O novo código de governo das sociedades da CMVM

AutorJoana Torres Ereio
CargoAdvogada do Departamento de Direito Comercial da Uría Menéndez - Proença de Carvalho (Lisboa)
Páginas154-160

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1. Introdução

O ano de 2013 foi palco de uma evolução particular-mente relevante em matéria de governo das sociedades em Portugal.

De facto, se, por um lado, o Instituto Português de Corporate Governance (o «IPCG») aprovou, em janeiro de 2013, o seu primeiro código de governo societário, por outro lado, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (a «CMVM») aprovou também, em julho de 2013, um novo código de governo societário (o «Novo Código da CMVM»), juntamente com um novo regulamento sobre esta matéria, o Regulamento da CMVM n.º 4/2013 (o «Regulamento 4/2013»), os quais vieram substituir o código de governo societário aprovado em 2010 (o «Código da CMVM de 2010») e o Regulamento da CMVM n.º 1/2010 (o «Regulamento 1/2010»), em vigor desde 2010.

Neste artigo propomo-nos analisar o Novo Código da CMVM e o Regulamento 4/2013, realçando algumas das mais importantes alterações em face, respetivamente, do Código da CMVM de 2010 e do Regulamento 1/2010.

2. O regulamento 4/2013

Começando pelas alterações introduzidas pelo Regulamento 4/2013, cumpre referir, antes de mais, que este regulamento veio flexibilizar a escolha do código de governo societário pelas sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado ou a funcionar em Portugal (por comodi-dade de exposição, referir-nos-emos de ora em diante apenas a «Emitentes»), ao admitir, sem necessidade de qualquer ulterior apreciação por parte da CMVM, a adoção do Novo Código da CMVM ou de um código de governo societário «emitido por entidade vocacionada para o efeito» (cfr. o artigo 2.º, n.º 1), impondo-se apenas que as sociedades sujeitas a lei pessoal portuguesa justifiquem a sua escolha no relatório anual sobre governo das sociedades.

A este respeito, o Regulamento 1/2010 impunha a adoção do código de governo da CMVM ou de um código «equivalente», esclarecendo que para que um outro código pudesse ser considerado «equivalente» o mesmo teria de, em particular, obedecer a princípios e consagrar práticas de governo societário que, globalmente, assegurassem um nível de proteção dos interesses dos acionistas e de transparência do governo societário não inferiores aos assegurados pelo código da CMVM e abranger, pelo menos, as matérias constantes do código de governo das sociedades divulgado pela CMVM.

Com esta alteração, passou, assim, a estar na livre disponibilidade dos Emitentes escolher o código de governo a que se pretendem submeter.

Por sua vez, a aprovação do código do IPCG conferiu aos Emitentes, pela primeira vez, uma alternativa ao código de governo societário da CMVM, alternativa aplicável logo ao exercício de 2013 (cfr. o artigo
4.º, n.º 2, do Regulamento 4/2013, que esclarece que «O relatório de governo das sociedades a submeter pelos emitentes à assembleia geral em 2014, com referência ao exercício de 2013, deverá ser elaborado em conformidade com o presente Regulamento»).

Pudemos no entanto verificar, com base nos relatórios anuais sobre governo das sociedades relativos ao exercício de 2013 de algumas das empresas que

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integram o PSI-20 disponíveis à data em que escrevemos este artigo, que as mesmas optaram por se manter sob a alçada da CMVM, tendo adotado o Novo Código da CMVM (é o caso da PT, da EDP, da REN, da ZON OPTIMUS, da GALP, dos CTT, da SONAE, da ALTRI, do BCP e da Jerónimo Martins), e não o código do IPCG (muito embora algumas destas sociedades, em particular, a PT e a REN, refiram cumprir igualmente um conjunto significativo das recomendações veiculadas pelo código de governo societário do IPCG).

Esta constatação não será de estranhar tendo em conta que a alteração regulatória que veio expressamente permitir a adoção livre do código do IPCG apenas foi publicada em julho de 2013, ou seja, a meio do exercício social de 2013. Com isto quer-se dizer que, na prática, o exercício de 2014 será o primeiro exercício em que a maioria dos Emitentes poderá efetivamente ponderar a adoção do código do IPCG em alternativa ao da CMVM.

O Regulamento 4/2013 veio estabelecer um novo modelo e estrutura para o relatório anual sobre o governo das sociedades (que devem ser observados independentemente do código de governo adotado, o que pode dar azo a algumas dificuldades práticas).

De acordo com o Regulamento 4/2013, este relatório deverá estar dividido em duas partes: numa primeira parte deverá constar a informação relevante sobre a estrutura acionista, organização e práticas de governo da sociedade, numa segunda parte incluir-se-á uma avaliação do grau de cumprimento do código de governo a que o Emitente tenha deci-dido sujeitar-se. Com esta nova estrutura do relatório anual passou a exigir-se aos Emitentes a preparação de apenas um documento sobre governo das sociedades (em contraposição aos dois documentos autónomos exigidos pelo Regulamento 1/2010).

No âmbito do princípio «comply or explain», clarificou-se, no n.º 3 do artigo 1.º do Regulamento 4/2013, o princípio de equivalência material entre o cumprimento das recomendações e a explicação para o seu não cumprimento, referindo-se que as explicações quanto ao não cumprimento de uma recomendação do código de governo adotado deverão ser feitas em termos que (i) demonstrem a adequação da solução alternativa adotada aos princípios de bom governo societário e que (ii) permitam valorar as razões alegadas em termos que tornem essa solução alternativa materialmente equivalente ao cumprimento da recomendação.

Por fim, é também de referir a eliminação dos artigos 3.º e 4.º do Regulamento 1/2010, relativos a obrigações de informação, as quais foram integradas no relatório anual sobre governo das sociedades (cujo âmbito foi, também noutras matérias, alargado, nos termos do modelo de novo relatório sobre governo das sociedades anexo ao Regulamento 4/2013).

3. O novo código da CMVM

Passando ao Novo Código da CMVM, e a título de nota geral, cumpre notar que este código contém 40 recomendações, i.e., menos 14 recomendações que o Código da CMVM de 2010.

Esta diminuição do número de recomendações, refletindo, desde logo, uma simplificação do código (que é, no entanto, e como referido, em muitos...

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