Migração e Discriminação: a contribuição da imprensa no caso dos bolivianos em São Paulo...

AutorMaximiliano Martín Vicente
Cargo del AutorUniversidad Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Sao Paulo, Brasil
Páginas213-232

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Introdução

Este texto tem por finalidade estudar como a imprensa escrita contribui na consolidação do preconceito contra os imigrantes latinos no Brasil, notadamente os bolivianos na cidade de São Paulo. Para desdobrar essa problemática adotamos uma estratégia que contextualize o fenômeno das imigrações no Brasil assim como apontamos para os problemas provenientes da entrada dessas pessoas no território brasileiro. Continuamos abordando, mais especificamente, como se processa a imigração boliviana na cidade de São Paulo procurando evidenciar seus pontos mais problemáticos como a escravidão e falta de recursos para se fazer notar pelas autoridades brasileiras. Na consolidação dessa situação a imprensa escrita tem um papel relevante motivo pelo qual as duas últimas partes do texto se preocupam com essa questão. Sem entender como se constroem as noticias não poderíamos desvendar, detalhadamente, o que esses textos, ocultam e valoram na tentativa de criar sentido entre seus leitores. Finalmente concluímos apontando a necessidade de alterar a política seguida no Brasil para tratar mais justamente os imigrantes que recebe. Dessa maneira o texto procura contribuir para um debate que ainda permanece me aberto e que tem repercutido pouco na academia por ser considerado de menor relevância no âmbito das emigrações.

A imigração no brasil: um debate em aberto

Pensar na trajetória das imigrações no Brasil implica em adentrar-se num mundo repleto de contradições e exploração nem sempre estudadas de

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maneira crítica por se colocar a riqueza e desenvolvimento como fator chave para justificar a entrada de escravos, na época colonial, ou imigrantes europeus, já em pleno século XX, para cultivar o café. Assim foi necessário construir uma serie de discursos destinados a apaziguar o embate que representou o confronto entre os brancos proprietários de terras e escravos ou assalariados mão-de-obra barata, mas necessária para desenvolver o cultivo da cana e do café.

Uma das questões chaves que permeavam essas relações tinham como pano de fundo a idéia da criação da nacionalidade brasileira. Ao final: como se formaria a idéia de país diante da presença no território de grupos tão antagônicos como italianos ou portugueses ou negros e indígenas? Vale a pena ressaltar que num primeiro momento, na época da escravidão, tal problema nem sequer se discutiu uma vez que parecia evidente que o Brasil era uma província a mais do império português e que os escravos se encaixavam dentro de uma lógica de superioridade racial, portanto, como seres inferiores nem teriam capacidade para discutir ou entender o conceito de província ou nação tal como entendida pelos colonizadores portugueses.

Essa trajetória pouco se alteraria mesmo quando em 1822 o país consegue sua independência. Na realidade o trafico de escravos continuou e a corte, no Rio de Janeiro, passou a defender os interesses dos setores mais abastados da sociedade. Mesmo sabendo que nos saltos temporais que estamos dando ocorrerão lapsos importantes avançamos para o século XX onde, de maneira mais enfática, já sem a escravidão e com a chegada das imigrantes europeus se discute o que seria ser brasileiro.

A questão vai se consolidando desde o final do século XIX e aparece nas obras do inicio do século seguinte como um tema candente e imprescindível para se formar a nacionalidade brasileira. A chegada de imigrantes alemães serviu para definir o marco balizador do modelo de estado a ser adotado pelo Brasil. Desde a colônia parecia evidente que o Brasil devia ser um Estado latino (ibérico), católico e com o português como língua nacional. Obviamente a entrada dos imigrantes germânicos rompia com esse padrão estabelecido ocorrendo, o mesmo, com a chegada dos primeiros grupos de japoneses nas terras brasileiras. Vale lembrar que o ideal do branqueamento da população ascendia ao patamar de uma teoria cientifica o que na prática resultaria, nas relações entre brancos e negros, numa hegemonia da raça branca sobre as demais. Enfatizamos que o ideal de branco pensado era o ibérico, razão pela qual a chegada dos japoneses e alemães alteravam substancialmente o mode-lo preconcebido pelas elites do país. A idéia de Estado-Nação, nessa representação, supunha o desaparecimento progressivo das «raças inferiores» (leia-se brancos e negros) e o progressivo clareamento epidérmico dos mestiços.

No passar do tempo tais concepções acabariam sendo superadas, pois suas fundamentações científicas careciam de provas consistentes para legitimar a superioridade branca. Contudo, a sedimentação da idéia do branqueamento calou profundamente no imaginário da população assim como o

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Estado desenvolveu políticas públicas nas quais os ideais de aceitar imigrantes brancos, provenientes de regiões desenvolvidas, sempre receberam um tratamento diferenciado.

Na medida em que o Brasil avançava no seu processo de modernização, a imigração, sem perder as conotações anteriormente citadas, passou a ser vista como uma ameaça na disputa pelos empregos nos centros promotores da modernização do Brasil como são Paulo e Rio de Janeiro. As exigências legais refletiram essa preocupação impondo inúmeros entreves e empecilhos para vida de pessoas de outros países ao Brasil. Nessa trajetória o ápice das políticas destinadas a tratar a questão da imigração terá, nos anos trinta no mandato do presidente Vargas, um caráter repressivo marcado pelo anti-semitismo e pelo controle e perseguição a grupos residentes no país, mas que provinham da Itália, Alemanha e o Japão. O medo da supremacia racial da população proveniente dos países do Eixo, tal como se pensava naquela época, contrastava com o pouco caso dado pelo Estado com relação à população negra. A crença de serem seres inferiores, se comparados com os promotores da II Guerra Mundial, se justificava pela sua trajetória de escravos e cidadãos de segunda categoria sem que se reconhecessem seus direitos enquanto cidadãos.

As medidas emanadas do estado nos anos sessenta do século passado introduziriam modificações significativas na maneira de ver os imigrantes no país. Conceitos como segurança nacional, manutenção da ordem e outros semelhantes se inserem nas leis destinadas a normatizar e regulamentação dos estrangeiros no Brasil. A medida mais drástica contida nessa nova regulamentação previa a expulsão sumária dos imigrantes acusados dessas violações. Época do autoritarismo na qual a segurança nacional serviu de álibi para acabar com os poucos direitos e proteções legais concedidas aos imigrantes. A Lei 6.815 de 19/08/1980 conhecida como «Estatuto do Estrangeiro», passou a definir a situação legal de todos os estrangeiros (residentes não-brasileiros) no Brasil. Suas disposições tratam de uma ampla gama de aspectos relacionados à imigração e procedimentos de extradição, incluindo regulamentos sobre vistos, asilo, naturalização, deportação e expulsão. Ela define, sobretudo, os requisitos de extradição e descreve o seu processo. Também especifica em que casos a extradição não será outorgada pelo governo brasileiro. Além disso, ela estabelece o Conselho Nacional de Imigração do Brasil, responsável pela orientação e coordenação da política de imigração brasileira. Salientamos seu caráter autoritário e punitivo uma vez que parece estar preocupada, unicamente, em estudar os casos em que esses cidadãos podem ser expulsos. No artigo 2º se estabelecia explicitamente que a aplicação da lei «atender-se-á precipuamente à segurança nacional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem como a defesa do trabalhador nacional». Ou seja, a segurança nacional antecedia qualquer política de imigração.

A redemocratização dos anos oitenta e a elaboração de uma nova constituição, em 1988, transformariam, pelo menos na forma, o quadro legal desti-

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nado a regulamentar a questão da imigração. O Estado tentado seguir as transformações do mundo e Envia à Câmara dos Deputados em 20 de julho de 2009, o Projeto de Lei 5.655/2009, do Poder Executivo, conhecido como Lei do Estrangeiro, dispõe sobre o ingresso, permanência e saída de estrangeiros no território nacional, e transforma o Conselho Nacional de Imigração em Conselho Nacional de Migração. Ou seja, na prática almeja transformar a regulamentação anterior ainda vigente no país. A questão não seria uma mera troca de nomes e sim alterar o conteúdo da regulamentação seguindo as tendências contemporâneas relacionadas com o assunto. Devemos salientar que o Projeto de Lei foi elaborado pelo ministério da Justiça em 2007 chegando, dois anos depois, ao Congresso para ser apreciado por essa casa.

Um resumo da alteração estatal pode ser observado na entrevista concedida pelo Ministro da Justiça ao jornal Consultor Jurídico que pela sua relevância transcrevemos

ConJur - Que medidas o Brasil tem tomado em relação a essa nova postura

Luiz Paulo Barreto - Fizemos uma nova lei de imigração que mandamos ao Congresso, que é toda vinculada à questão de direitos humanos nas migrações. Fizemos uma anistia aos estrangeiros no Brasil, onde 40 mil pessoas foram beneficiadas. Fizemos acordos bilaterais e multilaterais no Mercosul, de facilitação migratória, seja com trânsito de pessoas sem necessidade de visto e passaporte ou até mesmo uma regularização migratória nessa região. E achamos que o Brasil pode, nessa fase de crescimento, absorver muito bem as migrações.

ConJur - Em que ponto essa lei faz o Brasil ser diferente? Luiz Paulo Barreto - Os imigrantes têm restrição nos EUA e Europa, não só os turistas, mas gente que representam cérebros e investimentos. O Brasil pode ser um bom cenário para investimentos externos e para turismo mundial, porque é um país formado por migrantes. O Brasil não discrimina qualquer...

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