Estado, governo e parlamento: reflexões sobre projectos constitucionais em Portugal (1911)

AutorErnesto Castro Leal
CargoUniversidade de Lisboa
Páginas223-244

Page 223

ESTADO, GOVERNO E PARLAMENTO: REFLEXÕES SOBRE PROJECTOS CONSTITUCIONAIS EM PORTUGAL (1911)

STATE, GOVERNMENT AND PARLIAMENT: REFLECTIONS ON CONSTITUTIONAL PROJECTS IN PORTUGAL (1911)

Ernesto Castro Leal

Universidade de Lisboa

SUMÁRIO: I.- INTRODUÇÃO; II.- MANIFESTO E PROGRAMA DO PARTIDO REPUBLICANO PORTUGUÊS; III.- CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DA REPÚBLICA PORTUGUESA; IV.- PROJECTO DA COMISSÃO DA CONSTITUIÇÃO; V.-INDICAÇÕES PARA A CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DA REPÚBLICA PORTUGUESA;
VI.- BASES PARA A CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DA REPÚBLICA PORTUGUESA; VII.- CONSTITUIÇÃO OU CÓDIGO FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA PORTUGUESA; VIII.- BASES PARA A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; IX.- PROJECTO CONSTITUCIONAL; X.- PROJECTO DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA; XI.-CONCLUSÕES.

Resumo: O objectivo principal deste artigo é discutir, numa perspectiva históricopolítica e constitucional, sete Projectos Constitucionais apresentados em 1911 à Assembleia Nacional Constituinte Portuguesa. Nesses projectos surgem divergências em relação ao que será consagrado na Constituição de 1911, quanto à forma de Estado, à forma de governo e ao sistema de governo. Apresenta-se uma visão teórica sobre esses três tópicos e assinala-se as propostas alternativas de modelo institucional republicano.

Abstract: The main goal of this article is to discuss, in a historical, political and constitutional point of view, seven of the Constitutional projects presented to the Portuguese National Constitutional Assembly in 1911. Several divergences emerge about these projects, mainly due to the different opinions regarding what should and what should not be established in the Constitution of 1911, its form of State, form of Government and its system. A theoretical vision is also presented on these three topics, highlighting the republican institutional model’s alternative proposals.

Palavras-chave: I República Portuguesa, Republicanismo, Modelos de República, Constituição de 1911, Projectos Constitucionais de 1911

Keywords: Portuguese First Republic, Republicanism, Republic models, Constitution of 1911, Constitutional projects of 1911

I. INTRODUÇÃO

O objectivo deste texto é discutir, dentro de uma perspectiva históricopolítica e jurídico-constitucional, sete Projectos Constitucionais apresentados em

Revista de Historia Constitucional
ISSN 1576-4729, n.18, 2017. http://www.historiaconstitucional.com, págs. 223-244

Page 224

Ernesto Castro Leal

1911 à Assembleia Nacional Constituinte Portuguesa, onde se manifestaram divergências em relação ao que seria consagrado na Constituição Política da República Portuguesa, mostrando a existência de várias tradições filosóficas e ideológico-políticas no interior do republicanismo português que continuaram a existir durante o regime político da I República Portuguesa1: a) Projecto da Comissão da Constituição; b) Projectos de cinco deputados; c) Projecto do Grémio Montanha (nome profano da respectiva loja maçónica). Para a análise comparada destes sete Projectos Constitucionais, seleccionaram-se três tópicos principais sobre o Estado Contemporâneo2, discutidos na ciência política, na ciência jurídica e na história das ideias: forma de Estado, forma de governo e sistema de governo.

Após uma visão geral teórica sobre esses três tópicos e a sua consagração no Manifesto e Programa de 1891 do Partido Republicano Português e na Constituição de 1911, pretende-se surpreender a diversidade constante nos sete Projectos Constitucionais republicanos e, em particular, assinalar as formulações jurídico-constitucionais sobre esses três tópicos que não obtiveram acolhimento na Constituição de 1911.

A base empírica sujeita a análise crítica é a seguinte: Projecto da Comissão da Constituição (relator: Sebastião de Magalhães Lima); Indicações para a Constituição Política da República Portuguesa (Teófilo Braga); Bases para a Constituição Política da República Portuguesa (António Machado Santos); Constituição ou Código Fundamental da República Portuguesa (Fernão BotoMachado); Bases para a Constituição da República Portuguesa (Manuel Goulart de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

1Para o enquadramento histórico e jurídico-político, cf. Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1991, pp. 257-321; Id., “O Republicanismo Português (Cultura, história e política)”, Revista da Faculdade de Letras – História, III série, vol. 11, 2010, pp. 95-119; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2002, pp. 162-177; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 7ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2003, vol. I, pp. 289-298; Id., “A Assembleia Constituinte e a Constituição de 1911 – Um relance geral”, en Jorge Miranda, Alexandre Sousa Pinheiro e Pedro Lomba (edit.), A Assembleia Constituinte e a Constituição de 1911. Catálogo de Exposição, Assembleia da República/Centenário da República, Lisboa, 2011, pp. 11-51; Alexandre Sousa Pinheiro, “Análise dos debates travados na Assembleia Constituinte de 1911. Projectos de Constituição apresentados e texto final da Constituição”, ibid., pp. 53-145; Ernesto Castro Leal, Partidos e Programas. O campo partidário republicano português (1910-1926), Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008; Id., “A Constituição de 1911. Republicanismo e direitos fundamentais”, en Ana Maria Belchior (edit.), As Constituições Republicanas Portuguesas. Direitos fundamentais e representação política (1911-2011), Mundos Sociais, Lisboa, 2013, pp. 17-26; Fernando Farelo Lopes, “A Constituição ‘eficiente’. Forma de governo, sistema eleitoral e sistema de partidos na I República Portuguesa”, ibid., pp. 27-42; Paulo Ferreira da Cunha, O Essencial sobre a I República e a Constituição de 1911, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Centenário da República, Lisboa, 2011; António Manuel Hespanha, “O positivismo sociológico e o institucionalismo”, en António Manuel Hespanha, Cultura Jurídica Europeia. Síntese de um milénio, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 460-478; Miriam Halpern Pereira, “A 1ª República e o Sufrágio em Portugal: o debate de 1911 em perspectiva diacrónica”, Historia Constitucional, nº 15, 2014, pp. 509-527. http://www.seminariomartinezmarina.com /ojs/index.php/historiaconstitucional/article/view/411/370; Id., A Primeira República. Na fronteira do liberalismo e da democracia, Gradiva, Lisboa, 2016.

2Norberto Bobbio, “Estado”, en Ruggiero Romano (edit.), Enciclopédia Einaudi, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1989, vol. 14, pp. 215-275; Gustavo Gozzi, “Estado Contemporâneo”, en Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (edit.), Dicionário de Política, 12ª ed., Universidade de Brasília/Dinalivro, Brasília, 2004, vol. 1, pp. 401-409.

! !

224

Page 225

ESTADO, GOVERNO E PARLAMENTO: REFLEXÕES SOBRE PROJECTOS ...

Medeiros); Projecto Constitucional (Tomás Cabreira); e Projecto da Constituição Portuguesa (Grémio Montanha).

Os Projectos Constitucionais individuais foram subscritos por Teófilo Braga (formado em Direito mas com uma carreira de professor do Curso Superior de Letras, dedicando-se principalmente à Literatura, História, Filosofia e Sociologia), António Machado Santos (oficial de Marinha/Administração Militar), Fernão Boto-Machado (solicitador), Manuel Goulart de Medeiros (oficial do Exército/Artilharia) e Tomás Cabreira (oficial do Exército/Engenharia e professor da Escola Politécnica de Lisboa). O Projecto Constitucional do Grémio Montanha foi escolhido porque o Projecto Constitucional de António Machado Santos, membro da Loja Montanha, difere no modelo proposto, concluindo-se que aquele não vincula todos os seus membros. É provável que alguns tenham tido apoio de juristas para a elaboração dos seus projectos.

Partindo de diversas sistematizações, nas áreas da ciência política e da ciência jurídica, sobre os conceitos de formas de Estado, de formas de governo e de sistemas de governo, conclui-se que, excluindo a ordenação jurídico-política consistente da Constituição de 1911 e o menor grau de consistência do Projecto da Comissão da Constituição, os articulados jurídico-políticos dos outros seis Projectos Constitucionais republicanos são imperfeitos, por vezes contraditórios, face às características dominantes desses conceitos.

Em relação à forma de Estado, que tem a ver, segundo o constitucionalista Giancarlo Rolla, com “as relações que se instauram entre o poder político e o território”3, tipificam-se habitualmente duas: a) Estado unitário (Estado homogéneo ou simples), que pode ser centralizado, descentralizado ou regional, onde “há apenas um poder político dotado de autoridade constituinte em todos o território…, que revestirá também a qualidade de poder soberano”; b) Estado federal ou União Real (Estado composto ou integrado), onde “há vários poderes políticos dotados de autoridade constituinte no território, poderes esses que se articulam em distintos níveis territoriais”4.

A forma de governo, na opinião do constitucionalista Jorge Reis Novais, exprime a “consideração do tempo e modo de sucessão na chefia do Estado…, distinguindo-se em função da via hereditária ou não hereditária, de sucessão (monarquia, república)”5. Nos Projectos Constitucionais analisados está obviamente consagrada a República e nalguns existe uma precisão denominativa com significado ideológico-político (por exemplo, República democrática, República democrática parlamentar ou República federal democrática).

Face ao sistema de governo (parlamentar, presidencial, directorial ou convencional), a classificação adoptada será genérica, devedora da intensão política geral dos redactores dos Projectos Constitucionais, dado que se verifica várias incoerências face a elementos essenciais dessas tipologias políticas.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3José...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR