A resolução ilícita: uma contradição nos termos?

AutorAdriano Squilacce - Alexandre Mota Pinto
CargoAdvogados da Área de Cobtencioso da Uría Menéndez- Proença de Carvalho (Lisboa).
Páginas113-119

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O problema em análise

Numa perspectiva eminentemente prática, com este artigo pretendemos dar um contributo despretensioso para o tema das consequências da resolução ilícita dos contratos, respondendo especificamente à seguinte questão: a declaração de resolução sem fundamento do contrato faz cessar o vínculo contratual?

Tendo em consideração a necessidade de síntese, iremos apenas abordar os casos de resolução sem fundamento, maxime em virtude de a resolução ser baseada em «pseudo» incumprimentos ou omitir completamente os fundamentos da resolução ou, ainda, não respeitar a concessão de um prazo razoável aquando da interpelação admonitória. Assim, ficam excluídas do âmbito deste artigo as resoluções em virtude de outras causas, como, por exemplo, a insolvência de uma das partes (v., por exemplo, o regime do contrato de consórcio -artigo 10.º, n.º 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 231/81) ou a vontade discricionária da parte que resolve o contrato, como sucede na venda a retro (artigos 927.º a 930.º do Código Civil).

A origem do problema

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 436.º do Código Civil, «A resolução do contrato pode fazerse mediante declaração à outra parte». Por força desta norma legal, a resolução opera através de mera comunicação extrajudicial, sendo que esta comunicação poderá, enquanto regra geral, revestir forma verbal, atento o princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219.º do Código Civil (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Dezembro de 2010, processo n.º 408/09.6TJLSB.L1-8, disponível em www. Dgsi.pt). Note-se, contudo, que por vezes o recurso à forma verbal não é aconselhável, como sucede se, por exemplo, se pretender levar a resolução a regis-to (v. Artigo 2.º, n.º 1, al. c), do Código do Registo Predial). Em face do exposto, podemos concluir que o n.º 1 do artigo 436.º do Código Civil adopta o sistema «declarativo» do § 349 do BGB alemão.

Resulta do citado preceito legal do Código Civil português que, embora esteja inserida num contexto contratual (onde o paradigma é o «encontro de vontades» das partes), a resolução contratual configura um acto jurídico unilateral que opera através de uma decisão de um dos contraentes e que não carece do (nem fica sujeita ao) consentimento da contraparte (Vaz Serra: «Resolução do Contrato» -Trabalhos Preparatórios do Código Civil, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, 1957, página 236).

Assim sendo, a resolução assume-se como um direito potestativo que um dos contraentes pode impor à sua contraparte (neste sentido, Romano Martinez: in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, página 144, e Brandão Proença: in A Resolução do Contrato no Direito Civil, Reimpressão, Coimbra, 2006, página 152).

Não obstante a resolução contratual estar especificamente prevista nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, enquanto acto jurídico, a resolução também é regulada -na parte em que não estão previstas soluções específicas nestes preceitos legais- pelas disposições legais que consagram o regime geral dos negócios jurídicos (cfr. Artigo 295.º do Código Civil).Ora, tendo em atenção que as declarações negociais são receptícias (cfr. O artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), a declaração de reso-

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lução torna-se plenamente eficaz logo que chega à esfera do seu destinatário, maxime do contraente que tenha incorrido em incumprimento definitivo, quer nos termos legais (v.g. Através do mecanismo da interpelação admonitória), quer nos termos convencionados pelas partes (nomeadamente com base numa cláusula resolutiva estipulada pelos contraentes).De facto, note-se que o problema em análise (i.e. Se a resolução ilícita põe, ou não, termo ao contrato) pode advir da resolução ilegal operada por um dos contraentes com base na errónea invocação de que o comportamento da contraparte preencheu o cenário previsto numa cláusula resolutiva (estaríamos perante uma resolução com base numa estipulação das partes). Esta circunstância distingue-se claramente dos casos em que estamos perante uma condição resolutiva, já que, nestas situações, o contrato cessa automaticamente mediante a verificação de um evento, sem necessidade de qualquer comunicação entre as partes (ao contrário do que sucede com a cláusula resolutiva).O facto de a declaração de resolução se assumir como uma declaração extrajudicial unilateral receptícia suscita a seguinte questão: quid iuris se a declaração de resolução chegar à esfera de um contraente que não incorreu em incumprimento contratual?Por um lado, dir-se-á que a resolução se efectiva extrajudicial e unilateralmente, impondo-se à contraparte, pelo que o contrato se extingue assim que a comunicação de resolução for recebida pelo seu destinatário, não obstante o facto de a resolução ser ilícita (encontram-se também as expressões «resolução ilegal» no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Março de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 345, páginas 400-404, e «resolução injusta» no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Março de 1987, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, página 403).Isto é, apesar de carecer de fundamento, a resolução sempre geraria a cessação do vínculo contratual, sem prejuízo, obviamente, de o seu mérito poder ser posterior-mente discutido em sede judicial e, consequentemente, o contraente que resolveu ilicitamente o contrato poder vir a incorrer em responsabilidade. É perante este cenário que dizemos que a resolução ilícita pode conduzir a uma «contradição nos termos», já que a cessação do vínculo contratual seria imposta a um contraente cujo comportamento não seria passível de qualquer censura. Ou seja, apesar de ilícita, a resolução acabaria por vingar.Por outro lado, e em sentido contrário, sustentar-se-á que, embora se assuma como um direito potestativo, o direito de resolução do contrato pressupõe o incumprimento definitivo de um dos contraentes, pelo que este direito potestativo apenas emerge quando este seu pressuposto se verifique. Logo, se os fundamentos mobilizados para a resolução do contrato não se verificarem, a comunicação de resolução não extingue, de per se, o vínculo contratual. Isto é, o direito de resolução nunca chega a emergir, pelo que será irrelevante que uma das partes tenha emitido uma comunicação pretendendo a resolução do contrato -sendo certo que a existência desta comunicação não se afigura irrelevante para aferir de eventuais vicissitudes na relação contratual, como explicaremos mais adiante.É pertinente notar que há casos em que a lei exige ou faculta que a resolução seja decretada pelo Tribunal (cfr. O artigo 1084.º, n.º 2, do Código Civil e artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro de 2006, a propósito do contrato de arrendamento, ou os artigos 966.º, 2248.º, n.º 1, e 437.º do Código Civil, sendo certo que quanto a esta última hipótese...

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