Benefícios fiscais temporários: os efeitos da sua alteração ou revogação antecipada

AutorFilipe Romão, António Castro Caldas e Susana Estêvão Gonçalves
CargoAdvogados
Páginas27-42

Page 27

1. Introdução

Na presente exposição pretendemos refletir sobre os efeitos decorrentes da alteração ou revogação de benefícios fiscais, em particular quando os mesmos sejam definidos por um período delimitado no tempo, no que respeita aos sujeitos passivos que se encontrem já a aproveitar de tais benefícios aquando da sua alteração ou revogação.

A análise que se pretende levar a cabo encontrará o seu suporte nas normas de aplicação da lei no tempo estabelecidas no Estatuto dos Benefícios Fiscais («EBF») – a nosso ver alicerçadas numa preocupação de proteção de direitos adquiridos –, em particular nos seus artigos 11.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2, bem como nos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica constitucionalmente consagrados e decorrentes da ideia de Estado de Direito1.

A título prévio, e porque entendemos ser essencial demarcar o alcance da nossa análise, cumpre delimitar o conceito de benefício fiscal temporário (tomando por contraponto os conceitos de benefícios fiscais permanentes e estruturais) - que desde já se adianta que não se trata de um conceito inter-pretado de forma pacífica na doutrina e jurisprudência2.

2. Benefícios fiscais temporários

A doutrina que se vem debruçando sobre esta matéria tem entendido que um benefício fiscal temporário consiste, ao contrário dos benefícios fiscais

Page 28

permanentes (em que nenhum prazo de vigência determinado se lhes aplica), num benefício fiscal cuja aplicação se encontra limitada no tempo. Neste sentido, por exemplo, afirma Nuno Sá Gomes que »Os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício»3.

No entanto, a inexistência de uma definição legal de benefícios fiscais temporários e a eventual existência de conceitos sobrepostos, vem contribuindo para uma certa ambiguidade na delimitação de tal conceito.

Com efeito, se é certo – ou pelo menos não tem vindo a ser posto em causa – que um benefício fiscal cujo prazo de vigência se encontre expressamente estabelecido na própria norma se deve qualificar como um benefício fiscal temporário, já não é unanimemente aceite que a totalidade dos benefícios fiscais que aproveitam da regra prevista no artigo 3.º, n.º 1 do EBF – que estabelece um prazo de duração de cinco anos para determinados benefícios fiscais – se devam qualificar do mesmo modo4.

Ora, para que possamos extrair qualquer conclusão quanto a uma eventual qualificação dos benefícios fiscais a que se refere o artigo 3.º, n.º 1, do EBF – que estabelece atualmente que «As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário»5 como benefícios fiscais temporários, sempre impor-tará, previamente, perceber em que medida o prazo estabelecido na citada disposição legal se trata exclusivamente de um prazo máximo, ou se, pelo contrário, se trata também de um prazo mínimo de vigência dos benefícios fiscais, caso em que os benefícios fiscais incluídos nas Partes II e III do EBF – e independentemente das respetivas epígrafes – se deveriam qualificar como benefícios fiscais temporários.

Será pois esta a tónica da nossa análise quanto à qualificação dos benefícios fiscais como temporários: Dever-se-á entender que o artigo 3.º, n.º 1 do EBF estabelece, para além de um prazo máximo, também um prazo mínimo de vigência? A concluirse que o artigo 3.º, n.º 1 do EBF estabelece um prazo mínimo de vigência de benefícios fiscais, deverse-á considerar que todos os benefícios fiscais que aproveitam da regra prevista no artigo 3.º, n.º 1 do EBF – que são a grande maioria dos benefícios fiscais previstos no EBF – se qualificam como benefícios fiscais temporários?

Na procura das respostas em causa, parece-nos que nos devemos socorrer, desde logo, da ratio legis da norma e dos seus antecedentes históricos, para em seguida analisarmos a própria estrutura sistemática do EBF, em particular no que respeita à relevância das epígrafes das Partes II e III do EBF para efeitos da qualificação dos benefícios fiscais.

2.1. A Regra da Caducidade: Evolução Histórica e Ratio Legis

Os antecedentes do artigo 3.º do EBF encontram-se no anterior artigo 14.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária («LGT») – que veio a ser substituído por aquele artigo 3.º do EBF – nos termos do qual se previa que «Sem prejuízo dos direitos adquiridos, as normas que preveem benefícios fiscais vigoram durante um período de cinco anos, se não tiverem previsto outro, salvo quando, por natureza, os benefícios fiscais tiverem carácter estrutural».

A introdução de um limite temporal de vigência para os benefícios fiscais em geral (inicialmente previsto no já citado artigo 14.º da LGT) surge na sequência da recomendação do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais constituído pelo Despacho n.º 130/97-XIII do Ministro das Finanças, que claramente identificava como um dos vetores essenciais da revisão geral dos benefícios fiscais o «Estabelecimento de um horizonte temporal bem definido para os benefícios fiscais (...) e criação de

Page 29

condições para que, dentro desse horizonte temporal, sejam estáveis e, desse modo, permitam a tomada de decisões económicas com alguma segurança», acres-centando que «Este horizonte temporal deve configurar um verdadeiro pacto de estabilidade para os benefícios fiscais - os agentes económicos não compreendem, e têm toda a razão, que todos os anos, e às vezes até com maior frequência, alguns benefícios fiscais sejam alterados nos seus aspectos essenciais e, por isso, não tenham um mínimo de estabilidade que lhes permita tomar decisões económicas num ambiente de certeza e segurança. (...) Este segundo aspecto da temporalidade dos benefícios fiscais permite, por um lado, delimitar com alguma precisão em que medida o benefício constitui um direito adquirido pelo respectivo beneficiário que o salvaguarda de mudanças eventuais de regime»6.

Com efeito, os trabalhos preparatórios subjacentes à introdução no sistema jurídico português de uma regra de caducidade dos benefícios fiscais, parecem indiciar que o que se pretendeu com a introdução de uma tal regra foi conferir aos benefícios fiscais aos quais a mesma se aplicasse um determinado grau de estabilidade7 (correspondente ao número de anos aí previsto – 5 anos), criando uma solução de compromisso entre o Estado e os agentes económicos, por forma a que estes confiem na manutenção dos benefícios fiscais que influenciam as suas decisões económicas. Ora, essa intenção apenas se materializa caso se entenda que um tal prazo, se trata efetivamente de um prazo mínimo de vigência de benefícios fiscais, sem prejuízo de se poder tratar também de um prazo máximo de vigência.

Por outro lado, a própria autorização legislativa respeitante ao art.º 14.º da LGT (i.e., o artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto) estabelecia como objetivo daquela norma «Regular o período de vigên-cia dos benefícios fiscais, em termos de assegurar a sua previsibilidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica, e a avaliação periódica dos respectivos resultados». Também a autorização legislativa na origem do artigo 14.º da LGT vem, em nossa opinião, esclarecer de forma cabal que o prazo em causa tem uma dupla componente: por lado, trata-se de um prazo mínimo que visa «assegurar a sua previsibilidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica» e, por outro, consagra também um prazo máximo que tem como objetivo a «avaliação periódica dos respectivos resultados» 8.

Sucede, porém, que este artigo 14.º da LGT veio a ser alvo de diversas críticas em virtude dos seus termos algo vagos, tendo, na realidade, acabado por nunca ser objeto de efetiva aplicação9. Com efeito, ao referir a sua inaplicabilidade aos denominados «benefícios fiscais estruturais» sem estabelecer uma definição legal de tal conceito (que na realidade nunca viu - provavelmente por impossibilidade de criação de uma tal definição - os seu termos legal-mente definidos), o próprio artigo 14.º da LGT impossibilitou a sua efetiva aplicação, nunca tendo sido possível retirar-lhe um qualquer efeito útil10.

Como se explorará no ponto seguinte, há aliás quem defenda – como é o caso de Nuno Sá Gomes

Page 30

– que, tendo em conta o próprio conceito de benefício fiscal, por natureza, nunca poderiam existir benefícios fiscais estruturais. Afirma, pois, esse autor que «A dificuldade interpretativa deste n.º 1 do art. 14.º, da L.G.T., aparentemente intransponível, é a referência a benefícios fiscais de carácter «estrutural» (…) pois os benefícios fiscais, por definição, não têm carácter «estrutural» pois são factos e situações sujeitos a tributação, ainda que beneficiados fiscalmente»11.

Por essa razão, e através da Lei n.º 53-A/2006 (Lei do Orçamento do Estado para 2007 – «LOE 2007»), foi introduzido no EBF o atual artigo 3.º,
n.º 1, em substituição...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR