Comentário ao novo Regulamento da CMVM sobre produtos financeiros complexos

AutorCatarina Gonçalves De Oliveira e Manuel Cordeiro Ferreira
CargoAdvogados do Departamento de Direito Comercial da Uría Menéndez - Proença de Carvalho (Lisboa)
Páginas133-142

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Origem e antecedentes da nova regulamentação

Escrevíamos, em 2010, por ocasião da publicação do Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro e do Regulamento da CMVM n.º 1/2009 (v. «Produtos Financeiros Complexos», Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 27, 2010, págs. 104 ss.) que se assistia a um crescimento significativo dos produtos financeiros complexos, antecipando-se que esta temática iria permanecer nos radares das principais organizações inter-nacionais, merecendo uma especial atenção por parte das autoridades reguladoras e de supervisão europeias e nacionais. Volvidos cerca de três anos, constatamos terem sido certeiras tais previsões, verificando-se a acentuação de qualquer uma dessas tendências.

Efetivamente, o mercado dos produtos financeiros complexos movimenta atualmente, a nível europeu, cerca de 10 biliões de euros. Um inquérito levado a cabo em 2011 junto de consumidores em toda a União Europeia revelou que o setor dos serviços financeiros é - de entre todos os outros setores da indústria - aquele em que os consumidores menos confiam. É, assim, expectável e desejável que este tipo de produtos esteja no centro da atenção dos reguladores, quer nacionais, quer pan-europeus, tendo em conta a sua missão de proteção dos investidores - em especial dos investidores de «retalho» ou, numa nomenclatura mais técnica, não qualificados, de acordo com a definição constante do Código dos Valores Mobiliários - e de garantes de um maior acesso por parte dos investidores a mais informação e de melhor qualidade.

A importância da transparência e da comparabili-dade da informação sobre produtos financeiros complexos ou, na terminologia comunitária, packaged retail investment products (PRIPs) para investidores de «retalho», foi particularmente acentuada pela crise global dos mercados financeiros de 2007/2008 com repercussões até aos dias de hoje. A crise financeira tornou-se uma crise de confiança dos consumidores / investidores. Melhorar a transparência, identificação e comparabilidade de riscos e a prestação de informação em geral sobre este tipo de produtos e, bem assim, reforçar as exigências de supervisão são, deste modo, considerados vitais para reconstruir a confiança nos mercados financeiros.

De referir que em matéria de organismos de investimento coletivos em valores mobiliários (os designados OICVMs ou, na terminologia anglo-saxónica, UCITS) tem vindo a ser desenvolvido um esforço muito significativo de harmonização a nível comunitário na regulação das matérias atinentes à quali-dade da informação prestada a investidores, tendo sido inclusivamente consagrados, recentemente, em Portugal, em virtude da transposição da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVMs (a Diretiva UCITS IV), novos requisitos ao nível do documento com as informações fundamentais destinadas aos investidores (IFI). O mesmo desiderato se pretende alcançar para todos os outros produtos de investi-

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mento dirigidos ao mercado financeiro de «retalho» que se subsumam às categorias de produtos financeiros complexos, tal como definidos na legislação nacional, ou PRIPs, de acordo com a noção constante da atual proposta da Comissão Europeia de Regulamento europeu relativo a PRIPs, de 3 de julho de 2012. É neste contexto que surge e se situa o Regulamento da CMVM n.º 2/2012, que consagra os deveres informativos relativos a produtos financeiros complexos e comercialização de operações e seguros ligados a fundos de investimento, revogando o anterior Regulamento da CMVM n.º 1/2009 sobre produtos financeiros complexos e o Regulamento da CMVM n.º 8/2007, em tudo o que diga respeito aos seguros e operações ligados a fundos de investimento.

Como elementos percursores do novo Regulamento, refiram-se os resultados obtidos nos dois processos de consulta pública que a CMVM decidiu levar a cabo neste domínio. Por um lado, a Consul-ta Pública n.º 1/2010, destinada a averiguar a necessidade de nova regulamentação sobre produtos financeiros complexos e o sentido da mesma, tendo os resultados do estudo então encetado confirmado a tese de que os produtos financeiros complexos apresentam rentabilidades esperadas mais baixas do que as rentabilidades salientadas nas campanhas publicitárias (que em geral são as rentabilidades máximas) e na maioria dos casos inferiores à dos depósitos tradicionais, tendo-se igualmente constatado que as elevadas rentabilidades anunciadas tinham uma probabilidade de ocorrência bastante reduzida. Por outro lado, a Consulta Pública
n.º 1/2012 destinada a recolher a análise do mercado à nova regulamentação proposta, onde merecem destaque as principais preocupações justificativas da atual proposta de revisão da regulamentação dos produtos financeiros complexos, com especial relevância para a maior complexidade dos produtos financeiros, o aumento das reclamações dos investidores e os resultados insatisfatórios obtidos da análise à informação disponibilizada aos investidores, quer pela sua insuficiência, quer pela sua complexidade e tecnicidade.

Nestes termos, de entre os principais objetivos declarados da reforma empreendida através do Regulamento da CMVM n.º 2/2012, destacam-se a melhoria da compreensão dos riscos por parte dos investidores, possibilitando um reforço da sua proteção, a categorização de produtos de acordo com os riscos gerados, a padronização das advertências aos investidores e da informação contratual a ser-lhes disponibilizada, bem como objetivos de simplificação regulatória com vista a aumentar a segurança jurídica para os investidores e entidades comercializadoras de produtos financeiros complexos.

O novo Regulamento resulta assim, essencialmente, da necessidade de proceder à revisão do anterior Regulamento em matéria de produtos financeiros complexos à luz da experiência acumulada de quase três anos e dos elementos recolhidos nos referidos processos de consulta pública. Visa ainda enformar num corpo normativo a política enunciada pela CMVM nesta matéria em 2011, a qual assenta essencialmente num conjunto de pilares que trataremos de descrever sucintamente em seguida.

Desde logo, esta política determinou a criação em 16 de Fevereiro de 2011 do Comité de Inovação Financeira (CIF) tendo em vista a respetiva prossecução. Por outro lado, preconiza o reforço da super-visão da emissão (quando ocorra em território nacional) e, sobretudo, da comercialização de produtos financeiros complexos (incluindo os produtos comercializados ao abrigo do passaporte europeu do prospeto), com um cuidado reforçado na super-visão das estratégias e práticas de comercialização e conflitos de interesses, assumindo-se, por isso mesmo, em matéria de documentos informativos e prospetos simplificados (correspondentes ao atual documento informativo intitulado «Informações Fundamentais ao Investidor» ou IFI), e ainda ao nível das peças publicitárias, como uma supervisão de cariz mais interventivo, atuante e «invasivo», com o que se espera alcançar também a médio prazo a produção de um efeito pedagógico relevante junto de intermediários financeiros, comercializadores e emitentes. De igual modo, recomenda a emissão de nova regulamentação de modo a contemplar a obrigatoriedade de cálculo e disponibilização das probabilidades de ocorrência de alguns cenários de evolução e rentabilidade possível e a introdução de algumas advertências aos investidores nos documentos supra mencionados. Outra área da inter-venção da CMVM no âmbito desta política está relacionada com a emissão de informações e recomendações de natureza pedagógica dirigidas a investidores, tendo sido designadamente divulgado um documento com «Recomendações aos Investidores sobre Produtos Financeiros Complexos», bem como um «Guia sobre Produtos Financeiros Complexos». Em conformidade com os objetivos propugnados por esta política, prevê-se igualmente uma intervenção regulamentar no sentido de pro-mover a transparência pós-comercialização deste tipo de instrumentos financeiros. Por último, propõe-se também a CMVM, no âmbito da respetiva execução, alcançar um grau de harmonização dese-

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jado ao nível dos documentos exigidos para a comercialização de produtos financeiros complexos, com o objetivo de permitir potenciar a comparabilidade entre os vários tipos de instrumentos e eliminar espaços residuais de arbitragem regulatória que ainda subsistem. O modo como cada um destes aspetos foi concretizado na nova regulamentação, tal como consubstanciada no Regulamento da CMVM n.º 2/2012, será objeto de tratamento mais detalhado nas secções seguintes do presente artigo.

Para além dos esforços encetados no plano doméstico que se traduziram na adoção do novo Regulamento, também no panorama internacional se tem vindo a avançar no sentido de uma supervisão mais atenta, atuante e proativa no domínio dos produtos financeiros complexos.

Cabe referir, por um lado, o papel fundamental acometido à autoridade europeia para os mercados de valores mobiliários (ESMA) neste domínio, de acordo com as competências que lhe foram atribuídas pelo Regulamento (EU) n.º 1095/2010.

Importa, por outro lado, salientar a evolução inter-nacional na temática da inovação financeira e da comercialização de produtos financeiros complexos corporizada, designadamente, nas iniciativas conjuntas em curso das três agências reguladoras europeias em matéria...

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