O enquadramento legal do teletrabalho em Portugal

AutorDuarte Abrunhosa e Sousa
CargoInvestigador do Centro de Investigação Jurídico-Económica. da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Páginas136-152

Ver nota 1

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1. Enquadramento do teletrabalho no regime legal português

O reconhecimento legal do teletrabalho em portugal é muito recente. Na verdade, apenas com a codificação da legislação laboral no Código do trabalho de 20032é que pela primeira vez foi regulamentado o teletrabalho. Ainda assim, o teletrabalho regulado neste Código limitava-se apenas àquele prestado no âmbito de uma relação de subordinação jurídica resultante de um contrato de trabalho e não em qualquer outra relação contratual similar3.

De acordo com G. DRAY, a introdução do teletrabalho no ordenamento jurídico português visou integrar um modelo de flexibilização laboral4. Assim, a incorporação legal do teletrabalho deve ser enquadrada num espírito de evolução legislativa no sentido de não só absorver as novas tendências de flexibilização, mas também de promover o recurso a novas tecnologias em contexto de trabalho. Neste contexto, resulta da exposição de motivos da proposta do Código do trabalho de 2003 que a orientação que presidiu à sua elaboração respeitava a «abertura à introdução de novas formas de trabalho, mais adequadas às necessidades dos trabalhadores e das empresas». Desta forma, foi assumida a importância de ultrapassar as barreiras mais conservadoras das tradicionais relações de trabalho para um necessário ajuste a novas realidades laborais5.

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Com a entrada em vigor do Código do trabalho de 20096, o legislador optou por manter, de uma forma global, o mesmo regime. Contudo, promoveu uma alteração sistemática, uma vez que passou a incluir o teletrabalho na secção IX relativa a modalidades de contrato de trabalho7. portanto, estamos perante um contrato especial ao lado do contrato a termo resolutivo, trabalho a tempo parcial, trabalho intermitente, comissão de serviço e o trabalho temporário, quando anteriormente era uma secção autónoma do Código do trabalho de 2003. pese embora o teletrabalho seja expressamente regulado na legislação portuguesa há mais de 13 anos, a sua aplicação prática residual faz com que não exista jurisprudência portuguesa relevante sobre este tema. Deste modo, o desenvolvimento prático do teletrabalho em portugal está ainda numa fase embrionária.

2. Conceito legal de teletrabalho

Importa agora procurar perceber qual o atual conceito legal de teletrabalho no Direito do trabalho português. para este efeito, o art. 165.º do Código do trabalho em vigor procura fazer uma aproximação ao conceito de teletrabalho. para este efeito, identifica como teletrabalho a prestação laboral realizada em cumprimento dos seguintes três requisitos, aparentemente cumulativos: i) regime de subordinação jurídica; ii) habitualmente fora da empresa; e iii) com recurso a tecnologias de informação e de comunicação.

Em primeiro lugar, o requisito da subordinação jurídica é intrínseco a qualquer relação de trabalho, assumindo-se como um dos principais fatores diferenciadores do teletrabalho face a outras figuras como o contrato de prestação de serviços8. Contudo, mais à frente no presente estudo abordaremos este tema de forma mais detalhada.

Relativamente ao pressuposto da realização da atividade habitualmente fora da empresa, entendeu o legislador que o recurso ao teletrabalho não tem de ser exclusivo em todos os momentos da prestação de trabalho9. Desta forma, é possível ao trabalhador e

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empregador acordar um regime de carácter misto com prestação de trabalho na empresa e noutro local previamente determinado10. todavia, parece evidente que tem de existir predominância do trabalho executado fora da empresa. Quanto a este ponto, o legislador português não determinou qualquer limite mínimo ou máximo, pelo que o critério ficará a cargo do intérprete. imagine-se, por exemplo, um regime de trabalho em que o trabalhador apenas execute o trabalho com recurso a tecnologias de informação uma vez por semana ou recorra a uma bolsa de dias de trabalho para este efeito ao longo do ano. Estamos perante um regime de teletrabalho? Entendemos que sim, ainda que parcial. Conforme já exposto, o teletrabalho é uma ferramenta de flexibilização da prestação de trabalho, pelo que assumir estes exemplos como teletrabalho parcial não parece colidir com qualquer direito do trabalhador, antes pelo contrário11. Deste modo, o critério da frequência da prestação de trabalho fora da empresa não coincide com um regime de exclusividade de teletrabalho12. Não obstante, não podemos confundir teletrabalho com o mero recurso a novas tecnologias de forma esporádica, uma vez que neste caso não estamos verdadeiramente perante uma prestação em regime de teletrabalho. pelo contrário, o que se verifica nesta última situação é um mero recurso a ferramentas de trabalho numa relação laboral tradicional.

Por outro lado, o facto da prestação de trabalho ter de ocorrer fora da empresa é adequado não só aos casos em que o trabalhador desempenha a sua atividade em casa ou noutro local por si determinado13, como também às situações em que existe uma «plurilocalização»14da prestação de trabalho. Desta forma, tem de existir uma diferença objetiva entre o local da prestação da atividade laboral e as instalações do empregador15.

Ainda quanto a este ponto, surge outra questão que assume aqui uma autonomia relevante - o facto de o legislador no Código do trabalho em vigor recorrer ao concei-

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to de empresa e não de empregador para efeitos de teletrabalho16. ora, no âmbito de uma relação laboral, o empregador pode ser uma pessoa singular ou coletiva, sendo que neste caso podem não ser necessariamente uma «empresa». Contudo, o legislador laboral português parece, por vezes, utilizar de forma indistinta o conceito de empresa e empregador. A subsecção IX do Código do trabalho é intitulada de «o empregador e a empresa»17 e estabelece os pressupostos do poder de direção, poder disciplinar, regulamento de empresa, tipos de empresa e pluralidade de empregadores18. Não existe uma grande preocupação conceptual do legislador no sentido definir os limites de cada conceito19. Assim, o facto de o legislador recorrer ao conceito de empresa no art. 165.º do Código do trabalho, não nos parece que tenha querido impedir que possa existir uma relação de laboral em regime de teletrabalho com um empregador que assuma como pessoa singular ou até mesmo uma associação privada. parece-nos, isso sim, uma mera utilização indistinta de empresa para identificar o empregador numa relação laboral20 ao serviço de uma determinada organização no pleno desenvolvimento da sua atividade21.

Estamos, pois, perante a identificação do credor da prestação de trabalho independentemente do seu estatuto jurídico22.

Por fim, a prestação de teletrabalho implica ainda que se recorra a tecnologias de informação e de comunicação23. Com a rápida evolução nos últimos anos, a panóplia de meios disponíveis ao serviço do empregador e trabalhador é cada vez maior, pese embora existam alguns exemplos clássicos. Na verdade, os computadores e o acesso à internet assumem-se como importantes veículos de transporte de informação e facilitadores do desenvolvimento de uma relação laboral em regime de teletrabalho. todavia, como indica

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M. REGINA REDINHA, também os próprios telefones, telemóveis, faxes e GPS permitiram a evolução do teletrabalho24.

Nos últimos anos, os tablets e smartphones têm assumido uma importância extrema no desenvolvimento das relações de trabalho, uma vez que quase que conseguem condensar num único dispositivo um conjunto de valências, tais como e-mail, GPS, comunicação móvel, videoconferência, máquina fotográfica, ferramentas de cálculo, entre outras25. o recurso a estas ferramentas permite que não seja essencial a presença física de um trabalhador nas instalações do seu empregador. No fundo, para determinadas funções o trabalhador precisará somente de um computador portátil ou tablet e telemóvel para desenvolver de forma eficaz a sua atividade.

Posto isto, não obstante o art. 165.º do Código do trabalho promover uma aproximação do legislador quanto ao conceito de teletrabalho, mais não faz do que determinar três critérios de aplicação do respetivo regime. por este motivo, parece apontar J. GOMES para a ausência de uma «definição genericamente reconhecida» de teletrabalho quando comparando as soluções legais encontradas em alguns países e o próprio Acordo Quadro sobre teletrabalho26. Neste mesmo sentido, entende A. MONTEIRO FERNANDES que identifica a solução legal portuguesa como «bastante defeituosa»27.

O Acordo Quadro Europeu sobre o teletrabalho, de 16 de julho de 2002, também não ajuda muito a definir este conceito, uma vez que não vai muito mais longe daquilo que resulta do Código do trabalho português.

Assim, pese embora o conceito de teletrabalho possa ainda ser bastante incompleto no âmbito da legislação portuguesa, certo é que já se encontra a percorrer um caminho que passará por um futuro reposicionamento. para este efeito, será essencial que a sua aplicação prática cresça efetivamente28. As vantagens apontadas ao teletrabalho em termos de custo parece que não estão a ser suficientes para convencer quer os trabalhadores, quer os empregadores a recorrer a este regime29.

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3. Regime legal do teletrabalho

Em primeiro lugar, a prestação laboral em regime de teletrabalho está subordinada à forma escrita, implicando a celebração de um contrato escrito onde devem ficar determinados elementos considerados essenciais para a...

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