O 'Programa do Movimento das Forças Armadas' : o singular destino da Constituição revolucionária do 25 de Abril de 1974 em Portugal

AutorRicardo Luis Leite Pinto
CargoUniversidade Lusíada de Lisboa
Páginas309-343
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O “PROGRAMA DO MOVIMENTO DAS FORÇAS
ARMADAS”: O SINGULAR DESTINO DA CONSTITUIÇÃO
REVOLUCIONÁRIA DO 25 DE ABRIL DE 1974 EM
PORTUGAL
THE “ PROGRAMA DO MOVIMENTO DAS FORÇAS
ARMADAS” : THE ORIGINAL HISTORY OF THE
REVOLUTIONARY CONSTITUTION OF PORTUGAL´S 25TH
APRIL 74
Ricardo Leite Pinto
Universidade Lusíada de Lisboa
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO ; I. O 25 DE ABRIL ATRAVÉS DO DIÁRIO DO
GOVERNO: ONDE ESTÁ O PROGRAMA DO MFA ?- II. A VERTIGEM ( E OS
EQUÍVOCOS) DA REVOLUÇÃO PELA IMPRENSA: DOIS PROGRAMAS DO
MFA?- III. AS VERDADEIRAS ORIGENS, TRANSFORMAÇÃO E O DESTINO DO
PROGRAMA DO MFA: A “ LETRA”, O “ NÚCLEO FUNDAMENTAL” , OS “
PRINCÍPIOS” E O “ ESPÍRITO”- IV. A REFLEXÃO HISTÓRICA E POLÍTICA SOBRE
O PROGRAMA DO MFA: AS FORÇAS ARMADAS E O PODER POLÍTICO - V. O
PAPEL DO PROGRAMA DO MFA COMO ACTO CONSTITUCIONAL DO ESTADO
NA FASE TRANSITÓRIA ; 5.1. O Programa do MFA e as leis constitucionais
transitórias 5.2. A legislação transitória como execução do Programa do MFA 5.3. O
Programa do MFA, as decisões pré-constituintes e a teoria do poder constituinte 5.4.
O Programa do MFA , a Assembleia Constituinte e a Constituição de 1976. - VI.
CONCLUSÃO
Resumo: O “Programa do Movimento das Forças Armadas”, dado a conhecer na
manhã do dia 26 de Abril de 1974, após o derrube da ditadura salazarista/
caetanista em Portugal, é um documento político e jurídico original , quer na
História Constitucional portuguesa quer mesmo na História Constitucional
mundial. Será a Constituição Política da Revolução ( 1974-1976) , invocado por
tudo e todos , mas também desrespeitado, e acabará referenciado
discretamente na Constituição Portuguesa de 1976. Mas não fosse o Programa do
MFA não teríamos seguramente a democracia constitucional que hoje existe em
Portugal .
Abstract: The Programa do Movimento das Forças Armadas” published by the
press in the morning of the 26 th April 74 , after the fall of the Salazar and
Caetano dictatorships by the Armed Forces, is a very original juridical and
political document at the light of the Portuguese and even Global Constitutional
History . It represents the first Political Constitution of the Revolution ( 1974-
1976), addressed to all but also largely disrespected. This Political Constitution of
the Revolution will be discretely referenced in the 1976 Portuguese Constitution.
If it were not for the “ Programa do MFA” the Portuguese constitutional
Revista de Historia Constitucional
ISSN 1576-4729, n.17, 2016. http://www.historiaconstitucional.com, págs. 309-343
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democracy, present currently in Portugal , would be completely different and
probably would have never existed.
Palavras Chave: Programa do M.F.A., Revolução do 25 de Abril, Revolução,
Constituição , Decisões pré-constituintes
Key Words: “ Programa do MFA”, “revolution of 25th April “, Revolution””
Constitution” “ Pre-constituent decisions”
INTRODUÇÃO
O golpe de estado/ revolução do 25 de Abril em Portugal completou este ano
42 anos. Se quase tudo já foi dito sobre as origens do movimento militar, os seus
responsáveis, a evolução político-militar subsequente, os golpes e contra-golpes
de 28 de Setembro, 11 de Março e 25 de Novembro , e mesmo sobre papel dos
partidos políticos, dos movimentos operários e sindicais e das potências
estrangeiras parece que nem tudo foi dito sobre a importância histórica, política
e jurídico-constitucional do Programa do MFA. Este constitui um documento
único e inédito na história política e constitucional portuguesa e mesmo
mundial, será a Constituição Política da Revolução, invocado( mas também
desrespeitado) por tudo e todos, e no fim acabará referenciado discretamente na
Constituição de 1976. Mas a verdade é que se não fosse o Programa do MFA não
teríamos seguramente a democracia constitucional em que hoje Portugal vive .
Resgatar do esquecimento esse documento é o propósito deste texto.
I. O 25 DE ABRIL ATRAVÉS DO DIÁRIO DO GOVERNO: ONDE ESTÁ O
PROGRAMA DO MFA?
Tomemos como referência a hipótese de Miguel Galvão Teles que a propósito
do tema “A revolução e o Direito , relata a experiência de alguém, curioso da
história pátria e que alguns anos após o 25 de Abril tropeça no Diário do
Governo ( jornal oficial) da época 1 . O que leria então ? No diário do 25 de Abril
de 1974 encontraria um Decreto proveniente do Ministro da Defesa Nacional,
Joaquim Moreira da Silva Cunha que sujeitava a servidão militar a Estação de
Satélites da NATO instaladas perto de Sesimbra. O mesmo Ministro que à hora
em que o Diário do Governo era distribuído como habitualmente por todas as
repartições do país, fugia através de um buraco feita na parede do seu Ministério2
acossado pelos militares acabados de chegar ao Terreiro do Paço liderados por
Salgueiro Maia. Mas, continuando a ler, o nosso curioso pela história portuguesa
constata que essa mesma edição de 25 de Abril contém um Suplemento, esse
sim cheio de novidades políticas. Um movimento militar terá tomado o poder e ao
abrigo de um intitulado Programa do " Movimento das Forças Armadas
Portuguesas" uma auto designada Junta de Salvação Nacional , presidida por
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1 Vide Miguel Galvão Teles, " A Revolução Portuguesa e as Fontes de Direito" Portugal : O
2 Vide Fernando Pereira Marques, “ Sete Noites, Sete dias” in Do Marcelismo ao Fim do Império (
J.M. Brandão de Brito, org.), Lisboa , Notícias Editorial, 1999
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António de Spínola, elabora e manda publicar leis e decretos -lei. Em rigor uma
Lei e quatro decretos-lei. A Junta de Salvação Nacional não existe obviamente
enquanto órgão de poder na Constituição de 1933. Mas a Constituição de 1933
também não é convocada para coisa nenhuma. Ou seja , da leitura dessa
histórica edição do Diário do Governo, é possível concluir , temerariamente , o
seguinte :
a) que a Junta de Salvação Nacional assumiu poderes constituintes; na
verdade no proémio da Lei nº 1/74 de 25/4 pode ler-se que : " ... a Junta de
Salvação Nacional decreta para valer como lei constitucional o seguinte : " ;
b) que a Junta de Salvação Nacional assumiu, além disso, a quase
totalidade dos poderes do Estado, designadamente os poderes políticos,
legislativos e executivos do Presidente da República, do Presidente do Conselho,
dos Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado ( logo do Governo ) da
Assembleia Nacional e do Conselho de Estado e isso mesmo decorre do art. 2º da
mesmíssima Lei ;
c) que de entre os poderes do Estado o único a que se não faz referência é
ao poder judicial e aos tribunais , assim como nada se diz quanto à Câmara
Corporativa, órgão político consagrado na Constituição de 1933;
d) que a nova lei constitucional é de carácter orgânico, concentrando de
forma absoluta num directório 3 - de que não se sabe o número , nem
concretamente quem o integra, para além do seu Presidente, António de Spínola-
a quase totalidade dos poderes soberanos do Estado.
e) que o novo poder tem a preocupação de destituir ou exonerar de funções
os principais dirigentes políticos, e concretiza-o efectivamente, a saber o
Presidente da República Almirante Américo Tomás, o Presidente do Conselho
Doutor Marcelo Caetano, todos os restantes membros do Governo, os
Governadores Gerais de Angola e Mocambique e os Governadores Civis;
f) que esse mesmo poder extingue desde logo a Direcção Geral de Segurança
, polícia política do regime salazarista/ caetanista ( com uma particular excepção
para o Ultramar, onde permanecerá " depois de saneada " e reorganizada como
"Polícia de Informação Militar", Decreto-Lei nº 171/74 de 25 de Abril, e extingue
também a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa masculina e feminina e o
Secretariado para a Juventude ;
g) e , finalmente, que dissolve a Acção Nacional Popular , " partido político"
único do regime derrubado;
Contudo , o nosso improvisado historiador confrontado com o Diário de
Governo acabado de ler não deixará de se interrogar:
a) onde está esse aparentemente tão decisivo “Programa do Movimento das
Forças Armadas Portuguesas”, ao abrigo do qual tudo parece ter sido feito ?
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3 A estrutura e composição da Junta de Salvação Nacional na sua primeira fase, ou seja até à
Lei nº 3/74 constitui uma excepção à natureza dualista do poder militar que vai prevalecer
durante a fase transitória . Vide Giuseppe Vergottini. Le Origine della Seconda Repubblica
Portoghese, Milão, 1977, p. 219 .
O “PROGRAMA DO MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS: O SINGULAR...
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