Igualdade e não Discriminação - A propósito da licença parental inicial
Autor | Joana Brisson Lopes |
Cargo | Advogada de Área de Direito Laboral de Uría Menéndez (Lisboa) |
Páginas | 120-127 |
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A presente análise teve como principal catalisador a publicação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 11 de Abril de 2011.
No sumário deste Acórdão, pode ler-se que «O direito do trabalhador ao gozo da licença por paterni-dade, por decisão conjunta dos pais, não se verifica se a mãe for trabalhadora independente ou sócia gerente de uma sociedade por quotas.»
Esta posição já havia sido defendida em pareceres da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego («CITE»), nomeadamente, no parecer n.º 41/CITE/2004, em que se negava a existência de um direito do pai à licença por decisão conjunta, no caso de a mãe ser trabalhadora independente.
Ainda que a análise aprofundada do dispositivo legal em que as posições assumidas nestes documentos se fundamentaram pudesse justificar tais juízos - sem conceder - o que é certo é que desde logo se nos depara a questão de saber porque razão um trabalhador vê coarctado o seu direito a gozar de licença de paternidade na modalidade de licença partilhada em virtude da qualidade ou ocupação profissional do outro progenitor.
E, mais, porque é que esta questão se coloca relativamente a progenitores em que se verifica que a mãe é trabalhadora independente e o pai é trabalhador subordinado e não também nas situações em que, por seu turno, o pai é trabalhador independente e a mãe é trabalhadora subordinada.
Relativamente a esta última situação, não descuramos, obviamente, que esta licença se destina não só à prestação de cuidados à criança ou crianças recém-nascidas durante os seus primeiros meses de vida, mas também à recuperação física da mãe de todo um período de gestação e do parto. Aliás, é precisamente esta contingência física, que, naturalmente, apenas se verifica nos progenitores de sexo feminino, que determina, actualmente, a atribuição de gozo exclusivo das primeiras seis semanas de licença à mãe.
Nestes termos, as questões que colocamos dizem, evidentemente, respeito à definição do âmbito subjectivo do direito ao gozo da licença em causa no período posterior à verificação daquelas primeiras seis semanas após o parto.
Para a análise a que nos propomos, cumpre, em primeiro lugar, apreciar as disposições normativas em vigor à data dos factos e a eles aplicáveis.
Com efeito, para o tratamento jurídico dos factos apreciados pelo Tribunal da Relação do Porto, releva desde logo o disposto no art. 35.º do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (doravante «CT 2003»).
No n.º 1 deste artigo previa-se que: «A trabalhadora tem direito a uma licença por maternidade de 120 dias consecutivos, 90 dos quais necessariamente a seguir ao parto, podendo os restantes ser gozados, total ou parcialmente, antes ou depois do parto.»
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Por seu turno, estabelecia-se também no n.º 2 do art. 36.º do CT 2003, relativo à licença por paterni-dade, que: «O pai tem ainda direito a licença, por período de duração igual àquele a que a mãe teria direito nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou ao remanescente daquele período caso a mãe já tenha gozado alguns dias de licença, nos seguintes casos: a) Incapaci-dade física ou psíquica da mãe, e enquanto esta se mantiver; b) Morte da mãe; c) Decisão conjunta dos pais.»
Do CT 2003 e também com relevo para a presente apreciação, destaca-se ainda o disposto no n.º 4 do último artigo citado, onde se determina que: «A morte ou incapacidade física ou psíquica da mãe não trabalhadora durante o período de 120 dias imediatamente a seguir ao parto confere ao pai os direitos previstos nos ns. 2 e 3.». Ou seja, uma licença por período equivalente àquele a que a mãe ainda poderia gozar, caso fosse titular de tal direito.
Saliente-se ainda que, na Regulamentação do Código do Trabalho, aprovada Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (doravante «RCT 2004»), se estipulava que: «O trabalhador que pretenda gozar a licença por paternidade, por decisão conjunta dos pais, deve informar o empregador com a antecedência de 10 dias e: a) Apresentar documento de que conste a decisão conjunta; b) Declarar qual o período de licença por materni-dade gozado pela mãe, que não pode ser inferior a seis semanas a seguir ao parto; c) Provar que o empregador da mãe foi informado da decisão conjunta.»
Assim e em resumo, atribuía-se um direito de gozo de licença à mãe, o qual poderia ser partilhado com o pai. A este último ainda era concedido o gozo de uma licença em termos semelhantes, caso se verificasse alguma contingência incapacitante da mãe que não fosse trabalhadora.
Tendo em conta este contexto normativo, atentemos agora nas razões que levaram o Tribunal da Relação do Porto a decidir como já enunciado.
O Tribunal da Relação do Porto fundamenta-se em três ordens de razão principais. Por um lado, o argumento literal retirado do art. 69.º da RCT 2004; por outro, os dispositivos constitucionais e comunitários sobre a matéria; e ainda, o princípio da igualdade nas suas vertentes formal e material
Começa o Tribunal por fundamentar a sua decisão tendo em conta o disposto no n.º 3 do art. 69.º da RCT 2004. Em apreciação da norma nele contida entende que os quatro passos ali elencados, constituem requisitos cumulativos para o exercício do direito em causa.
Assim, considera-se que «da conjugação e interpretação das normas referentes a esta questão, parece-nos que este normativo impede que o trabalhador por conta de outrem possa gozar da licença de paternidade, por decisão conjunta dos pais, uma vez que não pode comprovar que o outro progenitor informou o respectivo empregador da aludida decisão conjunta, pelo simples facto do outro progenitor, não sendo trabalhador ou sendo trabalhador independente, não ter empregador.»
Assim, na lógica do aresto, havendo impossibilidade de comunicação, o exercício do direito torna-se impossível, logo não existe.
Este argumento afigura-se-nos excessivamente formalista. Com efeito, retira-se da regulamentação do exercício de um direito o elemento subjectivo que deveria constar da norma de atribuição desse mesmo direito, ou seja do art. 36.º, n.º 3 do CT 2003. Nesta norma não se distingue se, para o exercício da opção de gozo conjunto, os progenitores devem ou não ser ambos trabalhadores subordinados, ou apenas um deles e, para o que releva, se a mãe deve ou não ser trabalhadora subordinada.
Nestes termos, consideramos que este argumento não pode colher, devendo ser feita uma interpretação inversa, que parta da norma que estipula a atribuição do direito e só depois considere os requisitos previstos na norma reguladora desse direito.
Dentro desta lógica interpretativa, uma vez observado que a norma que estipula a atribuição de um direito de gozo partilhado de uma licença não restringe a sua aplicabilidade, não a fazendo depender do vínculo contratual ao abrigo do qual os progenitores exercem a sua actividade profissional, não se poderá senão interpretar o procedimento previsto no n.º 3 do art. 69.º da RCT 2004, como um procedimento geral, adaptável consoante o caso em apreço, não sendo os requisitos ali dispostos cumulativos. Assim, não tendo o outro progenitor um empregador a quem possa informar da decisão con-junta, deixa de ser necessária prova dessa informação, sendo suficiente esclarecer que o outro progenitor é trabalhador independente, por exemplo.
Prosseguindo a análise do Acórdão, após a exposição do argumento da cumulação dos requisitos constantes do n.º 3 do art. 69.º da RCT 2004, releva-se que «Não pomos em causa que a maternidade e a...
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