Análise de um auto do tribunal superior de justiga de galiza, que declara judicialmente inadmissível o galego escrito com a su a propia ortografía histórica e internacional

AutorXavier Vilhar Trilho
CargoProfessor da Universidade de Santiago
Páginas81-92

Page 81

Auto do Tribunal Superior de Justina de Galiza de 10 de Janeiro de 1994
Antecedentes

Primeiro: D. Manuel Zebral López interpoe perante o Tribunal Superior de Justina de Galiza recurso contencioso-administrativo contra rechazo, presunto por silencio administrativo, da sua peticao sobre cum-primento de acordos de estabilidade para os professores nao numerarios. Segundo: No trámite de contestacáo á demanda, o letrado da Junta de Galiza formula alegacóes previas onde manifestava que os escritos do recorrente nao apareciam redigidos em nenhuma língua oficial da Co-munidade Autónoma, pois nao es-tavam em castelhano nem em gale-go normativizado, pelo que solicitava que se acordara a inadtnissáo do recurso ou, noutro caso, se lhe facilitara a traduc,ao de tais escritos a qualquer dos idiomas oficiáis de Co-munidade Autónoma de Galiza. A parte recorrente alega que os seus escritos estavam redigidos num ga-lego normativizado (na forma padrao portuguesa), pelo que solicita que se tivera por presentada a demanda para todos os efectos.

Fundamentos de direito

Primeiro: «Ó se-los sistemas lingüísticos de creación espontánea das comunidades que os empregan resulta imposible o seu sometemento a normas xurídicas, pero cando as or-ganizacións políticas outorgan a al-gúns deles o carácter de idioma oficial, o seu emprego resulta de obrigada aceptación polos seus órganos como medio de comunicación

Page 82

para o exercicio dos dereitos ante os mesmos, é xuridicamente esixi-ble que a linguaxe empregada para tales comunicacións se acomode nun grao mínimo ás normas, de carácter non xurídico, senón científico, establecidas por institucións que gozan de recoñecemento para tal fin. Neste caso, é evidente que o actor pretende estar utilizando o idioma propio da comunidade galega, pero a linguaxe que emprega presenta profundas diferencias coa que os órganos políticos da mesma sinalan como tal, no decreto 172/82, ó determinar como básica para a unidade ortográfica e morfolóxica da lingua galega o acordó da Real Academia Galega e do Instituto de Lingua Galega, (...) Por íso, aínda que a corrección idiomática, non pode ser esixida ó cidadán como condición de admisibilidade ñas súas relacións coa Administración, tampouco pode esi-xirse ós órganos desta, que realicen o esforzó de acomodación necesario para a comprensión dos escritos, que, como aquí ocorre, se presentan acomodados non ó sistema lingüístico oficial, senón a outro totalmente distinto, (...) Aínda que non se descoñeza o direito do recorrente para adopta-lo sistema idiomático que mellor lie parece para a expresión do galego, é indubidable que a proliferación de diversos sistemas, ós que non podería ponerse límite, orixinaría na Administración Galega unha situación de pluralismo lingüístico que excede do que a Constitución e o Estatuto de Autonomía establecen, (...) Por todo iso ha de chegarse á conclusión de que os escritos do recorrente non están redactados no idioma oficial de Galicia e que, polo tanto, a Administración non ten obriga de admitilos como eficaces ante esta, nin ñas relacións en que esta se atopa implicada».

O Tribunal acordava declarar a inadmissibilidade do escrito de demanda formulado por D. Manuel Zebral López no recurso contencioso-administrativo e conceder-lhe um prazo de dez dias «para que presente a súa demanda en linguaxe oficial acomodado ás normas indicadas ou ás da Real Academia Española, se optase por utiliza-lo idioma cas-telan».

1. Un auto «autocrático»

O Tribunal Superior de Justica de Galiza dava o 10 de Janeiro de 1994 esse superior exemplo (deve ser, por isso, que é um Tribunal Superior) do que constitue o que poderiamos chamar um auto judicial «autocrático», ao declarar inadmissível o recurso contencioso-administrativo re-digido em ortografía lusista, apresentado por um professor contra o rechaco, presumido por silencio administrativo, da sua peticáo sobre cumprimen-

Page 83

tos de acordos de estabüidade para os professores nao numerarios. Quali-ficamos dito auto judicial de «autocrático», porque é urna resolucao (ao jeito das resoluc.6es dos autócratas, nome que receberam os emperadores de Bizáncio e de Rússia por exercer um poder ilimitado) fundada num poder de emitir autos judiciais que viria ser ilimitado, nao limitado pelo direito positivo nem pela lógica racional. Trata-se de um auto, cujos fundamentos jurídicos só os podemos considerar tais fundamentos, na medida em que estáo táo no «fundo», num obscuro fundo insondável, que nunca poderiamos chegar a ele e, caso de chegar, achar alguma «luz» em tamarillas profundidades.

A ver se o Tribunal Superior de Justica de Galiza se inteira, de urna vez por todas, que no ordenamento jurídico da Comunidade Autónoma de Galiza nao existem normas ortográficas oficias do galego! Para interpretar as Ieis, há que lé-las previamente. Se o Tribunal Superior le atentamente o articulado do Decreto de normativizacáo da lingua galega, de 17 de Novembro de 1982, comprovará que as normas ortográficas, que -como anexo-contení dito Decreto, nao sao jurídicamente urnas normas oficiáis, pois o único a que obriga o articulado de tal Decreto é a que se ensinem tais normas em todos os centros escolares (art. 4) e a que os livros e material didáctico autorizados se ajustem a elas (art. 5). Nao podem ser normas ortográficas oficiáis, porque nesse Decreto nao existe um mandato expresso, nem tácito, de que os textos das Ieis autonómicas ou das resolucoes dos poderes públicos autonómicos tenham que estar re-digidos em ditas normas. Nenhum preceito do Decreto estabelece que os poderes públicos autonómicos tenham que utilizar essas normas ortográficas ñas suas comunicacóes escritas com os cidadáos, ou que estes, quando se dirijam por escrito a esses poderes, tenham que usar essa ortografía, para que ditas comunicac,oes adquiram eficacia e validez jurídicas plenas. Portanto, nao se pode concluir, como se conclue nos fundamentos jurídicos do auto do Tribunal Superior, que a redaccSo na mal chamada normativa ortográfica oficial possa ser estimada como um requisito de eficacia jurídica. Simplesmente, aqui, estamos diante de urna situacao de facto e abusiva: a Administracao autonómica vem actuando (e nao sempre, porque parece nao as ter bem aprendido) com as normas ortográficas conti-das em tal Decreto e discriminando outras, ou, como agora o Tribunal Superior, deixando indefenso e sem tutela judicial efectiva a um cidadao, que nao emprega tal normativa para veiculizar a sua pretensáo jurídica. Estamos assistindo ao paradoxo de que, apesar de estar proibida pela Cons-tituicáo Espanhola (art. 14) e pelo Estatuto de Autonomia de Galiza (art. 5.4) a discrimínacao por razao de língua, os poderes públicos galegos estao

Page 84

discriminando por razáo de ortografía e deixando, por essa causa, judicialmente indefensos aos cidadaos.

Alias, usar urna ortografía «nao oficial» nao deixaria de ser, em todo caso, como apresentar um escrito com «sistemáticas faltas de ortografía», e nao temos noticia de que exista alguma disposicáo legal no Reino de Espanha, que estabeleca que as faltas de ortografía ñas reclamacoes escritas sao causa de inadmissibilidade das mesmas perante os Tribunais. O mesmo Tribunal Superior reconhece que «a corrección idiomática non pode ser esixida ó cidadán como condición de admisibilidade ñas súas relacións coa Administración», aínda que, a continuafáo, invalide práticamente tal aseveracao, ao dizer que «tampouco pode esixirse ós órganos desta (a Administracáo), que realicen o esforzó de acomodación necesario para a compresión dos escritos, que (...) se presentan acomodados non ó sistema lingüístico oficial, senón a outro totalmente distinto». Se os órgáos da Administrac.áo nao estáo obrigados a realizar tal esforzó de compreensao dos escritos que nao se apresentam acomodados ao sistema lingüístico oficial, é que de facto se lhe exige aos cidadaos a correccáo idiomática como condicáo de admissibilidade dos escritos que eles dirijam aos poderes públicos. Urna coisa ou outra. De qualquer forma, como se pode argumentar que nao se pode exigir aos órgáos da Administracáo esse esforco de aco-modacáo, quando o mesmo ordenamento jurídico espanhol admite a pos-sibilidade de que os estrangeiros (Lei Orgánica pela que se desenvolve o art. 17.3 da Constituicáo, sobra assisténcia letrada ao detido e ao preso, que modifica os arts. 520 e 527 da Lei de Julgamento Criminal) e os pró-prios cidadaos do Reino de Espanha que desconhecam verosimílmente o espanhol (Sentenca do Tribunal Constitucional 74/1987, de 25 de Maio) podem receber o auxilio de um intérprete tradutor, para que nao se provoque urna indefensao judicial? Como nao acudir de oficio a um transcri-tor para transcrever a ortografía lusista para a chamada inapropriadaman-te oficial, quando essa operacao de transcricao ortográfica requereria, em todo caso, menores esforcos de acomodacao que a de traduzir outra língua ao espanhol?

Nao é acredítável que funcionarios da Administracáo de Justica, que devem conhecer o galego, precisem ajudas externas para comprender a ortografía lusista desde a pretensamente oficial, já que as diferencas entre elas nao sao da natureza insuperável daquelas que separam ortografías com alfabetos diametralmente distintos como, por exemplo, o cirílico e o latino do servo-croata. De tal forma que o próprio criterio do Tribunal Superior -de que é jurídicamente exigível que os cidadaos acomodem a Hn-guagem empregada ante os poderes públicos «num grau mínimo» as

Page 85

normas-, teña que abranger a ortografía histórica e internacional do ga-lego (a portuguesa). Nao há outra maneira de identificar esse «grau mínimo» de acomodacao as normas exigível, que a mesmo Tribunal Superior admite como tolerável desviacao das normas, se nao é a partir da existencia ou nao de compreensibilídade entre as ortografías em questao. Nao nos parecería equánime que o Tribunal Superior só pretenderá, com essa imprecisa fórmula de «um grau mínimo» de acomodacao as normas, per-doar as faltas de ortografía dos funcionarios da Junta de Galiza, que nem sequer se tém bem aprendidas as normas do galego «normativizado», e acolher baíxo o manto protector dessa fórmula os dissidentes mínimos com a ortodoxia ortográfica oficial, excomungando os dissidentes máximos, os lusístas, os realmente heterodoxos com a oficialismo ortográfico, entendido como urna especie de «Igreja Ortográfica Oficial», fora da qual nao haveria salvacao.

Por outra parte, o Tribunal Superior de Galiza devia ter tido em con-ta que o art. 1 do Decreto de normativizacao estabelece que as normas ortográficas do mesmo foram «aprovadas como norma básica para a unida-de ortográfica e morfolóxica da Língua Galega» (sulinhado nosso), nao como norma de unidade, quer dizer, que o mesmo decreto nao dá por rematado o processo de unificacao ortográfica do galego, senao que o estima como algo aínda por alcancar. Processo que é considerado como um processo aberto pela propia disposicáo adicional da Lei de Normalizacáo Lingüística de Galiza de 15 de Junho de 1983 («Esta normativa será revisada en función do proceso de normalización do uso do galego»). Se, em conexao com esses preceitos, também o Tribunal tivera em conta, que a realídade social do tempo em que tém que ser aplicados -realídade de acordó com a qual se devem interpretar as leis (art. 3.1 do Código Civil espanhol)- lhe indicava que a questao ortográfica nao é na Galiza urna questao social e académicamente pacífica, se tivera em conta que tal situa-c.áo sociolinguística galega lhe amostrava que nao existe urna efectiva unidade ortográfica na sociedade civil galega (pois nela se praticam diversas ortografías do galego), entáo teria redigido um auto respeitoso com a existente situacáo social de pluralismo ortográfico. De ter em conta essa reali-dade, o Tribunal teria evitado pronunciar urna sentenca como a núm. 826/1989, de 14 de Dezembro, na que sustentava, contra toda evidencia, que os escritos de interposicao e demanda, presentados naquele caso numa opcáo ortográfica distinta da chamada oficial, «ni ortográfica ni morfológicamente adoptan alguna de las modalidades en uso de la lengua gallega». Tal raciocinio era, de todo ponto, contrario á mais evidente evidencia, já que a ortografía da mesma demanda e a existencia na Galiza de publica-

Page 86

cóes na norma ortográfica em que estava redigida a demanda sobre a que se pronunciava a sentenca, provavam que era urna das modalidades escritas em uso do galego, máxime quando -em sentencas como as 177/1986 e 378/1989- a Sala do Contencioso-Administrativo da Audiencia Territorial de Corunha (antecedente imediato da sua sucesora sala homologa do actual Tribunal Superior de Justica de Galiza) e a própria Sala do Contencioso-Administrativo do Tribunal Superior -em sentencas como as 781/1989 e 826/1989- utilizaram na redac^ao das mesmas uma variante ortográfica reintegracionista, basilarmente idéntica a empregada na inadmitida demanda. Ainda mais, o próprio Tribunal Superior num auto de 30 de Setembro de 1992, anterior portanto ao que estamos a comentar, identificara o galego com ortografía portuguesa, no que estavam graf ados os escritos forenses do recorrente, como «una versión del gallego, que al parecer no goza de reconocimiento oficial». Em consequéncia, se o Tribunal Superior tivera memoria para recordar tudo isso, teria ditado um auto mais em consonancia com essa obrigada memoria, da qual também teria que ter feito parte a recordado inexcusável daquela sentenca sua, de 4 de Maio de 1993, que tivera o mérito de rectificar uma linha jurisprudencial anterior nao favorável á liberdade ortográfica, ao declarar válido o art. 254 dos Estatutos da Universidade de Vigo (artigo que autoriza ao Servic.0 de Publicacóes de dita Universidade editar trabalhos científicos sem discriminar a opcao ortográfica escolhida pelos autores dos mesmos). Nessa sentenca, a fundamentacáo jurídica argumentava impecavelmente que dito art. 254 respondía «á finalidade lexítima de posibilitar a publicación de traballos que em-pregan outras normativas ortográficas do idioma galego asumidas e practicadas en eidos intelectuais e por capas sociais que encontran o seu fundamento e lexitimidade en razóns históricas, consuetudinarias, xeo-gráficas e de poliformismo proprio das falas, e non lonxe de certo ba-seamento científico lingüístico (...) Consecuentemente, constituiría um atentado ó direito á liberdade ideolóxica, científica, de expresión e de libre circulación de ideas, todo intento por parte dos poderes públicos de seiturar, co gallo da defensa a ultranza dunha normativización oficial, posturas lingüísticas que, non apartándose do seo común de orixe e convivencia idiomática, se amosan como discrepantes e ata críticas coa normativa oficial».

Apropriando-nos dessas acertadas palavras do Tribunal Superior teñamos que Ihe perguntar: nao constituirá apenas um atendado á liberdade

Page 87

de expressáo senáo também ao direito á tutela judicial efectiva dos cida-dáos, nao admitir urna demanda redigida numa norma ortográfica do idioma galego, a portuguesa, assumida e praticada por cidadáos em distintos campos da vida social (entre os quais o da reivindicacáo de amparo dos direitos ante os tribunais)? Nao é essa urna norma que acha também o seu fundamento e legitimidade em razoes históricas, consuetudinarias, geográficas e de polimorfismo próprio das falas e nao longe de certo basea-mento lingüístico científico? Ou isso é só um privilegio reconhecido para o reduzido ámbito das publicacoes científicas universitarias? Em materia do tratamento jurídico da problemática ortográfica, o itinerario jurisprudencial do Tribunal Superior de Justica de Galiza é todo um exemplo superior de direccáo errática e contraditória.

O Tribunal Superior exagera de forma superior, quando argumenta no auto que estamos a comentar, que nao se pode exigir aos órgáos da Administracáo o esforco de acomodacao necessário para comprender os escritos nao acomodados ao pretenso «sistema lingüístico oficial». Exagera exageradamente, porque dito «esforco» seria mínimo, dado que as diferentes normas ortográficas e formas léxicas, com as quais se vem grafando o galego, sao fácilmente inteligíveis, urnas desde outras, por todos e máxime pelos profissionais «letrados» (pessoas que sabem de letras) dos órgaos da Administracáo de Justica. O Tribunal Superior continua a exagerar, quando raciocina que a admissibilidade de diversos sistemas ortográficos daria lugar a urna situacao de proliferacáo dos mesmos, a que nao se poderla por límite. Exagera, porque basilarmente nao há mais que dois sistemas ortográficos do galego, o isolacionista ou espanholizador (o pretenso oficial) e o reintegracionista ou lusista. Os demais sao variantes mínimamente diferenciadas desses dois fundamentáis. Variantes de escassa pre-senca social e menor prestigio em comparacao com os seus padróes respectivos, portanto «anti-económicas», e que por essas razoes tenderao ir desaparecendo, em lugar de ir -como teme o Tribunal-proliferando. Em qualquer caso, o que nao é admissível é que se diga, que aqueles escritos, que nao estao redigidos na pretensa norma «oficial», nao estao redigi-dos no idioma oficial de Galiza, porque isso equivalería confundir língua oficial com ortografia oficial. No mais desfavorável dos supostos para o recorrente, os seus escritos, grafados com ortografía reintegracionista total (quer dizer, portuguesa) nao estariam redigidos na ortografia suposta-mente oficial, mas nunca se poderia dizer deles que o estiveram num idioma que nao for oficial de Galiza. Nao se pode confundir língua oficial com ortografia oficial. Pode haver linguas oficiáis sem ortografia oficial. Sem ir mais longe era o caso do galego, entre o 6 de Abril de 1981, quan-

Page 88

do se promulga o Estatuto de Autonomía de Galiza vigorante (instante a partir do qual o galego comeca ser oficial), e o 20 de Abril de 1983, momento no que se publica o Decreto sobre normativizacao da língua galega. Nesse interregno de tempo, havia urna língua oficial sem ortografía oficial. E, continua a ser, hoje em día, o caso do galego, pois, desde um ponto de vista restritamente jurídico, tal decreto de normativiza^áo nao instaura -como temos visto- urnas normas ortográficas oficiáis, senao urnas simples normas ortográficas, que só devem ser ensinadas nos centros escolares, de tal forma que se poderia dar legítimamente o suposto pedagógico de ser ensinadas ditas normas desde a utilizacáo de outras totalmente distintas, A outra disposicáo imperativa do decreto, a de que os livros de texto e material didáctico autorizados tenham que ir redigidos em ditas normas anexas ao decreto, revela-se também como bastante estéril, já que os professores, ao nao estar pela legislacáo vigorizante obligados utilizar uns determinados livros de texto, nao teríam porque se servir de livros autorizados redigidos ñas normas pretensamente oficiáis.

Também nao se pode dar por boa a pretensao do advogado da Junta de Galiza -de que os escritos do recorrente nao estavam redigidos num galego «normativizado» (se por normativizado há que entender escrito de acordó com urnas normas sistemáticas e coerentes)-, porque o galego rein-tegracionista ou lusista também está normativizado e melhor normativizado que o chamado «galego oficial», quer dizer, com normas mais coeren-tes entre si e concordantes com o passado histórico do galego e com as da área lingüística a qual -segundo as autoridades com mais auctoritas da romanística- pertence, a área do ibérico-románico ocídental, hoje con-hecido internacionalmente por portugués. Em definitivo, a conclusao do auto do Tribunal Superior de que «os escritos do recorrente non están redactados no idioma oficial de Galicia» (sic) e a concessao para que num prazo de dez días presente a sua demanda «en linguaxe oficial acomodada ás normas indicadas ou ás normas da Real Academia Española, se optase por utiliza-lo idioma castelán», ignora que o que é oficial é a língua galega e nao a ortografía do galego e equipara inapropriadamente o processo de recepcáo social das normas ortográficas do decreto de normativizacao da Junta com as da Real Academia Espanhola, quando estas últimas nao se impuxeram por decreto, senáo recepcionadas socialmente pelo prestigio que foram adquirindo como consequéncia da utilizacáo continuada délas por parte de gramáticos e escritores com influencia social e nao sendo já desde faz tempo discutidas por ninguem, a diferenca de tudo o que acontece com as do Decreto da Junta de Galiza de normativizacao da lín-

Page 89

gua galega, administrativamente impostas, sem prestigio literario nem científico e discutidas socialmente.

As normas ortográficas da Junta de Galiza sao um diktat ou ukase da Administracáo (um Decreto do Executivo autonómico imposto de costas viradas ao Parlamento de Galiza e que adoptou urna solucao socialmente controvertida), baseadas num modelo de estandardizacao elaborado, a partir de um foque fonetista simplista e do criterio populista de elevar a estándar culto a fala coloquial -representada gráficamente com caracteres ortográficos do espanhol- da gente singela do povo, nao a partir do registro internacional culto do galego, ja presente no portugués, e que conta com o respaldo da tradicáo literaria medieval galego-portuguesa e portuguesa e brasileira modernas, da pratica escrita das Administracóes dos países lusófonos e do estudo das entidades científicas e instituicoes culturáis de maior autoridade do mundo da lusofonia, entre as quais, a Academia das Ciencias de Lisboa e a Academia Brasileira das Letras. Entretanto o criterio elaborado pelo Instituto da Lingua Galega é criterio de urna instituí-cao científicamente competente mas «provinciana», em quanto que «pro-vincianiza» o galego, desconectando-o do portugués, forma internacional culta do galego. Instituto ao que, por outra parte, a interpretacao oficialista -que estima como único criterio de autoridade em materia de normativa o da Real Academia Galega- da disposicáo adicional da Lei de Normalizacáo Lingüística («Ñas cuestións relativas á normativa, actualización e uso correcto da lingua galega, estimarase como criterio de autoridade o establecido pola Real Academia Galega») nao reconheceria com a posibilidade de emanar criterio de autoridade. Interpretacao infundada, já que repara-se que o texto da disposicao adicional di «como criterio de autoridade», nao «como o criterio de autoridade», que, entáo, sim que seria correcto interpretar como único criterio. Nao obstante, o criterio do Instituto da Lingua Galega foi, de facto, adoptado por outra institui-cáo, a Real Academia Galega, instituicao esta que sim é expressamente reconhecida por lei para estabelecer criterio (nao o criterio) de autoridade em questoes relativas á norma ortográfica, mas que é incompetente desde o ponto de vista científico, já que nem estatutariamente é urna Academia da Lingua nem o núcleo central dos seus membros está constituido por lingüistas. Normas do Instituto da Lingua Galega-Real Academia Galega em todo caso contestadas amplamente por sectores significativos da socie-dade civil galega. Por todo o qual, podemos concluir que o auto do Tribunal Superior de Justica de Galiza, que comentamos: 1/ nao interpreta as disposicoes legáis sobre a norma ortográfica de acordó com a realidade social do conflicto ortográfico existente no tempo em que tém que ser

Page 90

aplicadas; 2/ está redigido com escasso «sentidinho» jurídico, ao deixar desprotegidos elementáis dereitos fundamentáis (igualdade diante da lei, liberdade de expressáo e direito á defesa e á tutela judicial efectiva) de cidadaos discrepantes com a pretensa ortografía «oficial»; e 3/ está inserido, como um fito mais da mesma, numa linha jurisprudencial errática e contradítória na interpretado dos preceitos relativos á norma ortográfica e faz ostentacáo de uma inane coeréncia lógica.

Em qualquer caso -a margem da sua consistencia (escassa como temos posto em relevo) ou inconsistencia argumentativa interna- o auto, como tal auto, nao faz jurisprudencia, e menos quando se insere num iter jurisprudencial hesitante e contraditórío. Por isso, é surpreendente que o Presidente da Junta de Gatíza, Sr. Fraga Iribarne, esgrima o auto qual se tratara de «coisa julgada», para nao atender as reiteradas peticóes e consideracóes das organizacoes nao governamentais reintegracionistas e/ou Iusistas sobre a incorreccao tanto dos criterios «científicos» de estandardi-zacao do chamado galego «normativizado» quanto do procedimento jurídico de «oficializacáo» do mesmo e sobre a necessidade de que se inicie por parte dos poderes públicos autonómicos uma via de rectificacao de tal estado de coisas, que permita a reintegracao ortográfica do galego no portugués, a variante mais culta e de difusao internacional do diassistema lingüístico galego-portugués. De seguir sem ser atendidas ditas solicitudes, os poderes públicos autonómicos galegos ir-se-áo encontrando com um número crescente de cidadaos «objetores de consciéncia ortográficos» ou «insubmissos á ortografía oficial».

2. Amostra da capitis deminutio jurídico-política do galego

Para os críticos do quadro constitucional-estatutario é bem sabido que a cooficialidade formal do galego no ordenamento jurídico espanhol oculta o seu real status jurídico-político de língua «subcooficial», termo do que convem sulinhar tanto o prefixo sub como o prefixo co, Língua «sub-ofi-cial», já que a sua oficialidade está por debaixo do que deve ser a oficiali-dade de uma língua. E, língua cooficial, porque nao é oficial em solitario, é oficial com o espanhol, já que deve ser acompanhada necessariamente pelo espanhol, nalguns supostos como mínimo. Para que a oficialidade de uma língua seja tal, tem que reunir, segundo todos os tratadistas em direito lingüístico, as duas notas de indivisibilidade e autonomía. A oficialidade de urna língua é plena ou indivisível, quando a língua é oficial em todos os ámbitos sem exclusáo. A oficialidade de uma língua é autónoma quan-

Page 91

do esta língua pode ser oficial em solitario, sem ter que ir necessariamente acompanhada pela oficialidade de outra língua. No ordenamento jurídico do Reino de Espanha, o galego nao tem oficialidade plena, porque está excluido de certos ámbitos. Está excluido dos actos de servico e de admi-nistracáo interna das Forcas Armadas realizados no próprio territorio da Comunidade Autónoma de Galiza. Está excluido dos órgaos centráis do Estado, dado que só é oficial no territorio da Comunidade Autónoma de Galiza, E, assim mesmo, por es se motivo de nao ser língua oficial do Estado, também está excluido ñas relacoes exteriores do Reino de Espanha com outros Estados. Em quanto á nota da autonomia, a oficialidade do galego carece déla, desde o momento e hora em que, por exemplo, os textos das leis aprovadas pelo Parlamento de Galiza no podem ser publicadas só em galego, senao que tém que se-lo também em espanhol. Em definitivo, a oficialidade do galego é urna oficialidade desigual, dissimétrica, até o extremo de que nao existe o dever de conhecer o galego nem sequer por parte de todos os funcionarios que desempenham a funcao pública no territorio da própria Comunidade Autónoma de Galiza. Urna oficialidade do galego, que nao comporta que de urna forma efectiva os cidadaos sejam contestados em galego pelos órgaos das distintas administracóes, quando se dirigem em tal língua a ditos órgaos, porque, nem sequer em quinze anos de regimem constitucional instaurador do modelo de coofi-cialidade vigorante todas essas administracóes foram capazes de arbitrar as medidas oportunas e os meios necessários, que facam factível dita con-testacao e nao simplesmente a mera atencao.

Ora bem, o que é menos conhecido inclusive por alguns críticos do sistema de cooficialidade vigorante é que a capitis deminutio jurídico-polí-tica do galego é também um produto do tipo de estandardizacao do galego, do tipo de codificacao do corpus da língua, que se está perpetrando por parte do oficialismo institucional: urna formalizacao gráfica do galego, efectuada a partir de um galego «coloquial-colonial» (colonial, por estar muito poluido com interferencias do espanhol), realizada com criterios fonetista (escrever como se fala) e populista (elevar a registro culto da língua a maneira de falar coloquial e cheia de vulgarismos enxebristas, tipismos, da gente do povo). Esta forma de normativizar a língua -com ortografía espanhola, canonizando as formas verbais do galego mais distantes do portugués padrao e adoptando un léxico culto tomado basilarmente do espanhol ou hiperdiferencialista a respeito do portugués padrao- amputa-lhe ao galego as fun^oes de língua nacional, língua de cultura e língua de rela-cao internacional.

Essa codificacao espanholizadora do galego nega-lhe a este o carácter

Page 92

de língua nacional, na medida em que o converte numa língua «regional» do Reino de Espanha, na medida em que o converte num «patois», num dialecto do espanhol, numa especie de castelhano antiguo ou de portugués aldeao. Essa normativizacao isolacionista do galego desíntegra-o, ao segre-ga-Io da própria comunidade lingüística lusófona da que faz parte, fazen-do, assim, mais fácil a sua dialectizaçao pelo espanhol. Essa estandardiza-cao espanholizadora do galego priva ao galego da funcao de língua de cultura, na proporcáo em que o desvincula da própria tradicáo cultural dos cancio-neiros líricos medievais galego-portugueses, na medida em que também o desliga da literatura portuguesa e brasileira, a forma mais culta, mais «cultivada», do galego, na medida em que nao se serve do léxico científico já cunhado no portugués, que segué a orientacáo erudita das demais lín-guas románicas. Essa normativizacáo ortográfica, ortofónica, morfosintáctica e semántica isolacionista e/ou espanholizadora também Ihe usurpa ao galego a funcao de língua de relacao internacional, de língua extensa e útil a nivel de comunicacáo internacional, pois o afasta da forma de como se escreve por doiscentos milhoes de falantes dos países lusófonos disseminados pelos cinco continentes do mundo, Assim, nao é extranho que na Galiza rural exista gente que Ihe fale aos animáis em galego e as pes-soas em espanhol, assim nao é raro o escasso atractivo intelectual e prestigio cultural do galego oficial, que para muita gente nao deixa de ter forma de um superfluo e desnecessário espanhol arcaico, de um espanhol bis, de um reiterativo espanhol de «antieconómico» uso, ou de um híbrido de galego e espanhol, chamado na Galiza castrapo, semelhante aos pidgins ou crioulos coloniais.

A inadmissibilidade judicial do galego escrito com a sua própria ortografía histórica e internacional culta, quer dizer a portuguesa, é um dos expoentes da discriminacao, e indefensao neste caso, daqueles cidadao ga-legos que escrevem as suas demandas ante os tribunais em galego com ortografía reintegrada total (a padrao portuguesa) ou reintegrada parcial (que se aproxima á portuguesa, mas sem chegar a se confundir totalmente com ela). Outras provas dessa discriminacao, e inclusive perseguicáo, sao a nao concessao de subsidios a Üvros e publicares periódicas editados com ortografía reintegracionista ou lusista (a Junta de Galiza só subsidia as publicacoes feitas integramente na chamada ortografía oficial ou «galego normativo») e a apertura de expedientes administrativos disciplinares contra professores que usam ñas aulas o galego com ortografía reintegracionista ou lusista. «Tudo está ligado: a ofícialidade rebaixada e o galego colonizado».

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR