A dependência entre direitos de propriedade industrial, a licença compulsória e a inventividade

AutorVítor Palmela Fidalgo
Páginas279-292

Page 280

I Introdução

Se olharmos de forma pragmática para as invenções todas elas são derivadas de um conhecimento anterior ou não seriam estas fruto do conhecimento adquirido ao longo dos tempos. Porém, habitualmente apenas se consideram como invenções derivadas aquelas que advêm directamente de um conhecimento anterior, i.e., que são um melhoramento em relação a uma invenção já presente no estado da técnica.

Na realidade, um dos objectivos do direito de patentes é permitir que o titular da invenção não a explore como segredo industrial, sendo queo depósito da patenteterá deconter toda a descriçãodetalhada da invenção. Esta descrição irá possibilitar que agentes económicos adquiram conhecimentos adicionais, que lhes permitirão desenvolver novas invenções, contribuindo para o avanço e desenvolvimento tecnológico da Sociedade.

Na medida em que estamos perante invenções derivadas, poderá dar-se o caso de o titular detentor de uma invenção deste tipo, necessitar de explorar uma invenção patenteada em vigor e concedida anteriormente. Como bem sabemos, ao conceder-se uma patente são atribuídos, primordialmente, direitos de índole negativa, que permitem ao titular de um direito de propriedade industrial proibir asua exploração sem o seu consentimento. Desta feita, estará o titular do direito dependenteimpedido de explorar a invenção anterior?

No presente estudo, iremos tratar desta questão, introduzindo desde logo a problemática dos direitos de propriedade industrial dependentes e a sua subdivisão, abordando posteriormente a licença compulsória, instituto este que constitui hoje em dia a solução para o problema dos direitos de propriedade industrial dependentese que promove a inventividade. Dentro das licenças compulsórias com fundamento na dependência entre direitos de propriedade industrial, iremos ainda abordar em que termos se poderá recorrer a este regime, enunciando algumas das questões controvertidas.

Page 281

II Objecto do problema e considerações gerais sobre as invenções derivadas

Apesar do regime de licenças compulsórias com fundamento na dependência entre direitos de propriedade industrial ser o único regime que aborda directamente a problemática dos direitos de propriedade industrial dependentes, esta questão é muito mais abrangente 1, 2.

A invenção derivada não é sinónimo de invenção dependente. São duas classificações distintas, que têm em conta momentos diferentes de análise. A invenção derivada poderá ser dependente, mas deve-se tomar em conta que nem sempre isto sucede. Desta feita, a primeira tarefa será diferenciar a invenção original da invenção derivada. Uma classificação fácil em termos teóricos, mas que por vezes poderá tornar-se difícil na prática.

A invenção original será aquela que prescinde de qualquer outra invenção precedente, sendo a invenção derivada aquela que utilizou algo de uma invenção anterior 3. Poderemos descortinar se uma invenção (derivada) é dependenteolhando para o art. 31.º.l) do Acordo Trips. Segundo esta disposição, existe dependência quando a patente (anterior) «não pode ser explorada sem infringir uma outra patente» (dominante).

Vislumbra-se vários casos em que as invenções poderão ser derivadas mas não dependentes. A título de exemplo podemos enunciar as seguintes situações:

- Uma das invenções não ser protegida. Se a invenção dominante não for protegida, a invenção posterior não será dependente (apesar de ser derivada). Podemos pensar nas invenções não patenteadas, que apesar de poderem ter relevância jurídica 4, não preenchem os requisitos da patenteabilidade;

- Invenções protegidas que pertencem ao mesmo titular;

- A invenção anterior ter caído no domínio público.

Page 282

Desta forma, podemos distinguir entre invenções dependentes e aquelas que, sendo derivadas, não são dependentes, sendo que estas últimas as poderemos denominar de invenções derivadas strictusensu.

A doutrina costuma-nos apresentar três modalidades de invenções derivadas:

- Invenções de aperfeiçoamento;

- Invenções de transferência ou aplicação;

- Invenções de combinação.

Na invenção de aperfeiçoamento (invenzionidiperfezionamento), entende-se que esta vem modificar a invenção já existente, acrescentando elementos adicionais, de modo aque se possa obter um resultado parcialmente diferente. Na invenção de transferência (invenzioneditraslazione), a ideia original consiste numa nova utilização de uma ideia da invenção precedente, mediante a sua aplicação a um campo diverso, não coincidente com a invenção dominante. Por fim, na invenção de combinação (invenzionedicombinazione), há uma coordenação original de elementos ou meios já conhecidos, num todo ou em parte, da qual deriva um resultado industrial novo 5.

Na ley de patentes española podemos encontrar um dos princípios que é aplicável em matéria de patentes dependentes: o art. 56.º refere que apatente dominante não afecta a validade da patente mais recente, nem vice-versa 6.

Efectivamente, a dependência entre direitos de propriedade industrial não fundamenta a invalidade do direito de propriedade industrial dependente, sendo que o problema do seu conflito ficará guardado para a fase de exploração do exclusivo dependente 7. Desta forma, o titular do direito de propriedade industrial dependente obtém o seu direito de exclusividade, embora tenha a sua faculdade de exploração limitada, na medida em que o titular do direito de propriedade industrial dominante poderá proibir qualquer terceiro de explorar odireito sem o seu consentimento 8. Destarte, se o titular do direito de propriedade industrial dependente explorar o direito de propriedade industrial dominante sem autorização do seu titular, estará a cometer contrafacção.

Page 283

Sem embargo, dado os claros benefícios que a exploração dos direitos de propriedade industrial dependentes têm para a Sociedade (incentivo ao melhoramento das invenções (inventividade), possibilidade dos consumidores terem acesso a um novo produto, premiaçãodo inventor pelo esforço inventivo), surge a necessidade de proceder a um equilíbrio entre a protecção do titular do direito dominante e o titular do direito posterior 9.

Em suma, no que diz respeito ao titular do direito de propriedade industrial dominante, a lei mantém os seus direitos de jus probiendi. Por seu turno, ao titular do direito dependente é dada a possibilidade de requerer uma licença compulsória mediante certos requisitos.

Atendendo à morosidade que poderá afectar o processo de concessão de uma licença compulsória, melhor seria pensar num esquema que permitisse peticionar uma licença compulsória antes mesmo da concessão do direito de propriedade industrial. Se olharmos para os vários regimes no direito comparado, esta hipótese não está contemplada, sendo que, em nossa opinião, sempre se adianta que a tentativa de obtenção de licença contratual à condição de o direito de propriedade industrial ser concedido, preencherá o requisito prévio da tentativa de obtenção de uma licença contratual.

III A licença compulsória como forma de ultrapassar a dependência entre direitos de propriedade industrial

Este fundamento de licença compulsória visa tutelar o titular de um direito de propriedade industrial que não consegue explorá-lo, na medida em que necessita de utilizar um direito de propriedade industrial anterior protegido 10.

Estamos perante uma colisão de direitos: de um lado a liberdade de explorar um direito legitimamente atribuído, por outro, o direito de jus prohibendi na posse do titular do direito de propriedade industrial dominante. Mediante determinadas circunstâncias, opta-se por sacrificar o direito do titular do direito de propriedade industrial anterior, na medida em que de outra forma colocar-se-ia em causa o desenvolvimento tecnológico 11 e o incentivo à inovação num ambiente pró-concorrencial (inventividade) 12.

Se olharmos para o Acordo Trips, este apenas prevê licenças compulsórias com fundamento em dependência entre patentes. Não obstante, se nos debruçarmos sobre o direito comparado, a licença compulsória com fundamento na

Page 284

dependência entre direitos de propriedade industrial poderá ser concedida sobre outras invenções. Basta atentarmos no artigo 109.º do Código de Propriedade Industrial português, que refere que poderá existir dependência entre invenções protegidas, sejam estas patentes ou modelos de utilidade 13.

Da mesma forma poderão ser concedidas licenças compulsórias por dependência entre direitos de propriedade industrial de diferente espécie. Nas diversas ordens jurídicas europeias é regulada a licença compulsória por dependência entre variedades vegetais e patentes relativas a invenções biotecnológicas e variedades vegetais. Este regime advém da transposição da directiva n.º 98/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Junho de 1998, que estipulava a concessão de licenças compulsórias no seu art. 12.º. A licença compulsória com fundamento na dependência entre patentes e variedades vegetais, está ainda regulada a nível comunitário, mais concretamente, no art. 29.º...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR