% até 30 de Junho de 2012 7. Os buffers de capital agora exigidos deverão vigorar desde 30 de Junho de 2012 até que a Recomendação EBA/ REC/2011/1 seja modificada ou revogada 8.

A proposta feita pela EBA, enquadra-se num pacote mais amplo de medidas destinadas a restabelecer a estabilidade e confiança nos mercados aprovado no Conselho Europeu de 26 de Outubro de 2011. Neste sentido, os referidos buffers não têm em vista cobrir prejuízos com as exposições à dívida soberana, mas antes reforçar a segurança perante os mercados sobre a capacidade dos bancos de resistir a uma série de embates mantendo níveis adequados de capital.

No que se refere aos recursos financeiros a utilizar para reforço do capital neste contexto, os LME assumem uma importância primordial para o cumprimento da Recomendação da EBA como resulta expresso no Considerando 7) que antecede o texto da própria Recomendação: «Banks should first use private sources of funding to strenghten their capital position to meet the required target, including (...), new issuances of common equity and suitable strong contingent capital, and other liability management measures.».

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No caso português em particular, o agravamento das exigências de reforço dos níveis de capital dos bancos encontra também a sua fonte...

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