A aplicação da lei maria da penha às meninas

AutorJaqueline Camargo Machado de Queiroz Sielskis - Luciani Coimbra de Carvalho
Cargo del AutorMestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora adjunta da Universidade Federal Mato Grosso do Sul e professora do mestrado profissional PROFIAP e do mestrado acadêmico em direito da UFMS
Páginas55-71
A APLICAÇÃO DA LEI MARIA
DA PENHA ÀS MENINAS
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Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
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Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professora adjunta da Universidade Federal Mato Grosso do Sul
e professora do mestrado profissional PROFIAP
e do mestrado acadêmico em direito da UFMS
INTRODUÇÃO
Com a edição da Lei Maria da Penha, em 2006, a violência doméstica e familiar
praticada em face da mulher, no Brasil, foi reconhecida como verdadeira violação
de direitos humanos, acompanhando as previsões dos diversos documentos e
tratados internacionais.
Dentre diversos institutos inovadores, a Lei Maria da Penha previu a criação
de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, especializados
no processo e julgamento de crimes praticados no âmbito doméstico e familiar,
em face de mulheres. Essa especialização da Justiça foi um importante avanço
na proteção à mulher, pois possibilitou um tratamento mais humanizado e
diferenciado às vítimas, bem como maior celeridade no trâmite processual.
Convém destacar que a especialização da Justiça, com a criação de varas
especializadas, é importante para aprimorar, aperfeiçoar, e dar maior agilidade
na efetivação dos direitos tutelados, uniformizando procedimentos e estruturas
de atendimento. Além da celeridade processual, os profissionais dos Juizados
de Violência Doméstica contra Mulher têm especial qualificação profissional,
prestando melhor atendimento e acolhimento às vítimas, reduzindo
consideravelmente a discriminação e a revitimização das mulheres atendidas.
Não obstante o exposto tem sido alvo de debates jurisprudenciais o enquadramento
da violência sexual praticada em face de crianças e adolescentes do sexo feminino,
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no âmbito doméstico e familiar, na esfera de competência dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher. Alguns Tribunais nacionais têm entendido
que a violência sexual cometida no âmbito doméstico e familiar contra crianças e
adolescentes do sexo feminino não é praticada em razão do gênero, mas em razão de
uma vulnerabilidade específica decorrente da idade da vítima.
Segundo esse entendimento, os casos de violência sexual praticada em face
de crianças e adolescentes do sexo feminino não merecem especial proteção da
Lei Maria da Penha e, consequentemente, não são processados e julgados pelos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, prejudicando
sobremaneira as meninas vítimas desses crimes, que têm seus processos
analisados pelas varas criminais comuns.
Nesse sentir, a presente pesquisa tem por objetivo analisar a ratio decidendi
desses julgados, confrontando-as com o conceito de interseccionalidade, da
pesquisadora americana Kimerblé Crenshaw, segundo o qual há grupos que
sofrem um tipo de discriminação composta e, por isso, merecem especial
atenção pela posição interseccional em que se encontram, sendo afetados de
maneira específica pela combinação de formas diferentes de discriminação 1.
Como metodologia de pesquisa foram utilizadas as pesquisas bibliográfica,
com a análise de obras literárias e artigos científicos relacionados ao tema gênero
e interseccionalidade, e também a pesquisa documental, por meio da análise de
julgados de Tribunais brasileiros relacionados ao tema violência sexual infantil e
competência da Lei Maria da Penha.
A exposição da presente pesquisa será iniciada por uma análise dos conceitos
de gênero e violência de gênero, seguida de um exame da Lei Maria da Penha
e de sua aplicação pelos Tribunais nacionais, mais notadamente no tocante
ao reconhecimento da competência para processar e julgar os crimes sexuais
praticados em face de crianças e adolescentes do sexo feminino. A seguir, será
analisado o conceito de interseccionalidade que permitirá uma análise da
violência sexual em face de crianças e adolescentes do sexo feminino sob a ótica
interseccional. Ao final, será possível avaliar a consonância das decisões dos
Tribunais pátrios com a melhor proteção dos direitos humanos de meninas.
1. GÊNERO E VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Considerando que o entendimento acerca dos conceitos de gênero e
violência de gênero são imprescindíveis para a análise da problemática proposta,
1 CRENSHAW, Kimberlé. A Intersecionalidade na Discriminação de Raça e Gênero.
2002. Disponível em:
Kimberle-Crenshaw.pdf>. Acesso em: 02/09/2017.

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