O Conceito de «Prejuízo Sério» na Transferência de Local de Trabalho - Critérios Orientadores

AutorInês Arruda
CargoAbogada del Área de Fiscal y Laboral (Lisboa).
Páginas83-87

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Escopo e enquadramento

O local de trabalho -entendido como área geográfica onde o trabalhador se obriga a prestar a sua actividade- constitui um elemento essencial do contrato de trabalho. Na verdade, é em função dele que o trabalhador organiza a sua vida pessoal e familiar.

O Código do Trabalho consagra um princípio geral da inamovibilidade do trabalhador, sendo as possibilidades de desvio ao referido princípio por iniciativa do empregador muito restritas: este só pode determinar uma mudança individual de local de trabalho -temporária ou definitiva- se a mesma não causar «prejuízo sério» ao trabalhador e desde que exista, do lado do empregador, uma ponderosa razão económica, técnica ou organizativa que a justifique («transferência individual»).

A mudança colectiva, motivada pela mudança total ou parcial do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço, é sempre permitida (presumindo a lei o interesse da empresa) podendo o trabalhador resolver o contrato com direito a uma compensação se aquela transferência lhe causar «prejuízo sério» («transferência colectiva»).

O «prejuízo sério» funciona, em ambas as situações, como o limite até ao qual é permitido ao empregador derrogar o princípio da inamovibilidade: na modalidade de transferência individual (definitiva ou temporária) a existência de um «prejuízo sério» habilita o trabalhador a optar por (i) permanecer no local de trabalho, desobedecendo a uma ordem que é ilegítima (a existência de «prejuízo sério» constitui, então, um facto impeditivo do direito do empregador de alterar o local de trabalho); (ii) resolver de imediato o vínculo com direito a compensação.

Na hipótese de transferência colectiva (resultante da mudança total ou parcial do estabelecimento), o único meio de oposição consentido ao trabalhador, caso se verifique um «prejuízo sério», é a resolução do contrato, acompanhada da respectiva compensação.

A lei não oferece uma noção de «prejuízo sério». A construção deste conceito tem vindo a ser feita, exclusivamente, pelos tribunais em termos nem sempre uniformes, o que gera profundas -e indesejáveis- insegurança e incerteza jurídicas.

E não se diga que a questão é residual ou lateral. Pense-se na hipótese de uma transferência colectiva -mudança de instalações- que envolva a totali-dade dos trabalhadores: o empregador pode ver-se confrontado, de um momento para o outro, com uma cessação em massa dos contratos de trabalho ficando, por um lado, sem mão-de-obra necessária para prossecução da actividade e, por outro, na contingência de suportar as correspondentes compensações.

A noção de «prejuízo sério» é uma noção abstracta e não se nos afigura possível o sua conceptualiçao. No entanto, este facto não obsta a que sejam enunciados um conjunto de critérios orientadores que permitam ao intérprete, com alguma segurança, apreciar a questão quando confrontado com uma situação de mudança de estabelecimento. Pretendemos com o presente estudo identificar esses mesmos critérios e apurar quais os utilizados pela jurisprudência nacional na análise do «prejuízo sério» na transferência de local de trabalho.

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Depois de percorrer mais de uma centena de acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa («TRL»), Porto («TRP»), Coimbra («TRC») e do Supremo Tribunal de Justiça («STJ») -todos disponibilizados em www.dgsi.com- deparámo-nos com uma panóplia de decisões contraditórias, com desvalorização ou empolamento de factos semelhantes em diferentes decisões. Apenas no STJ conseguimos descortinar alguma uniformidade de decisões e fundamentação, como veremos.

A seriedade do prejuízo

Por «prejuízo» entende-se a «privação de capacidades resultante de um acontecimento ou situação». A lei exige, porém, que o prejuízo em causa seja «sério», ou seja, aquele «que apresenta gravidade; que merece grande ponderação ou é digno de consideração; que pode ter consequências graves; importante» (cfr. «Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea» Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001).

Neste aspecto a doutrina e jurisprudência são unânimes: o conceito de «prejuízo sério» deve implicar um dano relevante que não tenha pequena importância e deve determinar uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador, sendo de afastar as alterações nos seus hábitos de vida que, traduzindo-se em meros incómodos ou transtornos suportáveis, não assumem gravidade relevante na estabilidade da sua vida nem determinam alteração substancial do seu plano de vida.

Análise do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de Janeiro de 2010 e confronto

A decisão proferida no recentíssimo Acórdão do TRP, de 18.01.2010...

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