Decisões judiciais no campo da biotecnociência: a bioética como fonte de legitimação

AutorMaria Aglaé Tedesco Vilardo
CargoDoutoranda em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva em associação da UERJ, UFRJ, UFF e FIOCRUZ. Juíza de Direito na Comarca da Capital do Rio de Janeiro - Brasil.
Páginas28-37

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Introdução

O artigo propõe a análise de três decisões do Poder Judiciário com abordagem de questões discutidas pela bioética e dos conflitos decorrentes dos avanços da bioetcnociência1. O objetivo é avaliar o caminho percorrido pelo Poder Judiciário para reconhecer direitos existenciais nas ações judiciais, relacionando a aplicação da lei e a justificativa das decisões com as teorias e princípios da bioética, como uma pré-análise de amostra do material coletado para pesquisa de tese de doutorado em bioética, ética aplicada e saúde coletiva.

Defende-se a hipótese de que as decisões judiciais ganham legitimidade quando estão amparadas por fundamentos bioéticos, utilizando o direito como instrumento social que ratifica e legitima as mudanças sociais em importante papel no reconhecimento e na concessão de direitos não previstos expressamente em lei, podendo respaldar, por tais decisões, a criação de leis menos preconceituosas e despidas de influências puramente políticas, religiosas e moralistas.

Conceito de saúde

Em vista da análise a ser feita, é importante a compreensão do conceito de saúde, concebido de forma universal, em 1948, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) definindo como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade". O conceito irá se diferenciar de acordo com a conjuntura social, econômica, política e cultural de uma sociedade dependendo de suas concepções e valores havendo um ponto em comum que é o bem-estar do indivíduo. Como a saúde não representa a mesma coisa para todos, haverá grande influência do espaço, classe social, tempo e evolução científica experimentada e viabilizada.

Para compreensão do bem-estar é importante a compreensão sobre o normal e o patológico. Canguilhem (2009) afirma que o estado normal do corpo humano é o que a medicina busca manter e restabelecer, sendo considerado normal porque o próprio interessado assim o considera e não porque a medicina o determina. O ser humano, ao entender como patológico um determinado estado ou comportamento que são considerados negativos, reage contra o que se apresenta como obstáculo ao seu desenvolvimento normal e essa reação demonstra que a vida não é indiferente às condições nas quais ela é possível, pois a vida é polaridade e posição inconsciente de valor, sendo uma atividade normativa.

Somente nas ciências biológicas têm-se um dos estados cuidado pela fisiologia (estado de saúde) e o outro tratado pela patologia (estado de doença), pois nas ciências físicas não existe um estado patológico sendo desnecessária uma terapêutica para restabelecer o estado da normalidade, pois todos os fenômenos são considerados normais. Quando as variações funcionais contrariam a polaridade dinâmica da vida a anomalia é considerada negativa, porque ocorreu um desvio normativo, mas a diversidade não deve ser considerada doença.

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Para Canguilhem, a saúde e a normalidade não se equivalem na medida em que o patológico é, também, normal; a saúde implica em ser normal e ser normativo quando em situações diferenciadas, na possibilidade de ir além da norma que define naquele momento o que é normal e na tolerância ao que fugir a esta norma e criação de novas normas para as novas situações. Estar saudável implica numa "margem de tolerância às infidelidades do meio num mundo de possíveis acidentes" e os conceitos de saúde e doença somente são conhecidos na experiência, pois para se sentir saudável é necessário sentir-se normal e normativo e não apenas adaptado às exigências do meio.

Descrição e análise dos acórdãos

O método utilizado é o da pesquisa documental em arquivo e bibliográfica, para fins de análise conceitual e histórica, com o propósito da compreensão dos conceitos do direito à vida, à liberdade e à saúde, em especial sob os aspectos bioéticos, que permita sua harmonização com as normas do direito em benefício dos indivíduos respeitando os direitos da sociedade.

A disciplina denominada bioética busca apresentar soluções aos conflitos morais decorrentes da complexidade e evolução das ciências biomédicas e dos avanços tecnológicos. Em situações de conflito, a tomada de decisão pelo indivíduo requer o exame da moralidade da atitude esclarecendo o que é certo ou errado ou como se deve agir.

Com o avanço biotecnológico há, por vezes, necessidade de sobreposição de um direito constitucional individual de grande importância sobre outro de relevância semelhante, como também a prevalência de direito individual em contraposição ao direito de terceiros que possam ser afetados socialmente pela decisão. Para isso, acredita-se que seja realizado o estudo do problema com a aplicação de princípios éticos para sua solução comprovando-se a utilização do direito como instrumento social que ratifica e legitima as mudanças sociais.

Foram selecionados três acórdãos2escolhidos a partir de publicação no diário oficial, preservados os nomes das partes, disponibilizados no site dos Tribunais. A busca se deu através de...

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