A Lei da Concurrencia Portuguesa (Referencia á actividade desenvolvida pela nova Autoridade da Concorréncia)

AutorDra. Isabel Fortuna de Oliveira
Cargo del AutorUniversidade de Aveiro (Portugal)
Páginas455-469

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1. A Lei 18/2003

A Lei 18/2003, de 11 de Junho1, aprovou o novo regime jurídico do direito nacional da concorréncia, constituindo a segunda revogacáo legislativa em cerca de 20 anos de aplicacao do direito da concorréncia em Portugal.

O primeiro diploma nacional consagrando um regime jurídico de proteccáo e defesa da concorréncia em moldes semelhantes aos existentes nos demais países europeus data de 1983 (o Decreto-lei n.° 422/83, de 3 de Dezembro)2, adoptado na perspectiva de adesao á entao CEE,assumindo normativamente os valores subjacentes á economia de mercado, numa perspectiva de harmoniza9áo com o direito da Comunidade Económica Europeia. Por sua vez, o Decreto-lei n.° 371/93, de 29 de Outubro, revogou a legislacao anterior e manteve-se em vigor até Junho de 2003, data da entrada em vigor da Lei 18/2003. Entramos, assim, na 3.a fase do direito nacional da concorréncia contando, assim, com mais de 20 anos de vigencia e de experiencia, facto que deverá constituir motivo de reflexáo.

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Foi, de resto, num contexto de ponderagáo e de balando dos modos e métodos de implementagáo das regras de concorrencia nacionais que a Lei 18/2003 surge, tendo por objectivo reforgar e modernizar a implementagáo do direito da concorréncia em Portugal, sublinhando o alinhamento da política de concorrencia nacional com a comunitaria.

2. A Autoridade da Concurrencia

A Lei 18/2003 foi precedida pela publicagáo de um outro diploma legal —o Decreto-lei n.° 10/2003, de 18 de Janeiro3— o qual criou aAutoridade da Concorréncia (AdC) definindo os respectivos estatutos. Sublinhe-se que mais do que a criagáo de urna nova instituigdo,foi sobretudo reformulada a organizagáo das competencias próprias detidas pela Autoridade da Concorréncia. Assim, a AdC tem como incumbencia geral velar pela aplicagáo das leis, regulamentos e decisoes destinados a promoverem a concorréncia, detendo para o efeito os poderes de investigacáo e de punigáo das práticas anticoncorrenciais bem como a aprovagáo das operagoes de concentragáo, dispondo ainda de prerrogativas ao nivel da regulamentagáo. A concentragáo das competencias mencionadas numa única entidade terminou com a divisáo de poderes até entáo existente entre a Direcgáo Geral de Concorréncia e Pregos (organismo dependente do Ministerio da Economía) e o (extinto) Conselho da Concorréncia. A AdC é, assim, instituida com o propósito de fomentar e também consolidar a política de concorréncia aplicável em Portugal, sendo dotada nao só de competencias, poderes e órgáos próprios e indispensáveis á prossecugáo da sua missáo mas também de um estatuto de independencia que permita implementar o seu papel de defesa e regulador da concorréncia.

A AdC exerce a sua actividade relativamente a todos os sectores da actividade económica, sejam estes dos sectores privado —público ou cooperativo— alterando a legislagáo anterior, a qual excluía da aplicagáo das regras de concorréncia as empresas concessionárias de servigos públicos. A aplicagáo da lei pode, no entanto, ser atenuada no caso previsto no art. 3 da Lei 18/2003 (cujo conteúdo é manifestamente inspirado pelo art. 86 do Tratado CE), o qual determina que as empresas encarregadas por lei da gestáo de servigos de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopolio legal ficam submetidas a lei da concorréncia: «na medida em que a aplicagáo destas regras nao constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missáo particular que lhes foi confiada».

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2.1. A relacáo da AdC com as autoridades reguladoras sectoriais

O processo de liberalizagáo relativo a determinados sectores da actividade económica anteriormente reservados a monopolios de natureza pública, conduziu ao aparecimento de autoridades reguladoras sectoriais, entidades de índole pública, enumeradas a título exemplificativo no art. 6 do Decreto-lei 10/20034. As entidades reguladoras tém como característica comum a independencia no exercício ñas suas funcoes, com finalidades de regulacao económica nos respectivos sectores de intervencáo. O relacionamento entre a actividade da AdC nos sectores de actividade submetidos a intervencáo destas autoridades foi alvo de urna particular atencáo. A articulacáo entre a AdC e estas entidades é expressamente mencionada no art. 15 da Lei 18/2003 prevendo um regime de colaboragao na aplicacao da legislacáo da concorréncia nostermos previstos na lei. É, sobretudo no ámbito processual relativo a praticas proibidas (antitrust) e as operacoes de controlo das operacoes de concentracáo que a colaboracao mencionada é alvo de urna regulamentacáo mais precisa, a qual será oportunamente mencionada.

3. A Lei 18/2003: alteragóes mais significativas

A Lei 18/2003 determina o seu ámbito de aplicacáo aplicando-se, assim, a todas as actividades exercidas com carácter permanente ou ocasional nos sectores público, privado ou cooperativo (art. 1/1). As praticas restritivas da concorréncia, bem como as operacoes de concentracáo serao visadas pela mencionada lei no caso de ocorrerem em territorio nacional ou nele tenham ou possam ter efeitos (art. 1/2).

A relacáo entre o direito nacional da concorréncia e o comunitario encontra actualmente urna expressáo clara no artigo 5/3 da Lei 18/2003, o qual determina que: «Sao consideradas justificadas as praticas proibidas pelo artigo 4 que, embora nao afectando o comercio entre os Estados membros, preencham os restantes requisitos de aplicacao de um regulamento comunitario adoptado ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 81 do Tratado que constituí a Comunidade Europeia». O normativo legal citado concretiza o Considerando 8 do Regulamento (CE) 1/20035, protagonizando um «quadro comum de actuacáo» entre osPage 458 ordenamentos jurídicos comunitario e nacional da concorréncia, determinando que a aplicacáo das legislagoes nacionais nao deverá conduzir a proibicáo dos acordos ou de praticas concertadas que também nao sejam proibidos pela legislacao da concorréncia comunitaria. Sublinhase que a Lei 18/2003 prevé a aplicacáo material do direito comunitario da concorréncia mesmo perante circunstancias em que este nao seria aplicado por ausencia de afectacáo do comercio entre os Estados-Membros. Nao se trata, assim, da questao relacionada com o principio de primazia de aplicacáo do direito da concorréncia comunitario face ao nacional, o qual pressupóe um concurso de normas. Relativamente a esta questao, desde os primordios de aplicacáo do direito da concorréncia em Portugal que o (extinto) Conselho da Concorréncia determinou que: «... a resolucáo de eventuais conflitos tem de respeitar as características fundamentáis do direito comunitario: autonomia, aplicabilidade e efeito directo e primazia»6. Ora, a Lei 18/2003 vai mais longe, determinando que o direito da concorréncia nacional adoptará a solucáo prevista num regulamento comunitario, mesmo em circunstancias onde o artigo 81 do Tratado (CE) nao seria aplicado por ausencia de afectacáo do comercio entre os Estados-Membros reforcando, assim, a harmonizacáo entre o direito nacional e o direito comunitario da concorréncia.

3.1. O regime antitrust

O regime legal da política antitrust encontra-se expressamente previsto nos artigos 4, 5 e 6 da Lei 18/2003. O artigo 4, sob a epígrafe «Praticas proibidas», consagra um regime similar ao artigo 81/1 do Tratado CE e o artigo 5 «Justificagao das praticas proibidas» é profundamente influenciado pelo artigo 81/3.A actual redaccáo do artigo 4/1 introduziu um requisito suplementar de aplicacáo: a proibicáo aplica-se aos acordos entre empresas, decisoes de associacoes de empresas e as praticas concertadas que tenham por objecto ou como efeito restringir deforma sensível a concorréncia no todo ou em parte do.territorio nacional. No Relatório de Actividades da AdC de 2003 é referido que o texto legal contempla: «a interpretagáo dada pela praxis da Comissáo Europeia e pelo Tribunal de Justiga, ao artigo 81.° do Tratado», permitindo a «... desconsideragáo dos chamados «casos de importancia menor» e a concentracáo ñas praticas restritivas com um impacto anticoncorrencial significativo». Em nossa opiniáo esta referencia legal nao seria necessária. Com efeito, nao obstante o artigo 81 do Tratado UE nao prever a restricáo sensível á concorréncia como criterio ou requisitode aplicagáo, tal nao impediu a consagragáo de urna política de concorréncia comunitaria que negligencia as restricoes á concorréncia nao significativas, consagrada nomeadamente com a implementagáo da regra de minimis. Nao se vislumbra, assim, qualquer necessidade dePage 459 consagrado deste principio que, de resto, já era aplicado pelo (extinto)Conselho da Concorréncia. Aguarda-se, assim, que no exercício da actividade regulamentadora a AdC regulamente e assim determine os criterios materiais ilustrativos do conceito de restrigáo sensível para efeitos de aplicacáo do direito nacional da concorréncia.

O artigo 4/n°l/alinea f) manteve como prática proibida a recusa, directa ou indirecta da compra ou venda de bens e a prestagáo de servidos, respeitando urna tradicáo legislativa portuguesa. Esta forma específica de restricáo á concorréncia nao tem correspondencia expressa nos artigos 81 ou 82 do Tratado CE. O historial das decisoes emitidas quer pelo (extinto) Conselho da Concorréncia quer pela AdC releva que os sistemas de distribuido selectiva tém sido considerados compatíveis com o normativo legal citado, desde que preencham os demais requisitos de legalidade exigidos pela jurisprudencia comunitaria. Assim, o (extinto) Conselho da Concorréncia em diversas decisoes sustentou a compatibilidade deste tipo de...

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