Gerenciamento administrativo dos riscos ambientais como imperativo constitucional

AutorAnderson Vichinkeski Teixeira/Marianne da Silveira Bona
CargoDoutor (2009) em Teoria e História do Direito pela Università degli Studi di Firenze (IT), com estágio de pesquisa doutoral junto à Faculdade de Filosofia da Université Paris Descartes-Sorbonne/Mestranda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em convênio com a Faculdade Integral (Minter UNISINOS/FACID)
Introdução

Com a promulgação da Constituição brasileira de 1988 houve o resgate do Estado de direito, da cidadania e da garantia expressa de vários direitos fundamentais, entre eles o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à qualidade de vida, cabendo destaque que tais enunciações sucederam a várias situações autoritárias que vigeram desde a época da instauração do regime militar em 1964.

A tutela ambiental sacramentou o direito fundamental não só de presentes, mas também de futuras gerações, recepcionando ainda a Lei Federal 6.931, de 1981, que instituiu a Política Nacional de Proteção ao Meio Ambiente, uma vez que esta se adequava às delimitações de competência. Com o passar dos anos novos problemas foram surgindo diante da evolução tecnológica e do crescimento desenfreado da economia capitalista, gerando riscos das mais variadas espécies, chegando a comprometer não apenas a qualidade de vida dos seres, mas, sobretudo, a própria sustentabilidade do meio ambiente.

Neste contexto é que a Constituição de 1988 institucionalizou o conceito de riscos de forma que os mesmos devessem fazer parte das decisões políticas, através do sistema de gerenciamento dos riscos ambientais que se dá de forma dúplice, ou seja, nas esferas administrativa e judicial. Em um primeiro momento se demonstra a importância da inserção dos riscos na seara das decisões políticas, evidenciando as mutações sociais até se chegar à era contemporânea ou “pós-moderna”. Posteriormente, passa-se a explorar o meio ambiente e sua relação com os princípios que norteiam, em especial, a gestão dos riscos ambientais.

Por fim, explora-se o gerenciamento dos riscos ambientais, dando conta que a filtragem ocorre nas searas administrativa e judicial, porém este artigo se concentra no aspecto ligado à Administração Pública. Assim, o objeto de análise deste artigo é a filtragem administrativa. Em nenhum momento se optou por entender ser esta mais importante em detrimento do filtro judicial. Ocorre que como a esfera administrativa tem a característica de ser preventiva e necessariamente antecedente, bem como pela vastidão e minudência de conteúdo de ambos os procedimentos, correríamos o risco de sermos, como ainda corremos, omissos em alguns pontos.

1. “O risco é a culpa do nosso tempo!”

Parafraseando Camões, ao passo em que se mudam os tempos, alteram-se as vontades, por consequência, as pretensões humanas. Por isso, necessitamos de eternas pesquisas/estudos/diálogos.

A busca do equilíbrio só se dá com pesquisas que possam atingir as mudanças que a sociedade requer, fazendo com que o Direito se adeque ao tempo. Direito é sinergia entre prática e pesquisa! O Direito precisa dar novas respostas aos também novos direitos e pretensões da era contemporânea.

Nos primórdios das civilizações, o ser humano se encontrava em uma situação de fragilidade, seja com relação aos animais ferozes, seja com relação ao clima. Por isso, apenas priorizava o perigo iminente. O que estivesse na esfera de menor probabilidade de acontecer era ignorado.

Não podemos afirmar que tal fato não mais existe nos dias atuais, posto que trouxemos esta cultura imediatista em nosso DNA. Apenas se alteraram os paradigmas, ou seja, hoje não “lutamos” com animais, mas sim com desastres ambientais, alterações climáticas e consequências do desenvolvimento econômico irresponsável. Nas sociedades pós-modernas e substancialmente de riscos, faz-se necessário um maior cuidado e monitoramento de atitudes, inclusive interpessoais, pois a ignorância não mais se justifica, uma vez que toda a sociedade mundial e as futuras gerações estão ameaçadas. A responsabilidade e o dever de preservar e conservar o meio ambiente não é apenas das autoridades públicas, mas de todos os indivíduos.

Não se pode acreditar que a ordem mundial chegará a um ponto em que tudo se resolva por si mesmo. Trata-se de uma ilusão diante da grande mutação social e da busca por interesses cada vez mais diversos dos indivíduos diante de recursos esgotáveis numa luta constante pelo poder. O controle deve existir e é inerente à real e tranquila qualidade de vida cosmopolita, sob pena da instalação do caos. Nesse sentido, Bauman entende que:

Existe pouca chance de que a construção da ordem chegue algum dia ao fim, sendo uma preocupação auto-impulsionadora que ricocheteia em uma atividade autodestrutiva. [...] O “território, agora desarmado e autocontido, perdeu valor e poder de atração para aqueles que podem se mover livremente; [...]. Para aqueles dotados de mobilidade, as tarefas de gerenciamento e administração territoriais parecem cada vez mais um trabalho sujo, que deve ser evitado a todo custo e cedido para aqueles bem abaixo na hierarquia, demasiadamente fracos e vulneráveis para recusar as tarefas, mesmo que soubessem quão ineficazes e vãos seus esforços estão destinados a ser. E como todo compromisso com o lugar e toda a relação com seus habitantes é vista como um risco, mais do que como uma vantagem, poucas companhias “multinacionais” concordariam em investir em localidade – a não ser que subornadas – “compensadas” e “asseguradas contra riscos” – pelas autoridades eleitas. O tempo e o espaço têm sido alocados de maneira distinta nos degraus da escada do poder global. Aqueles que podem se dar ao luxo vivem apenas no tempo, os que não podem, vivem no espaço. Para os primeiros, o espaço não importa. O segundo grupo luta para fazer valer com que o espaço importe. 1

Sob outro perspectiva, mas com a mesma preocupação, Carvalho esclarece a alteração de foco nas sociedades modernas diante da distribuição de riscos concretos para riscos abstratos e invisíveis:

[...] a sociedade de risco distribui riscos abstratos ou invisíveis produzidos tecnocientificamente, em contraposição à modernidade clássica, que, por meio da sociedade industrial, gerava riscos concretos (passíveis de demonstrações causais) na busca de distribuição de riqueza (entre as classes sociais em combate à pobreza e escassez de recursos).2.

Moreira Neto também expõe a relevância dos riscos nas sociedades pós-modernas, aduzindo ainda questões sobre a falência do Estado-Providência:

Nas sociedades pós-modernas, abalados os seus fundamentos de cega confiança na racionalidade, assomaram, como não poderia deixar de ocorrer, incertezas de toda a sorte: econômicas, sociais, políticas, sanitárias, ambientais e, em longa distância, até culturais, o que levou os cientistas sociais a caracterizá-las, como o fizeram destacadamente Ulrick Beck, como “sociedade de risco”, [...]. Pois bem, nas sociedades contemporâneas – sob o signo dos riscos – nada passou a ser mais importante do que sua previsão e monitoramento, até mesmo para que se torne possível uma aplicação dos instrumentos de prevenção e de controle proporcionados tanto pela política, como pelo direito. Com efeito, desde a falência do Estado Providência, última expressão assumida pelo estado moderno, desde que começou a dar mostras de seu esgotamento institucional, ainda nos últimos decênios do século passado, ficou patente, tantas foram as sequelas econômicas e sociais indesejáveis e até catastróficas deixadas, que melhor lhe assentaria a denominação de “Estado Imprevidência” e, assim, para reverter a tendência absenteísta, tornava-se necessário repensar seriamente o emprego de técnicas prospectivas.3

Tudo isso demonstra como as necessidades sociais, as pretensões e os riscos são mutáveis e estão ficando cada vez mais invisíveis e imprevisíveis. Bauman demonstra também as incertezas e os riscos quando afirma de forma metafórica que até mesmo a “modernidade é líquida”, numa contraposição ao estado de solidez ou estático/perene.4

Em um contexto mais específico, ou seja, da relação do Direito Ambiental com o Estado e suas adjetivações, Pérez Luño, citando Karl-Peter Sommermann, já dá conta de um Estado Ecológico:

Entre os aspectos que melhor refletem a colaboração renovadora do autor aos estudos de Direito Público podem citar-se suas certeiras páginas sobre a modificação dos tipos de Estado de Direito, através dos modelos de Estado social, o Estado ecológico. Esse é o mérito principal da obra de Karl-Peter Sommermann: o de haver situado os problemas da qualidade de vida e o meio ambiente no compromisso central desse Estado ecológico, que representa a última versão da evolução constitucionalista.5

No entanto, não se pode negar que contamos com excelentes leis e regulamentos, porém falta ação mais enérgica em consonância com o entendimento de que nossa sociedade é extremamente complexa, fazendo valer um sistema de gerenciamento que atenda aos anseios das presentes e futuras gerações nos termos da Constituição de 1988, art. 225, caput6.

Os movimentos ecológicos não nascem do Direito, mas sim dos movimentos sociais, sendo o Direito a “espada”, a chave de controle da sociedade contemporânea. Pode-se afirmar que o risco seria a leitura que se faz do futuro com racionalidade, isto é, sem atribuir fatos à divindade. De acordo com Carvalho: “O risco é a culpa do nosso tempo!”7Onde esta deve ser gerida e assumida antecipadamente.

A culpa, em sua concepção tradicional, tem sua origem na sociedade burguesa, na tradição canônica herdada da idade média, pois possui vínculos fortes do passado. Já o risco requer uma preocupação com o futuro, seja de curto, médio ou longo prazo, perante uma reflexão construtiva da sociedade no tempo presente8.

No mesmo sentido, Beck afirma que os riscos não se esgotam em efeitos e danos já ocorridos, mas se exprimem, sobretudo, por componentes futuros que devem ser analisados e evitados com antecipação.9Continua o autor com uma metáfora de que os riscos seriam como uma “bomba-relógio” que está armada. Portanto, indicam um futuro que deve ser evitado. Beck nos traz uma reflexão oportuna quando afirma que “É certo que os riscos não são uma invenção moderna”.10 Entretanto, os riscos passados eram ditos pessoais, continua o autor, e não ações de ameaça global, ou seja, tinham um tom de ousadia e aventura, “e não o da possível autodestruição da vida na Terra”.11

Na realidade, os riscos possuem as características da indeterminação espacial, temporal e estatística, além de possuir dimensões e potenciais maiores do que os provenientes da natureza, tendo em vista que têm a interferência humana. Pode-se afirmar, em síntese, que o risco é a leitura que se faz do futuro com racionalidade, isto é, sem atribuir fatos à divindade.

Segundo a tese de Beck, para que se possa falar em Sociedade de Risco é preciso que se tenha em mente o modelo desenvolvido após a Revolução Industrial, marcada por avanços tecnológicos, que apesar de nos ter proporcionado maior conforto e bem estar social, também teve um viés negativo de incremento dos riscos a que toda a sociedade passou a estar submetida, como: aquecimento global; poluição atmosférica e dos oceanos; riscos de pesquisas nanotecnológicas e biotecnológicas; dentre outras.12

O que vamos enfrentar decorre do fato de, a priori, entendermos as mudanças da sociedade contemporânea diante dos riscos gerados pela sociedade pós-industrial, sempre relacionando com o Direito. Entendamos esta sociedade contemporânea como um período de grandes mudanças em que o Direito não detém respostas imediatas às perguntas que são diariamente mutantes e complexas.

Como já se afirmou alhures, o núcleo do risco não está no presente ou no passado, mas sim no futuro. Assim, “Na sociedade de risco, o passado deixa de ter força determinante em relação ao presente. Em seu lugar, entra o futuro, algo, todavia inexistente, construído e fictício como ‘causa’ da vivência e da atuação presente”13 Nesta perspectiva é que devemos estar cientes de que vivemos em uma sociedade potencialmente submetida de forma constante a riscos até então desconhecidos e que fogem muitas vezes à capacidade humana de controle.

Por sua vez, como afirma Beck, a sociedade de riscos é tão complexa e reflexiva que até mesmo aqueles que provocam riscos, sejam involuntários ou não, sofrem as consequências dos mesmos, o que se denomina de efeito bumerangue.14

Assim, a Constituição de 1988 institucionalizou o futuro como fator a ser levado em conta em todas as decisões presentes do Estado. A doutrina denomina de gestão ou sistema de gerenciamento dos riscos ambientais, alterando, inclusive, estruturas administrativas e jurisdicionais, tornando-as eficaz e efetiva para a garantia do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado a presentes e futuras gerações, como condição de qualidade de vida.

2. O meio ambiente na constituição brasileira de 1988

O meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, mesmo não estando disposto no art. 5º, da Constituição de forma direta, uma vez que o inciso LXXIII, do referido artigo legitima todo cidadão ao direito de interpor ação popular para a defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico cultural, além de outros dispositivos dispersos, não mais se questiona a sua natureza jurídica de direito fundamental. Assim, já se manifestou expressamente o Supremo Tribunal Federal em diversas decisões.

O que se adiciona ao que afirmam muitos doutrinadores é que se trata de um direito fundamental de natureza dúplice, ou seja, ao mesmo tempo em que o art. 225 da Constituição concede um direito a todos os indivíduos de ter preservado um meio ambiente equilibrado e que garanta a qualidade de vida de todos os seres, impõe um dever de que os mesmos indivíduos também o preservem para presentes e futuras gerações, no mínimo, nas equivalentes condições em que usufrui o “legado” ambiental.

Neste mesmo sentido, já se manifestou Carvalho: “entende-se que as presentes gerações adquirem um ‘legado ambiental’ das gerações passadas, tendo a obrigação de garantir a sua transmissão às gerações vindouras”.15 É o que denomina o autor de equidade intergeracional e preocupação global com futuras gerações.

Interessante destacar que a fruição de um direito se pode dispor (muita vezes por altruísmo, desnecessidade ou até mesmo renúncia), entretanto um dever jurídico, e, em especial, o de preservar o meio ambiente, nos termos dispostos constitucionalmente, jamais poderá ser negligenciado.

Neste sentido, afirma-se que o direito fundamental dúplice ao meio ambiente é, por um lado, um direito público subjetivo, visto que legitima ao cidadão a sua defesa e, ao mesmo tempo impõe a este mesmo cidadão e ao Estado o dever de preservar o meio ambiente para presentes e futuras gerações. Assim, é um direito-dever. Carvalho também afirma a natureza dupla: “Como um bem jurídico autônomo e unitário, o meio ambiente adquire uma relevância simultânea de direito fundamental da personalidade, como direito subjetivo de caráter público, bem como de direito fundamental de natureza difusa e coletiva.”16

Como se afere o direito-dever ao meio ambiente está intrinsecamente ligado ao respeito ao princípio da equidade intergeracional, e, por sua vez, a uma “ética ambiental”, ou seja, ter como paradigma a natureza e para ela também devendo voltar-se, com enfoque biocêntrico do meio ambiente. Em outras palavras, respeito ao princípio do acesso equitativo de forma material, onde o uso deve ocorrer com preservação dos direitos de gerações futuras, de forma a consumir apenas o que for necessário, preservando a qualidade do acesso futuro.

Como analisa Silva, o objeto jurídico é o “ambiente qualificado”. Assim, a pessoa pública ou particular não poderá “dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel prazer, porque ela não integra a sua disponibilidade”17.

Grau, ao analisar a ordem econômica constitucional brasileira, contempla a necessária e cogente disposição em favor do meio ambiente:

A Constituição, destarte, dá vigorosa resposta às correntes que propõem a exploração predatória dos recursos naturais, abroqueladas sobre o argumento, obscurantista, segundo o qual as preocupações com a defesa do meio ambiente envolvem proposta de “retorno à barbárie”. O Capítulo VI do seu Título VIII, embora integrado por um só artigo e seus parágrafos – justamente o art. 225 – é bastante avançado.18

A ética ambiental se fulcra em atitudes de proteção, preservação e conservação do meio ambiente por ser importante per se, e não apenas porque seja rentável, pondo em xeque a sua mercantilização, visto que não há como lhe atribuir preço, dada a sua natureza axiológica. Na dicção de Silva: “Conservação não é uma situação estática, mas um processo dinâmico, que envolve aproveitamento atual, continuidade e manutenção futura”19

O princípio da equidade intergeracional deve contemplar todos os planos de acesso ao meio ambiente de forma limitada, regulada e fiscalizada, seja ele: de consumo (reter o bem para si); de dispersão de resíduos (poluição); de contemplação. Sob o dogma de que se deve negar o uso do meio ambiente quando este não for necessário ou razoável de forma comprovada, mesmo que os bens desejados não possuam a característica da escassez ou se possuírem, por prospecção.

Machado esclarece:

A equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser enfocada não só com relação à localização espacial dos usuários atuais, como em relação aos usuários potenciais das gerações vindouras. Um posicionamento equânime não é fácil de ser encontrado, exigindo considerações de ordem ética, científica e econômica das gerações atuais e uma avaliação prospectiva das necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem conhecidas e medidas no presente.20

Para que se possa garantir o direito de futuras gerações é preciso que as ações pró meio ambiente ocorram antecipadamente, antevejam danos futuros para que eles sequer venham a acontecer, fazendo uso dos princípios da prevenção e da precaução, não menos importantes e essenciais para o cumprimento do mandamus constitucional. Diante dos princípios da prevenção e da precaução é que surgem as questões de perigo e risco, respectivamente, o que inexoravelmente insere o futuro nas decisões, sejam administrativas ou judiciais, que devam tomar as autoridades competentes. É este sistema de gestão constitucional de riscos (lato sensu) ambientais que necessita ser potencializada pelos institutos jurídicos e leis disponibilizadas pelo ordenamento jurídico.

Diante do princípio da prevenção as ações devem ser obstadas tendo por fundamento a teoria do perigo, acontecimentos previsíveis pelo estado da técnica, podendo-se prognosticar e prever os resultados possíveis com maior exatidão (danos), pois já se tem um diagnóstico, seja histórico ou científico sobre o fato ou caso posto.

Por outro lado o princípio da precaução tem por fundamento a Teoria do Risco Integral, a dúvida, a incerteza ‘verossímil’, onde se impede a realização de uma atividade tendo em conta o risco potencial de dano. Precaução, como a palavra mesmo pressupõe, traz a ideia de segurança, visto que não se sabe ao certo quais as consequências de determinada atividade para o meio ambiente.

Os danos têm probabilidade de ocorrer com grande potencial de irreversibilidade e dimensão, o que demanda uma maior atenção. Trata-se de uma preocupação holística de efeitos generalizados causados por um dano potencial e duvidoso. É a cautela antecipada, sendo esta a grande inovação do princípio da precaução.

Em face do princípio da precaução temos o dever de ter cuidado não apenas com o que conhecemos ou deveríamos conhecer, mas também temos a obrigação ininterrupta de questionar.

Apresentando essas ideias sobre os princípios já citados, o que se deseja é demonstrar a grande eficiência e eficácia da utilização dos mesmos (equidade intergeracional, prevenção e precaução) diante do sistema constitucional adequado que o Brasil possui de gerenciamento dos riscos ambientais de forma a torná-los claros na sua operacionalidade prática. Para que se tenha uma efetiva gestão dos riscos ambientais o sistema constitucional brasileiro nos ampara com dispositivos que bastam ser devida e corretamente aplicados, fundamentando decisões jurídicas administrativas ou judiciais não apenas para reparar e controlar danos ambientais, mas, sobretudo, para gerenciar os riscos de forma a evitar que sequer aqueles venham a ocorrer.

3. Gerenciamento dos riscos ambientais
3.1. Breves considerações sobre o risco no Direto Administrativo Pós-Moderno

Como já afirmado, é dever não apenas do Estado, mas de toda a coletividade preservar o meio ambiente e mantê-lo ecologicamente equilibrado de forma a garantir qualidade de vida para presentes e futuras gerações.

No que tange ao aparato estatal, o gerenciamento dos riscos ambientais deve ser trabalhado mediante um processo máximo de racionalização das incertezas introduzindo estas no conteúdo das decisões jurídicas administrativas ou judiciais, de forma que se otimize a salvaguarda do direito fundamental ambiental transgeracional, mantendo sempre o olhar para o futuro. A filtragem dos riscos passa por duas organizações ou funções, quais sejam: Administração Pública e Poder Judiciário.21

Antecipando-se em questões sobre o Direito Administrativo, ou melhor, na forma de interpretar suas normas e aplicá-las, dando primordial ênfase aos riscos, Diogo de Figueiredo Moreira Neto fala de um Direito Administrativo Pós-Moderno:

[...] evidente às gerações de hoje, que só será possível recobrar a segurança se o futuro for objeto de criterioso planejamento democrático, pois desse modo se permite uma formulação aberta de políticas públicas e, por isso, submetê-los ambos a específicos institutos jurídicos, que privilegiem a prospecção e o controle social; tudo, enfim, para se dispor; também na atividade administrativa pública, do que o atualizado pensador francês Jacques Chevalier datizou adequadamente de “equivalente funcional do mercado”; justamente pela possibilidade de permitir que se ponha em marcha um instrumento cívico reflexivo e auto-regulamentório dessas relações sensíveis e altamente instáveis.22.

O gerenciamento jurisdicional dos riscos é realizado a posteriori, ou seja, após o fato já ter passado, de alguma forma, pelo filtro administrativo, seja porque foi tardio, seja porque não houve resposta a contento, seja porque já ocorreu o dano.

O Direito Ambiental, mesmo sendo um ramo autônomo, tem a característica moderna da transdisciplinaridade e do diálogo das fontes do direito de forma contínua. A inter-relação com o Direito Administrativo é bem nítida e reflexa, mesmo porque é por meio dos institutos e agentes deste que as determinações concretas e/ou abstratas de gestão ambiental preventivas dos riscos se efetivam.

Por assim serem, os atos administrativos emanados devem respeitar as formalidades que lhes são inerentes, através de procedimento regular e legal, pois qualquer falha poderá dar ensejo à anulação judicial. Por tal razão é que se ratifica que esta acontece em um segundo momento.

Enfim, exsurge o controle jurisdicional quando falha ou não foram satisfatórias as ações de prevenção e precaução administrativas.

3. 2 Gerenciamento administrativo dos riscos ambientais

O norte da gestão dos riscos ambientais e do próprio ramo do Direito Ambiental é a prevenção, ao contrário dos outros ramos do Direito que, em regra, esperam a ocorrência do dano/lesão/prejuízo para que haja a intervenção. Assim, as regras de Direito Ambiental instrumentalizam o operador para agir antes da ocorrência da lesão.

O Direito precisou dar novas respostas aos novos direitos e pretensões da era contemporânea, uma vez que os institutos acabam por sofrer uma certa “irritabilidade” diante do que está sempre em mutação. Antes, apenas se priorizava o perigo iminente, ficando em segundo plano o que estivesse na esfera de maior raridade de acontecer. Todas as condutas humanas que têm o potencial de afetar a qualidade e o equilíbrio ambiental estão sujeitas ao controle administrativo dos riscos. Tal fato decorre até mesmo porque os seres humanos, tendenciosamente ou não, acabam por descumprir imperativos legais por interesses dos mais diversos.

É nesse sentido, de precaução e prevenção, que a Constituição de 1988 prevê e determina controles prévios, concomitantes e sucessivos realizados por autoridades públicas para aferir a manutenção das condições exigíveis mínimas de preservação e conservação do meio ambiente.

Permissões, autorizações e licenças são formas clássicas de controle prévio, porque atuam antes do início da atividade controlada. O Estudo de Impacto Ambiental, [...], constitui um meio de controle prévio específico da disciplina ambiental. A fiscalização é meio de controle concomitante, porque se exerce durante o desempenho da atividade controlada, enquanto as vistorias, termo de conclusão de obras e “habite-se” são formas de controle sucessivo, porque incidem depois de exercida a atividade controlada23.

Como se trata de gerenciamento de riscos, inexoravelmente se deverá gerenciar as incertezas, os eventos futuros. Portanto, nos motivos das decisões administrativas, como também das judiciais, deverá levar em conta o futuro, ao contrário de antes, onde o Direito sempre se baseava no passado. Daí a importância do princípio da equidade intergeracional que “consiste exatamente na configuração de uma nova estruturação das bases temporais da teoria jurídica, necessária à implementação e efetivação dos ‘novos direitos’, mediante a formação de vínculos e controle do futuro”24.

Nesta perspectiva e de forma transdisciplinar os gestores públicos ao formalizarem um ato administrativo, atuando como representantes do Estado (sendo a primeira manifestação), deverão atender, além dos princípios que norteiam a Administração Pública, também os princípios norteadores do Direito Ambiental, bem como privilegiar diálogos policontextuais, albergando aspectos humanos, sociais, jurídicos, econômicos, políticos e técnico-científicos25 Tais aspectos têm uma eficácia maior de aplicação nas organizações administrativas, pois além de serem mais sensíveis às questões multidisciplinares, diante da grande quantidade de órgãos especializados e, por sua vez, mais servidores e gestores, potencializa a eficácia de minimização dos riscos e reduz custos operacionais.

Para atender ao mandamento constitucional, no Brasil, a estrutura administrativa dos órgãos ambientais foi criada por lei e compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Trata-se não apenas de um conjunto de normas e princípios ambientais, mas também de órgãos que atuam de forma ordenada na proteção do meio ambiente, posicionados na linha de frente para a regulação dos riscos26.

O Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) é um conjunto articulado de órgãos, entidades, regras e práticas da União, Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e de fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, sob a direção do Conselho Nacional do Meio Ambiente27.

A estrutura administrativa28 e as competências de cada um dos órgãos que compõem o SISNAMA estão dispostas expressamente na Lei nº 6.938, de 1981, de modo que todos têm a finalidade de executar a Política Nacional do Meio Ambiente.

Os órgãos do Conselho são compostos de forma colegiada, com regras de ingresso e mandato por tempo determinado, além de trazer expressamente o dimensionamento das competências de cada um. Cabe destacar ainda que o SISNAMA, apesar de ter sido instituído pela Lei 6.938/81, foi recepcionado pela Constituição de 1988, sendo a lei de política nacional do meio ambiente29.

O gerenciamento dos riscos administrativos ambientais se dá de diversas formas, todas elas regulamentadas em lei, tendo amparo, em especial, pelo poder de polícia administrativa, sintetizado por Melo:

Atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.30

Sobre o poder de polícia ambiental, Machado também demonstra a relevância e a sua especificidade nos seguintes termos:

Poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.31

Entre os instrumentos de controle dos riscos temos: as licenças ambientais, as autorizações administrativas, as auditorias ambientais, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), dentre outros. Destacamos, neste momento, os referidos instrumentos para uma análise, sem a pretensão de esgotar o tema, tendo em vista a sua vastidão, sem perder de vista que em todos os casos, deve-se dar primordial e especial atenção aos riscos sob a forma de que as incertezas e até mesmo possíveis desconhecimentos passem a fazer parte inexorável de todas as decisões políticas, onde o futuro passa a determinar o presente e não mais apenas o passado.

3.2. 1 Licença Ambiental: Art 10, da Lei 6.938/81 e Resolução 237/1997 do CONAMa

Inicialmente, cabe destacar que a licença ambiental é precária, ou seja, não possui a característica da definitividade, sendo que o prazo máximo, a depender da espécie, é de cinco, seis e dez anos32, que poderá ser renovado, nos termos da lei.

Neste sentido, existem três tipos de licença ambiental quando se trata de empreendimento de grande vulto33, quais sejam: a) licença prévia (ato negocial definitivo, com duração de até cinco anos, visando o conhecimento preliminar da atividade relacionada ao meio ambiente 34); b) licença de instalação (ato discricionário que pode ser revogada a qualquer tempo, possibilitador de deslocamentos de maquinários e equipamentos necessários para a implantação do projeto. A concessão depende da análise inicial do EPIA, mais precisamente quanto à sua natureza científica e existência de prognoses e avaliação de impactos, “de acordo com as especificações constantes do projeto executivo aprovado35”); e, c) licença de operação (ato discricionário. Em casos específicos e nos termos das normas regulamentares, alguns empreendimentos dependerão obrigatoriamente de licenciamento que caberá ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Porém, nada obsta que sejam exigidas licenças cumulativas de competência da União, do Estado e do Município para que o empreendimento seja autorizado. Como a primazia é a precaução e minimização dos riscos, normalmente acontece a necessidade de obtenção de licenças duplas ou triplas. Ademais, esta só será concedida com efetivo cumprimento das exigências contidas nas licenças anteriores36. Por fim, estabelecimentos que se utilizarem, de qualquer forma, de materiais nucleares deverão se submeter à “Comissão Nacional de Energia Nuclear, mediante parecer do IBAMA, ouvidos os órgãos de controle ambiental estaduais e municipais”, sendo que o parecer do IBAMA é vinculativo37).

Embora o texto constitucional careça de rigor técnico ao dispor no seu art. 170, parágrafo único, que é assegurado o livre exercício da atividade econômica, “independentemente de autorização (sic!) de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”, na verdade se trata de Licença. Diante da norma constitucional e respeitadas as competências para legislar conforme a matéria (também determinadas na Constituição), somente poderão ser cobradas dos particulares quaisquer taxas para aquisição de Licença Ambiental desde que previstas em lei.

Em regra, a Licença Ambiental é concedida pelo IBAMA, entretanto não são exclusivas ou privativas do mesmo, ou seja, outra entidade ou órgão federal, estadual ou municipal, respeitada a competência constitucional, também poderão exigir licenças obrigatórias e antecedentes à liberação do empreendimento que ainda poderão ser cumulativas, desde que amparadas por lei.

O Licenciamento Ambiental poderá ser inicial ou de renovação, submetendo o administrado a uma taxa para sua aquisição, tendo assim, a Administração Pública, o dever de prestar serviço de qualidade e segurança adequadas, disponibilizando aos seus agentes, todos os meios necessários para a realização das análises e verificações para a preservação do meio ambiente38 e o bem estar da coletividade transgeracional.

3.2. 2 Auditoria Ambiental: Resolução 306/2002 do CONAMA

Auditoria Ambiental “é o procedimento de exame e avaliação periódica ou ocasional [ousa-se acrescentar, fiscalizações impulsionadas pelo Poder Público] do comportamento de uma empresa em relação ao meio ambiente”39. Destaca-se que a auditoria ambiental deve sempre acontecer posteriormente a outra intervenção anterior da Administração Pública, uma vez que a mesma tem a finalidade de aferir se estão sendo cumpridas pelo estabelecimento as determinações contidas em uma anterior concessão de licença ou autorização ambiental, bem como posterior ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e todas elas devem ser anexadas, ao final, ao EPIA.

Estritamente ligada à auditoria ambiental estão os princípios da equidade intergeracional e do desenvolvimento sustentável ou sustentado que significa, em síntese, a introdução das futuras gerações não apenas como interessadas, mas sim como titulares de direitos ambientais relacionados também ao desenvolvimento.40 Em regra, as auditorias, conforme o que reza as normas, devem ser periódicas e acontecer em um intervalo de seis a doze meses a depender da atividade e da potencialidade dos riscos da atividade desenvolvida.

Por fim, destacam-se as palavras de Machado41 no que tange a imperatividade da auditoria, não podendo o empreendedor se opor à mesma. Porém, ao mesmo tempo a lei traz uma falha quando impõe a necessidade de programação prévia.

A lei foi sábia em não ter exigido a concordância do concessionário para a visita, mas falhou ao inserir a necessidade de programação prévia da visita junto ao concessionário. Tal medida retira a surpresa, que pode propiciar a constatação de irregularidades. Tal dispositivo merece ser retirado numa futura reforma da lei, pois equivale a dar com uma mão e retirar com a outra, ensejando a ineficácia da norma.

3.2. 3 Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA42

Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) é um instrumento multidisciplinar de amparo constitucional, gerador de informações técnicas, empíricas e coletivas que deve anteceder qualquer decisão administrativa relativa a obras. Atualmente, todo empreendimento, seja ele de pequeno, médio ou grande porte que utilize recursos federais deve ser antecedido por um rigoroso EPIA. Ademais, caso necessite da assinatura do Presidente da República, obrigatoriamente deve ser precedido do EPIA.

O CONAMA é órgão competente para estabelecer as normas e critérios gerais na elaboração do EPIA, de acordo com o art. 8º, I, da Lei 6.931/81.

O EPIA tem natureza jurídica de procedimento público, mesmo que venha a ser realizado por particulares, com o fim de conceder uma base séria de dados, com conteúdo multidisciplinar.

A lei exige um modelo padronizado em que os elaboradores particularizam de acordo com o empreendimento e efeitos ambientais o mais abrangente possível. Destaca-se que deve haver técnicos cadastrados pelo IBAMA, onde os mesmos devem possuir pelo menos duas formações, sendo que uma delas deve ser específica na área em que se vai oficializar e emitir parecer.

Dentro do conteúdo do EPIA deverá ser avaliada não apenas a atividade a ser desenvolvida pelo empreendimento, mas todos os seus aspectos sociais e técnicos, áreas de abrangência que possam influir de forma direta ou indireta, além de outros empreendimentos similares ou não. Avaliar-se-á, também, os impactos permanentes, periódicos de curto, médio e longo prazo. Enfim, todos os efeitos cumulativos do desenvolvimento da atividade.

Como se afere o EPIA deve ser exaustivo, detalhado e descritivo, devendo dispor ainda sobre as alternativas tecnológicas e locacionais para mitigar os impactos que possam surgir, levantando os possíveis efeitos desfavoráveis e, desde já, dando conta de como o empreendedor irá realizar a compensação ambiental. Além disso, deve haver previsões de manejo e atuações diante de possíveis catástrofes.

Para um maior detalhamento, sugere-se a leitura do art. 225, § 1º, IV, da CF; do art. 9º, III, da Lei 6.938/81; e dos arts. 5º e 6º, da Res. Conama 1/1986.

3.2. 4 Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)

Na realidade43, o EPIA engloba o RIMA, mas apresentam diferenças, ou seja, como o EPIA é de maior abrangência e “compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e a própria redação do relatório”44 , este último está contido no todo.

De acordo com a Resolução 1/1986 do CONAMA, o RIMA deverá refletir as conclusões do Estudo de Impacto Ambiental, ficando patente que o EPIA é conditio sine qua non de existir do RIMA. Afere-se que o RIMA tem a característica de conclusividade devendo possuir uma linguagem que seja acessível a todos de forma a concretizar o princípio da publicidade e o da informação, visto que é direcionado a toda a comunidade e não apenas aos ambientocratas. Trata-se de um instrumento de detalhamento e transparência, visando sempre otimizar o entendimento, fazendo-se claro, quando possível, através de gráficos, tabelas, esquemas, fotos, enfim, linguagem visual.

Na conclusão devem estar presentes os pontos positivos e negativos, bem como a opção “zero”, ou seja, a não realização do empreendimento, de forma consubstanciada, sendo ela afirmativa ou não, sob pena de nulidade.

Considerações finais

De fato vivemos em uma sociedade onde os riscos, que tem como característica preponderante a incerteza, vem exigindo alterações de comportamento, provocando mudanças climáticas, alterações de tempo e espaço, conflitos sociais e gerando novas pretensões que acabam por se voltar à Administração Pública e ao Poder Judiciário, em grande parte pelos efeitos do êxito tecnológico, científico e econômico das atividades comerciais.

Por consequência, as normas jamais poderiam se fechar para a realidade, pois o fato de o Direito dever ser cego, não justifica que ele seja insensível, surdo e mudo, diante das inquietudes sociais. Assim, as condições estruturais e as capacidades funcionais do Direito para a gestão dos riscos ambientais globais, transtemporais e invisíveis teriam que acontecer.

É nesse contexto que a Constituição brasileira de 1988 traz o meio ambiente como um direito fundamental dúplice, ou seja, ao mesmo tempo em que é um direito subjetivo personalíssimo, também impõe ao ser humano o dever de preservar o meio ambiente para presentes e futuras gerações de forma que todos tenham qualidade de vida, daí um direito objetivo.

Diante dessa dimensão, para a operacionalização da gestão ambiental, foi necessária a formação de um sistema de gerenciamento de riscos ambientais, a fim de controlar as ameaças oriundas do vultoso, rápido e desenfreado desenvolvimento tecnológico e científico contemporâneo.

Neste sentido, a Constituição, em seu art. 225 e parágrafos, traz de forma direta o dever de gerenciamento dos riscos ambientais, disponibilizando ainda as formas em que deve ser concretizado. Assim, institucionaliza que o futuro deve estar contido no bojo de toda e qualquer decisão, seja ela administrativa ou judicial, precavendo e prevenindo os riscos de forma que o dano ambiental sequer venha a acontecer.

Pode parecer paradoxal quando se fala que as decisões presentes devem dar maior relevância ao futuro. Todavia, o risco e seus corolários pós-modernos servem exatamente para desparadoxar e lidar com a culpa, instituição com a qual as decisões sempre lidam para basear suas decisões. Isso não significa que a culpa irá desaparecer, porém as decisões receberão o acréscimo do risco, do futuro. Trata-se de um caminho sem volta.

Daí é que afirmamos: ao decidir (“presente”), o gestor ou jurista deve analisar os fatos/documentos (“passado”), adicionando-os aos riscos (“futuro”).

Como se percebe as ações empreendedoras antes de serem iniciadas passam por um procedimento rigoroso de filtragem administrativa e posteriormente judicial, o que se denomina de sistema constitucional de gerenciamento dos riscos ambientais, de forma a conter e minimizar os riscos cada vez mais recorrentes. O gerenciamento administrativo por ser preliminar, e, portanto, exigir um procedimento mais minucioso, multidisciplinar, crítico e reflexivo, potencializando a sua eficiência pela grande diversidade de órgãos e agentes, menor custo e maior facilidade de operacionalidade, tende a otimizar as ações com a finalidade de introduzir as incertezas/riscos nas decisões políticas.

A gestão administrativa dos riscos ambientais é realizada pelos órgãos que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criado pela lei 6.938/81, que foi recepcionada pela Constituição de 1988, uma vez que traz regras em consonância com o respeito às competências constitucionais estabelecidas.

Entre os principais instrumentos de controle estão: as licenças ambientais; as auditorias ambientais; o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA); e o RIMA. Em todos eles e nos demais existentes, o aspecto principal abordado é a preocupação com a gestão dos riscos, pois as incertezas devem sempre ser priorizadas e sopesadas de forma a garantir a qualidade de vida presente e de futuras gerações, sempre com razoabilidade, daí a importância dos princípios da prevenção, precaução, ética ambiental e equidade intergeracional.

Por fim, tendo em vista que o meio ambiente é um direito fundamental e essencial à qualidade de vida, sendo, ainda, imprescritível, irrenunciável e inalienável, deixamos, para reflexão, o aforisma de que: Deus sempre perdoa; o homem às vezes; porém, a natureza, jamais perdoa!

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[1] BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: idas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 47 e 55/56.

[2] CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilidade civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 14/15.

[3] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno: legitimidade, finalidade, eficiência, resultados. Minas Gerais: Fórum, 2008. p. 140/141.

[4] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 14.

[5] LUÑO, Antônio Enrique Pérez. Perspectivas e tendências atuais do estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 53.

[6] BRASIL. Constituição (1988). “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

[7] CARVALHO, Délton Winter de. Sistema constitucional brasileiro de gerenciamento dos riscos ambientais. Revista de Direito Ambiental. n. 55, julho – setembro, 2009. p. 53.

[8] Ibidem. p. 55.

[9] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 39/40.

[10] Ibidem. p. 25.

[11] Ibidem.

[12] CALLEGARI, André Luis. Sociedade do risco e Direito Penal. In: CALLEGARI, André Luis; STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo (Orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de pós-graduação em direito da UNISINOS – mestrado e doutorado n. 7. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 25.

[13] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 40.

[14] Ibidem. p. 44.

[15] CARVALHO, Délton Winter. Regulação constitucional e risco ambiental. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 12 – jul./dez. 2008. p. 20.

[16] CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilidade civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 37.

[17] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 83/84.

[18] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 251.

[19] SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 89.

[20] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 64.

[21] CARVALHO, Délton Winter de. Sistema constitucional brasileiro de gerenciamento de riscos ambientais. Revista de Direito Ambiental. n. 55, julho – setembro, 2009. p. 60.

[22] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno: legitimidade, finalidade, eficiência, resultados. Minas Gerais: Forum, 2008. p. 141/142.

[23] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 280.

[24] CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilidade civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 45.

[25] CARVALHO, Délton Winter de. Sistema constitucional brasileiro de gerenciamento de riscos ambientais. Revista de Direito Ambiental. n. 55, julho – setembro, 2009. p. 60/61.

[26] CARVALHO, Délton Winter de. Sistema constitucional brasileiro de gerenciamento de riscos ambientais. Revista de Direito Ambiental. n. 55, julho – setembro, 2009. p. 61.

[27] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 226.

[28] Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. “Art 6º. Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado: I - órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais; II - órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida; III - órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente; IV - órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente; V - Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; VI - Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições; § 1º - Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA. § 2º O s Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior. § 3º Os órgãos central, setoriais, seccionais e locais mencionados neste artigo deverão fornecer os resultados das análises efetuadas e sua fundamentação, quando solicitados por pessoa legitimamente interessada. § 4º De acordo com a legislação em vigor, é o Poder Executivo autorizado a criar uma Fundação de apoio técnico científico às atividades do IBAMA.”

[29] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 157/159.

[30] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21 ed. rev. atual. até a Emenda Constitucional 52, de 8.3.2006. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 795.

[31] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 332.

[32] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 284.

[33] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 285/288.

[34] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 286.

[35] Ibidem.

[36] SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 288.

[37] Ibidem.

[38] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 275/279.

[39] Ibidem.

[40] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 304.

[41] Ibidem.

[42] Ibidem, p. 224/244

[43] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 231/243.

[44] Ibidem. p. 231.

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