A inconstitucionalidade do artigo 356.º, n.º 1 do Código do Trabalho - Breves considerações

AutorJosé Amorim Magalhaes
CargoAdvogado da Área de Fiscal e Laboral de Uría Menénez- Proença de Carvalho (Porto).
Páginas151-155

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Introdução

O artigo 356.º, n.º 1 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (dora-vante «Código do Trabalho de 2009») constituiu uma das principais alterações ao regime da cessação do contrato de trabalho, designadamente, no que diz respeito ao despedimento por facto imputável ao trabalhador, comummente conhecido por despedimento por justa causa. A referida norma, ao dispor que «cabe ao empregador decidir a realização das diligências probatórias requeridas [pelo trabalhador] na resposta à nota de culpa», veio tornar facultativa a fase de instrução do procedimento disciplinar. Com excepção dos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo, adiante referidos, o procedimento disciplinar podia, assim, ficar circunscrito à nota de culpa, respectiva resposta e decisão fundamentada. A «eliminação do carácter obrigatório da instrução» foi uma das medidas concretamente sugeridas pela Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, criada em Novembro de 2006 com o objectivo de reavaliar a legislação laboral. No entendimento da referida Comissão, «existia alguma margem para a adopção de soluções legislativas que promovam a simplificação da carga procedimental, sem pôr em causa o princípio da segurança no emprego constitucionalmente consagrado».

Este não foi, porém, o entendimento do Tribunal Constitucional que, por Acórdão (n.º 338/2010) datado de 22 de Setembro de 2010, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma em questão. Tal decisão, que não foi unânime entre os Juízes Conselheiros, tendo sido 4 as declarações de voto vencido, surgiu na sequência de pedido de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade de diversas normas do Código do Trabalho de 2009, formulado por um Grupo de Deputados à Assembleia da República (curiosamente, a referida norma foi a única declarada inconstitucional).

A nosso ver, a decisão do Tribunal Constitucional suscita algumas dúvidas e questões, sendo propósito do presente tecer umas breves considerações sobre, por um lado, os fundamentos da decisão proferida e, por outro, sobre os respectivas efeitos e consequências a nível prático.

Fundamentos da declaração de inconstitucionalidade

Na decisão proferida, o Tribunal Constitucional concluiu que a solução adoptada pelo artigo 356.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 é violadora das garantias de defesa aplicáveis a qualquer processo sancionatório, à luz do artigo 32.º, n.º 10 conjugado com o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º ambos da Constituição da República Portuguesa (doravante «CRP»).

Em traços gerais, o Tribunal Constitucional entendeu que o processo disciplinar laboral constitui um dos processos sancionatórios que se encontra abrangido pela previsão da norma fundamental pre-vista no n.º 10 do artigo 32.º, a qual impõe que sejam «assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa», tanto nos «processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios». Considerou, pois, que apesar da CRP não distinguir se tal preceito constitucional é aplicável tanto a processos levantados por entidades públicas como por entidades privadas, atenta a natureza sancionatória

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da consequência a aplicar ao comportamento do trabalhador em sede de processo disciplinar, não há como não concluir pela relevância de tal procedimento sancionatório para efeitos do referido preceito. Tanto mais que foi o próprio legislador ordinário que, «atenta a relevância do instituto da «justa causa» no despedimento (artigo 53.º da Constituição)», criou tal procedimento com vista à aplicação de uma sanção. «E assim sendo, é inelutável o surgimento dos direitos de audiência e defesa como regra inerente à ordem jurídica de um Estado de direito».

Neste pressuposto, a redacção do artigo 356.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 ao tornar a instrução do processo disciplinar facultativa, não estando a respectiva dispensa por parte do Empregador sujeita a fundamentação, faz com que a única intervenção do trabalhador no processo disciplinar com carácter obrigatório se concretize somente pela resposta à nota de culpa. E, assim sendo, a resposta à nota de culpa apenas consubstancia o exercício do direito de audiência previsto na referida disposição constitucional, mas em si mesma não «consome» o direito de defesa. Por conseguinte, ao não ser obrigatória a realização de instrução em sede de processo disciplinar, o direito de defesa passaria a não estar assegurado, verificando-se «assim a possibilidade de existirem processos sancionatórios que, ao arrepio do referido preceito constitucional, não asseguram os direitos de defesa dos arguidos».

Considerou, ainda, o Tribunal Constitucional que a eventual preterição da apresentação das provas por parte do trabalhador para a fase jurisdicional de impugnação de despedimento «pode até colocar definitivamente em causa o efeito útil» dos seus direitos de defesa, equacionando como hipótese «uma situação em que a urgência de uma inquirição se apresenta como absolutamente indispensável à valoração da bondade da decisão do...

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