Condomínios complexos: propriedades horizontais de dois níveis

AutorSusana Oliveira Santos
CargoAbogada del Departamento de Derecho Inmobiliario de U&M (Lisboa)
Páginas102-105
Introdução

O regime da propriedade horizontal (art.ºs. 1414.º e seguintes do Código Civil, o «CC») e a sua aplicabilidade a estruturas imobiliárias complexas como forma de regular quer o regime da propriedade das diferentes partes de empreendimentos imobiliários quer, principalmente, a gestão das mesmas, é um tema incontornável para quem lida diariamente com a promoção imobiliária.

Sente-se hoje na prática a necessidade de criar diferentes «graus de comunhão», que permitam optimizar a gestão das diferentes partes do empreendimento as quais têm, na maior parte dos casos, exigências distintas. Sente-se nomeadamente a necessidade de, para as várias partes que compõem o empreendimento, ter gestões autónomas e direitos e obrigações diferenciados.

Perante o actual quadro legislativo, e uma vez que a solução não é clara, a realidade exige um esforço interpretativo para tentar encontrar a solução mais adequada, a que melhor enquadre e compatibilize os diversos interesses envolvidos. Várias soluções têm sido propostas, cada uma com as suas vantagens e inconvenientes.

A este propósito coloca-se com alguma frequência a questão de saber se é possível submeter os empreendimentos imobiliários ao regime da propriedade horizontal de dois níveis. Ou seja, coloca-se a possibilidade de regular realidades complexas através uma estrutura jurídica também ela complexa mas cujo objectivo final é o da simplificação da gestão futura dessas realidades.

A lei (art.º 1438.º-A do CC, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro) estabelece que o regime da propriedade horizontal pode ser aplicado «(...), com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.». É assim hoje aceite que cada edifício poderá constituir uma fracção autónoma. O que não é ainda pacífico a nível doutrinal e jurisprudencial é que cada um desses edifícios possa ele próprio ser submetido ao regime da propriedade horizontal, isto é, que possa haver dois níveis de propriedade horizontal.

Esta possibilidade, que tem sido particularmente estudada relativamente aos empreendimentos turísticos (em especial aos conjuntos turísticos), assume especial relevância quando, perante um empreendimento complexo (composto p.ex. por área comercial, área habitacional e área de escritórios) se pretenda submeter o mesmo ao regime da propriedade horizontal, mas diferenciar a gestão e regular de forma distinta as tomadas de decisão nas diferentes partes que o compõem. A prática até agora tem sido submeter a totalidade do empreendimento a uma única propriedade horizontal, criando depois, no regulamento de condomínio (com as vantagens e inconvenientes que daí advêm), sub-condomínios, para assim tentar obviar as questões complexas que necessariamente se colocam na gestão do empreendimento.

Face à relevância que este tema assume em termos práticos, cumpre pois verificar se existe realmente algum impedimento legal à constituição de proprie-Page 103dades horizontais de dois níveis, em que num primeiro nível teríamos as fracções correspondentes aos diversos edifícios ou «unidades» do empreendimento e, num segundo nível, as fracções em que tais «unidades» se decompõem ou se, pelo contrá-rio, estamos apenas perante uma situação que não tem merecido a devida atenção e reconhecimento.

Características da propriedade horizontal

Apesar de a lei não conter uma definição de propriedade horizontal, parece ser entendimento pacífico que a mesma se caracteriza pela existência de um misto incindível de propriedade exclusiva (no sentido de que não é partilhada pelos proprietários das outras fracções e não no sentido de vedar a compropriedade ) de unidades independentes - as fracções - e de compropriedade das partes que, funcionalmente interligam as fracções - as partes comuns.

(i) As fracções autónomas

Nos termos da lei só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, para além de constituírem «(...) unidades independentes, sejam...

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