A Intendência Geral da Polícia de Pina Manique (1780-1805): criação e construção de um novo paradigma na política penal em Portugal nos finais do Antigo Regime

AutorMaría Luisa Gama
Páginas97-119
A Intendência Geral da Polícia de Pina Manique (1780-1805): criação e construção de um novo... 97
RJUAM, n.º 33, 2016-I, pp. 97-119ISSN: 1575-720-X
A INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DE PINA MANIQUE
(1780-1805): CRIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE UM NOVO
PARADIGMA NA POLÍTICA PENAL EM PORTUGAL NOS FINAIS
DO ANTIGO REGIME*
M L G**
Resumo: A Intendência Geral da Polícia, criada em Junho de 1760, foi uma instituição central
na reforma iluminista da justiça efectuada em Portugal na segunda metade de Setecentos. Vinte
anos depois, D. Maria I pretendeu dar-lhe uma nova forma, introduzindo alterações no modelo de
actuação e no quadro legal em que passaria agora a movimentar-se, determinando que o Intendente
poderia mandar prender todos aqueles cujos crimes apenas precisassem de alguma correcção, bem
como conserva-los na prisão o tempo que fosse necessário para a sua emenda. Este artigo pretende
analisar as transformações operadas na política penal em Portugal após a reforma da Intendência
Geral da Polícia e da nomeação de Pina Manique para o cargo de Intendente. Que inovações se
verifi cam em relação ao período anterior? Como se pode caracterizar a infl uência do trabalho do
Intendente nas práticas de controlo social deste período?
Palavras-chave: Intendência Geral da Polícia; Pina Manique; Política Penal; Prisões; Casa Pia.
Abstract: The General Intendancy of Police, established in Portugal in June 1760, was a central
Institution in the justice reform promoted by the Crown during the Enlightenment period in the
second half of the eighteenth century. In January 1780, Queen Maria I intended to give it a new
form, changing its procedure. The Intendant could order the arrest all those whose crimes just
need some corrective measures, and keep them in prison as long as necessary for them to be
rehabilitated.
This paper aims to analyse the transformations in criminal justice policy in Portugal resulting from
this institutional the appointment of Pina Manique as General Police Intendant. What innovations
occurred in relation to the previous period? Is it possible to detect and characterize the infl uence
of the Intendant’s work in the social control practices in this period?
Keywords: General Intendancy of Police; Pina Manique; Penal Policy; Prisons; Casa Pia.
* Fecha de recepción: 20 de octubre de 2015.
Fecha de aceptación: 3 de mayo de 2016.
** Bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do projecto Crime,
Criminosos e Justiça Régia em Portugal nos Finais do Antigo Regime (SFRH/BD/84464/2012). Membro
integrado não-doutorado do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora
(CIDEHUS-UÉ). Doutoranda do Programa Interuniversitário de Doutoramento em História (Universidade de
Lisboa, ISCTE-IUL, Universidade Católica, Universidade de Évora). mlgama@uevora.pt
MARIA LUÍSA GAMA
98
RJUAM, n.º 33, 2016-I, pp. 97-119 ISSN: 1575-720-X
S: I. INTRODUÇÃO; II. A CRIAÇÃO DA INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA NO
CONTEXTO DAS REFORMAS POMBALINAS; III. 1780: UMA NOVA FORMA PARA A
INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA; IV. PRESOS SOB AS ORDENS DE PINA MANI-
QUE: PRISÃO E EMENDA NA ACTUAÇÃO DA INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA;
V. CONCLUSÃO; VI. FONTES MANUSCRITAS; VII. FONTES IMPRESSAS; VIII. BI-
BLIOGRAFIA.
I. INTRODUÇÃO
Em 1993, num texto basilar sobre a história da justiça, António Manuel Hespanha
demarcou a segunda metade do século  como um período onde se observou uma clara
mutação no direito penal português. Esta adveio da introdução do despotismo iluminista
enquanto programa político e teve diversas consequências na justiça ao colocá-la ao serviço
das intenções disciplinadoras da coroa1.
O aumento da efi cácia da justiça e consequente aplicação das penas dominou a actua-
ção desta, que ao intervencionar o sistema penal procurou instituir uma nova ordem social,
com a qual pretendia sobretudo controlar e dirigir comportamentos, punir o desvio com
rapidez e de forma exemplar. Para atingir tal desiderato o direito penal deveria converter-se
«num instrumento efectivo, funcionando efi cazmente e sendo, por isso, crível e temido»2.
Para além da intervenção no sistema penal e de diversas mutações institucionais,
houve lugar a uma reforma geral do direito e do sistema judicial, que se manifestou em
momentos muito específi cos como a criação da Intendência Geral da Polícia (1760); a Lei
da Boa Razão (1769); a reforma dos estudos jurídicos da universidade de Coimbra (1772);
o projecto do Novo Código (1778) e a restruturação da organização judiciária (1790-1792)3.
Destes marcos interessa-nos destacar a Intendência Geral da Polícia, instituição pensa-
da para gerir efi cazmente os fenómenos da criminalidade e violência, área na qual Portugal
parecia ter alguns atrasos, se comparado com outros países europeus, nomeadamente com
a França4, que havia criado uma instituição similar quase um século antes5.
1 HESPANHA, A. M., Justiça e litigiosidade: história e prospectiva, Lisboa (Fundação Calouste
Gulbenkian), 1993, pp. 321-328.
2 Ibíd., p. 321.
3 Ibíd., p. 322.
4 Sobre o desenvolvimento das polícias europeias ao longo do século  veja-se DENYS, C., «The
development of police forces in urban Europe in the eighteenth century», Journal of Urban History, vol. 36,
n.º 3 (2010), pp. 332-344. Sobre o caso português AGUA, F.B.D., «L’Intendance générale de police de la cour
et du royaume du Portugal: quelques réfl exions sur son histoire et ses références européennes», em C. Denys
(org.), Circulations policières: 1750-1915, Lille (Presses de l’Université du Septentrion), 2012, pp. 139-158.
5 A criação do cargo de «lieutenant de police» em Paris, foi um momento fulcral, pois demarcou, de forma
precisa e pela primeira vez o campo da polícia, tanto nos seus propósitos losó cos como nos seus meios e
ns de actuação. Ainda que estivesse sempre interligada com a justiça, colocou-a num plano de actuação
distinto da justiça contenciosa, NAPOLI, P., Naissance de la police moderne. Pouvoir, normes, société, París
(La Découverte), 2003. O diploma português de 25 de Junho de 1760 consagrou o mesmo princípio, para

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR