A reforma do Código de Insolvência e recuperação de empresas e o processo especial de revitalização

AutorPedro Ferreira Malaquias - Miguel Rodrigues Leal
CargoAbogados del Área de Derecho Mercantil de Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas105-111

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Introdução

A deterioração das condições económicas atuais, com as correspondentes e inevitáveis repercussões ao nível da situação financeira das empresas portuguesas, coloca em especial evidência a importância da regulação legal da insolvência. Com o declínio da capacidade financeira do tecido empresarial, o âmbito potencial de aplicação subjetiva das normas que regulam a insolvência alarga-se, multiplicando o seu efeito e relevância económica e social.

Longe vão os tempos em que a insolvência, por si só, era considerada como uma das mais graves manifestações de antijuridicidade; no entanto, esta não deixa hoje de ser uma realidade dramática, tanto pelo estigma a que continua a estar associada, como pelo impacto que tem, nomeadamente na situação económica e social dos indivíduos afetados e respetivos agregados familiares, na economia no seu todo e nos níveis de (des)emprego.

As preocupações com o impacto social e económico da insolvência levaram a que o principal corpo de legislação falimentar anterior à entrada em vigência do CIRE, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril, (CPEREF) traduzisse uma clara opção legislativa de prevalência do interesse público na manutenção de empresas em atividade sobre a tutela dos interesses dos credores da empresa em situação de insolvência, no que Antunes Varela chegou a considerar como uma manifestação de «ternura, desvelo, carinho pelo falido» (Insolvência: Efeitos sobre os negócios em curso, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol. II, setembro de 2005).

A aprovação do CIRE refletiu uma alteração radical do paradigma da regulação do processo de insolvência, numa reação à anterior legislação, tida por excessivamente protetora das empresas falidas. Com o atual código, o legislador passou para segundo plano as medidas de recuperação, voltando a centrar-se na execução da garantia patrimonial dos devedores, por via da liquidação.

A aplicação quotidiana do CIRE revelou as insuficiências e limitações de um regime em que a insolvência passou a significar, salvo casos excecionais, a morte de uma unidade empresarial - insuficiências e limitações que vêm ao de cima quando empresas com valor e viabilidade económica são liquidadas, muitas vezes devido a problemas transitórios e conjunturais. No quadro de uma grave crise financeira e numa altura em que, quotidianamente, as empresas portuguesas se deparam com sérios problemas de falta de financiamento e de liquidez, a reorientação do regime legal para a recuperação de empresas viáveis adquiriu particular premência.

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Assim, sem surpresa, a alteração do quadro legal da insolvência em Portugal foi definida como prioridade no Memorando de Entendimento acordado entre o Estado Português e a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional e foi, consequentemente, apontada como uma das principais medidas a tomar pelo Governo (cfr., por exemplo, o texto «Os 100 Primeiros Dias do XIX Governo Constitucional», disponível no portal do Governo, em http://www.portugal.gov.pt/pt/documentos-oficiais/20110828-100-primeiros-dias.aspx).

Conforme se explica na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII, que deu origem à Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, para além da já referida reorientação do CIRE para a perspetiva da recuperação, a reforma visou, designadamente, a agilização do processo de insolvência através da simplificação de procedimentos e do encurtamento de prazos, o reforço da responsabilidade dos devedores e dos seus administradores em caso de insolvência culposa, o aumento das competências do juiz na gestão processual, a clarificação do âmbito de responsabilidade dos administradores de insolvência e a melhoria da articulação entre a ação executiva e o processo de insolvência.

O processo especial de revitalização
Objetivos e âmbito de aplicação

A grande novidade introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, foi sem dúvida a criação do processo especial de revitalização («PER»), regulado nos novos artigos 17.º-A a 17.º-I do código. Este consiste num processo inteiramente novo, de caráter urgente, que tem como finalidade, num momento anterior à insolvência, permitir ao devedor em dificuldades financeiras, mas suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a chegar a um acordo conducente à sua «revitalização».

Este processo especial dirige-se às empresas que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, não sendo aplicável a empresas que já se encontrem em situação de insolvência, nos termos do artigo 3.º do CIRE.

O PER pode ser criticado, neste aspeto, por ter um âmbito subjetivo de aplicação desnecessariamente restrito, impedindo o acesso a este mecanismo a empresas que se encontrem impossibilitadas de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3.º, n.º 1, do CIRE) ou cujo passivo seja manifestamente superior ao ativo (artigo 3.º, n.º 2, do CIRE, aplicável a pessoas coletivas e a patrimónios autónomos). O conteúdo dos conceitos de «situação económica difícil» e de «insolvência iminente» terá, portanto, de ser delimitado negativamente em relação ao âmbito da situação de insolvência, o que, na prática, força a uma interpretação elástica destes conceitos, sob pena de se retirar qualquer possibilidade de aplicação prática do PER.

O artigo 17.º-B avança com uma tentativa de concretização da noção de empresa em «situação económica difícil», qualificando-a como a que tem «dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito». Quanto à insolvência iminente, terá de consistir numa situação em que ainda não estão verificados os pressupostos do artigo 3.º do CIRE, mas em que a aflitiva situação financeira da empresa em questão revele uma elevada probabilidade de tal vir a acontecer num futuro próximo.

A distinção entre os dois conceitos não é fácil e é mesmo de duvidosa utilidade: as mais das vezes, uma sociedade que tenha dificuldade séria para cumprir as suas obrigações estará numa situação de insolvência iminente e, em todo o caso, os dois conceitos operam alternativamente. Ambos pretendem definir uma situação de «quase insolvência», mais forte que a mera dificuldade financeira e, todavia, mais fraca que a situação de insolvência.

Iniciativa e requisitos

Em termos processuais, a iniciativa para a instauração do PER cabe exclusivamente ao devedor, sendo o tribunal competente aquele que o seria para declarar a sua insolvência, nos termos do artigo 7.º do CIRE (artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a)).

No entanto, o artigo 17.º-C, n.º 1, exige a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, de encetarem negociações com vista à...

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