Dupla não tributação
Autor | Prof. Doutor Manuel Pires |
Cargo del Autor | Professor na Universidade Lusíada - Lisboa |
Páginas | 1017-1025 |
Page 1017
1.1. Tratar da dupla não tributação insere-se numa das preocupações actuais no direito internacional fiscal: evitar que determinada realidade não seja tributada em qualquer dos Estados envolvidos, o que, diga-se desde já, não sér aceitável sem que distinções sejam feitas.
Tal como sucede com a definição de dupla tributação - aliás, constitui imposição em qualquer estudo a delimitação precisa do respectivo objecto - existe interesse em saber em que consiste a dupla não tributação e, para o efeito, a definição simétrica da dupla tributação ou, pelo menos tomá-la como ponto de partida afigura-se sér a primeira via a adoptar.
Como é sabido, a dupla tributação é o fenómeno que ocorre quando um mesmo facto tributário corresponde a uma pluralidade de normas dando origem a mais de um imposto (a identidade de pressuposto conduz à identidade ou similitude de imposto e do mesmo modo, com essa identidade, idêntico será o aspecto temporal).
Por seu turno, a dupla não tributação resulta, pelo menos numa primeira abordagem, de o facto tributário não estar compreendido em qualquer norma. Nenhuma previsão em normas, nenhum dos pressupostos abstractos compreende o facto em causa. Assim, o mesmo facto da vida, individualizado, conformado juridicamente do mesmo modo, não concretiza qualquer dos pressupostos abstractos.
Neste trabalho original atendeu-se às directivas para os relatórios nacionais no Congresso da IFA de 2004.
No entanto, à semelhança de dilucidações que se operam no domínio das duplas tributações, também se pode e deve ir mais longe e afirmar que a dupla não tributação pode ter origem na existência de regras que impeçam a tributação que normalmente surgiria e nessas causas de impedimento estâo compreendidas não Page 1018 apenas as isenções fiscais, mas outros benefícios fiscais e até - por que não, para os fundamentalistas? - todo qualquer outro elemento que conduza à não tributação, v.g., deduções representando despesas necessárias à produção de rendimento que pensamos sobre estas idéias resulta no que adiante se escreverá.
1.2. Também pode existir interesse em distinguir entre a dupla não tributação jurídica e a dupla não tributação económica. Com efeito, segundo o exemplo mais usual, embora, pelo menos, podendo suscitar dúvida, se uma sociedade não é tributada num espaço fiscal, maxime num Estado, e o dividendo não é tributado noutro espaço fiscal, maxime noutro Estado, está-se perante uma dupla não tributação económica e não jurídica. Afigura-se, no entanto, que com o tema se pensa prevalentemente na dupla não tributação jurídica, mas é também relevante a dupla não tributação económica, se não em todos os casos - e admito que não - en alguns: por exemplo, regras estabelecendo a tributação de uma realidade num espaço a título de proprietário e a sua tributação noutro espaço a título de usufrutuário, conjugadas com regras convencionais, conduzindo à não tributação.
1.3. Tal como sucede com a dupla tributação, a dupla não tributação pode ser querida ou intencional ou não querida ou fortuita. E se a intenção, a vontade pode derivar de reserva mental de uma das partes das convenções destinadas a evitar / eliminar as duplas tributações, aquando da respectiva negociação, também importa relevar poder resultar a dupla não tributação da vontade das partes envolvidas. Porque determinada realidade não tem sempre e necessariamente de ser tributada, diferentemente do que parece hoje ser opinião vulgarizada com desprezo dos direitos, liberdades e garantias individuais e apesar da insistente, acertada e justa invocação destes, bem como não obstante a panóplia de exigências e interesses a que tributação deve prestar vassalagem. É o que sucede, v.g., com disposições visando o intercâmbio cultural que estabelecem a isenção de tributação das remunerações dos professores em ambos os Estados Contratantes (v.g., artigos 20.º das convenções luso-brasileira, luso-espanhola e luso-francesa, bem como o artigo 21.º da convenção luso-polaca e ainda o artigo 22.º da convenção luso-estadunidense, todas destinadas a evitar / eliminar as duplas tributações). E preocupação similar pode ocorrer não no domínio do espírito, mas com o objectivo de preservar, mais, incentivar o desenvolvimento económico e com ele o maior bem-estar das pessoas.
Isto é, no domínio das duplas não tributações, têm também de ser tidas em atenção finalidades extrafiscais. Com efeito, se o objectivo imediato das convenções sob referência é o de evitar / eliminar a dupla tributação, não obstante e sem prejuízo daquele evitar / eliminar, podem ter e têm objectivos mediatos: o mais comum é promover ou não impedir as relações económicas e financeiras, em cujo quadro não está ausente muitas vezes o desejo de propiciar o desenvolvimento, mas outros de diferente natureza também existem e, de entre eles, a promoção cultural não deve ser afastada.
O princípio da igualdade - cuja noção comporta tanta amplitude - com as suas vertentes jurídica - todos devem pagar impostos (princípio da universalidade ou da Page 1019 generalidade) - e económica - o imposto deve ser pago de acordo com a capacidade contributiva - pode ser e é temperado com outras exigências que podem sobre ele prevalecer ou que, pelo menos, podem conduzir a uma interpretação mais afinada.
É que a invocação da proibição da dupla não tributação pode trazer consequências nefastas...
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