A exigível presença das comunidades linguísticas na transformaçao do reino de Espanha em estado federal

AutorXavier Vilhar Trilho
CargoProfessor da Universidade de Santiago de Compostela
Páginas121-130

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Cierra los ojos muy suave pestaña contra pestaña sólo es español quíen sabe las cuatro lenguas de España

Gabriel Aresti

A questao mais espinhenta com que tropegará a transformafao do Reino de Espanha em Estado federal será sern nenhuma dúvida a determinacao de quem vao ser as enddades assinantes do pacto federal, as redactoras da Constituicao federal, e quem, conseguintemente, serao os Estados federados membros da futura federacao.

Quantos e quais serao os Estados federados membros do futuro Estado federal? Em princípio, nao se poderia estabelecer nenhum tipo de limitagao, de tal forma que se voltasse a surgir um movimento cantonalista em Cartagena, como tem acontecido na época da I República, e reivindicasse ser um dos Estados federados da federacao, ninguém se poderia opor com argumentos democráticos a tal precensao. Aspiracao cantonalista, que, por óutra parte, nao teria porque escandalizar a ninguém nem ser considerada como desorbitada, se temos em conta que há Estados federais, como a República Federal da AJemanha, que abrange dentro de si Estados federados (Hamburgo e Brema) que nao têm mais extensao territorial da que têm o terrkório dessas cidades, Nao há que cemer que muitas cídades aspirem a ser «cidadesEstado», como para Corunha pretende o presidente da sua cámara municipal, o socialista Francisco Vázquez,

A todas aquelas entidades de base cerrítorial que se sentissem com capacidade para se candidatar como Estados federados deveriaselhes rePage 121conhecer tal condicao. Hoje em dia, o mais provável é que todas as actuais Comunidades Autónomas se postulem como as assinantes do pacto federal e, por conseguinte, como os futuros Estados federados membros da federacao, devido a causas como a inércia do existente Estado das Autonomias, as expectativas criadas com o período de rodagem já disfrutado pelas actuaís Comunidades Autonómas, os ciúmes provocados pelas que acederam á autonomia pela via rápida nas que o fizeram peía via lenta e os agravios comparativos que, agora, provocaria o facto de que umas alcancassem a condicao de Estado federado e outras nao. De qualquer maneira, haveria que deixar aberta, quer no mesmo momento de constituicao do Estado federal quer posteriormente, a possibilidade de federacao entre as diversas Comunídades Autónomas actuais. Reduziriase, assim, o número dos que seriam os futuros Estados federados do futuro Estado federal, com a racionalizada criacao de unidades federadas homogéneas e mais extensas (por exemplo: a dos Païms Catalans por federacao de Catalunha, País Valenciano e Ilhas Baleares; a de EuskalHerria por federacao do País Basco e Navarra; ou a integracao na dos Países Castellanos de Cantabria, ha Rioja e Madrid). O qual nao obstaria para que, nalgum caso concreto, se pudesse criar alguma nao existente no panorama autonómico actual (como poderia ser, por motivos históricos, Leao).

Ora bem, nao seria aconselhável que todas e cada uma das actuais Comunidades Autónomas tivessem o mesmo peso no relativo á fixacao do regime linguístico da federacao nem que a regulacao do uso das línguas nao fosse competéncia daquelas comunidades que têm uma língua própria. Nao o seria, porque, nesse suposto, os redactores da Constiti%ao federal e os membros de língua castelhana do futuro Senado sempre constituiriam uma maioria a respeito dos de língua diferente. Essa maioria castelhanofalante nao seria proclive a proclamar o catalao, galego e êuscara línguas ofíciais do Estado federal (como nao o foi no momento da redaccao da vigo rante Constituicao de 1978), nem seria favorável a atribuir competência exclusiva sobre matéria linguística aos Estados federados com língua própria, nem a reconbecerlhes um direito de veto sobre tal matéria. Nao é concevível a conversao do Reino de Espanha num Estado federal sem assumir sem ambages a plurilinguismo existente nele, o que, entre outras coisas, exigiria a proclamcao do castelhano, catalao, galego e éuscara, corno línguas ofícais dos órgaos da federafao. Nao seria substantivamente igualitário pór sobre um mesmo plano e tratar de uma maneira uniforme e homogeneizadora realidades tao dispares, nao só por razoes linguísticas, como nacoes (Catalunha, EuskalHerria, Galíza), regioes (Andalucia, Aragón, Asturias, CastillaLeón CastillaLa Mancbd) e inclusive simples proPage 123vincias (Cantabria, La Rioja, Madrid, Murcia) de entidade nacional castelhana, distantes ilhas da plataforma continental adántica de Africa (o arquipélago das Canárias) e cidades marroquinas como Ceuta e Melilha.

Nós somos da opiniao de que a construcao do Estado federal teria que ser resultado da decisao do poder constituinte de todos e cada um dos povos das nagoes —castelhana, catala, galega e basca— hoje integradas no Estado espanhol, cujo território, no que estao assentadas, seria o que constituiria o dos Estados federados desse Reino (ou República) Federal de Espanha. Coisa simultaneamente compatível com que esses Estados federados possam estar, por sua vez, internamente estruturados como federagoes de Estados ou como Estados federados cotn autonomias regionais no seu interior. Assím, por exemplo, Andaluzia poderia ser um Estado federado ou uma regiao autónoma dos Países Castelhanos; o País Valenciano um Estado federado ou uma regiao autónoma dos Países Catalaes; e Navarra um Estado federado ou uma regiao autónoma de EuskalHerria. Condicao, do País Valenciano ou das Ilhas Baleares, como Estados federados da federacao dos Países Catalaes, que seria acorde com a tradicao confederal da Coroa catalanoaragonesa e, no caso de Navarra, com o tradicional autogoverno das Juntas Gerais e Deputacoes Forais dos Territórios Históricos do País Basco.

Somos conscientes de que este delineamento «quatrinacional» do problema nao é facilmente assumível por aqueles que pensam que, da mesma forma que maes nao há mais que uma, no Reino de Espanha nao há mais nacao que a espanhola. Mas, o que sim poderia admitir inclusive o mais acérrimo defensor da unidade nacional de Espanha é que no Reíno de Espanha existe uma realidade plurilingue que deve ser reconhecida a nível de Estado com todas as consequéncias, porque isto nao teria porque menoscabar a unidade política do mesmo. Assim, um nacionalista espanhol jacobino como GarcíaTrevijano,1 sendo contrário inclusive ao Estado das autonomias, admite que se reconduza na direccao de um Estado simplesmente descentralizado, que, nao obstante, concederia autonomia, ainda que só nos aspectos linguísticos, á CataJunha, País Basco e Galiza. De igual modo, um nacionalista espanhol conservador como Mariano Rajoy,2 dirigente do Partido Popular, querendo ir a uma igualacao competencial básica entre as Comunidades Autónomas, tolera excepcoes na matéria vinculada ao facto diferencial da língua própria.

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Em consequéncia, ninguém se poderia negar a que os sujeitos constituintes e e constitutivos do futuro Estado federal se determinassem em base a dois eixos conformadores (seria, neste sentido, um Estado federal bidimemional), que nao se sobreporiam: o das Comunidades Linguísticas e o das Comunidades Autónomas existentes. Seguiriase a orientacao do modelo da vigorante Constituicao belga de 1994, que reconhece —como componentes do sistema federal que instaura— as comunidades linguísticas e as regioes. Com efeito, a vigorante Constituicao belga estabelece: «A Bélgica é um Eslado federaí que se compoe de comunidades e de regioes» (art. lcr);3«A Béígica compreende trés comunidades: a Comunidade francesa, a Comunidade flamenca e a Comunidade germanófona», art. 2);4 «A Bélgica compreende quatro regioes linguísticas: a regiao de língua francesa, a regiáo de língua nerlandesa, a regiao bilingue de BruxelasCapital e a regiáo de língua alema (art. 4);5 «A Bélgica compreende trés regióes: a Regiáo valona, a Regiáo flamenca e a Regiao bruselense» (art. 3).6 Comunidades linguísticas e regioes que, dada a estruturacao bipolar do federalismo belga em duas grandes comunidades (neeriandófona e francófona), se acavalam, já que os Conselhos de Comunidade se constituem em base aos Conselhos de Regiao, com a úníca excepcao do Conselho da Comunidade germanófona, que é elegido directa e independentemente de qualquer Conselho regional, pois nao tem correspondéncia numa paralela regiao, como acontece nos casos das comunidades nerlandófona e francófona, que se correspondem com as regioes flamenca e valona, respectivamente. O acavalamento é tal, que do lado nerlandófono existe um só Conselho flamenco fque exerce as competências da Regiao flamenca) e, no caso do lado francófono, ainda que existe um Conselho da Comunidade e um Conselho da Regiao, a possibilidade de transferência de competéncias da Comunidade francesa á Regiao valona favorece o predorninio da entidade regional na parte francófona do país, acentuando assim, por outra parte, a assimetria das instituicoes federadas da Bélgica.7

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As comunidades linguísticas da Bélgíca participam na formacao da vontade do poder legislativo federal, já que a Constituicao belga estabelece, no seu art. 67, que o Senado se compoe de: 40 senadores elegidos directamente (25 pelo colegio eleitoral nerlandés e 15 pelo francês), 21 senadores de Comunidade elegidos pelos Conselhos de Comunidade (10 pelo Conselho flamenco, 10 pelo Conselho da Comunidade francesa e 1 pelo Conselho da Comunidade germanófona) e 10 senadores cooptados (designados conjuntamente pelos senadores de Comunidade de cada grupo linguístico, 6 pelo grupo nerlandés e 4 pelo grupo francês). Para além disso, a ConstituÍ^ao beiga ordena, no seu art. 43.1, que, para determinados casos e na maneira fixada pela lei, os membros elegidos de cada Cámara (Cámara de Representantes e Senado) se agrupem num grupo linguístico francés e um grupo linguístico nerlandés.

Inspirandose nesse modelo, na Camara de representacao territorial do futuro Estado federal espanhol estariam representadas, neste caso sem acavalarse, tanto as comunidades linguísticas (castelhana, catalá, galega e basca) como as dezasete Comunidades Autónomas actualmente existentes. As Comunidades Linguísticas teriam competéncia exclusiva em matérias relacionadas com o uso das línguas, cultura e ensino (federalismo assimétrico no terreno linguísticocultura!). E, as que vinham sendo Comunidades Autónomas passariam a ter, além das iguais competências que tradicionalmente vém sendo atribuidas aos Estados federados membros de um Estado federal, outras competéncias diferenciadas (federalismo assimétrico no plano económico). Regime diferenciado, que atribuiria às economicamente atrasadas as competéncias mais adecuadas para que possam superar a sua situacao de subdesenvolvimento e de desenvolvimente dependente e, ás economicamente avancadas, aquelas outras competéncias que lhes permilam que o seu grau de desenvolvimento nao se veja lastrado com a financiagao das economias daquelas comunidades que vivessem do subsídio improdutivo e do assistencialismo clientelar estatal. Quer dizer, o Estado federal espanhol viria em ser um Estado federal cultural e competencialmente assimétrico e baseado numa solidariedade de dupla direccao (solidariedade dos Estados federados mais economicamente desenvolvídos com os subdesenvolvidos e de estes com aqueles).

No eixo das comunidades Jinguísticas, a primeira difículdade com que nos tropefariamos seria a de determinar quais sao e que límites teriam essas comunidades linguísticas. Poderiam ser assuntos de nao pacífica clariPage 126ficagao, máxime se temos em conta que mesmo no Boletin Oficial del Estado, do 29 de Dezembro de 1978, se chegaram fazer, em cumprimento do mandato da disposicao final da Constituicao («Esta Comtitución [...]. Se publicará en las demás lenguas de España») cinco versoes —balear (jí'c), catala, galega, valenciana e vasconca— do texto oficial em castelhano. Haveria, entao, que constituir, contando com a espanhola ou castelhana, seis (!) comunidades linguísticas? No Reino de Espanha (o terceíro Estado de Europa mais plurilingue, depois das extintas Uniao Sovíética e Jugoslavia e equiparado com a Confederacao Helvétiva) há várias línguas, mas nao tantas como versoes fiz do texto castelhano o Boletín Oficial do Estado. Outro exemplo disgregador de uma comunidade linguística é o do art. 7.1 do Estatuto de Autonomia da Comunidade Valenciana, que estabelece que os dois idiomas ofícíais da Comunidade Autónoma Valenciana sao o valencianoe o castelhano. Os que falam valenciano nao formariam,entao, parte da comunidade linguístíca catala? E, quais seriam os límites das comunidades linguísticas catala e galega? Terminariam nas fronteiras das Comunidades Autónomas de Catalunha e Galiza, onde tém sido declaradas oficiais, sem se extender até aquelas comarcas onde também se falam o catalao (na faixa ocidental de Aragao) e o galego (até o rio Navia em Asturias e nas comarcas do Bergo e Sanábria de CastelaLeao)? E, nao é também atentatório contra a unidade estrutural da comunidade linguística galegoportuguesa realizar una estandardizacao ortográfica, léxica e morfosintáctica do galego separada do portugués, como trata de impor o Decreto de normativizacao do galego da Junta de Galiza? Isto último é também o que pretendem na Comunidade Valenciana aqueles que propugnam uma ortografia para o valenciano distinta da que se usa no catalao escrito na Catalunha, nas Ilhas Baleares e também nos ambientes cultos valencianos, que seguem a esteira das normas de Pompeu Fabra e das normes de Castelló.

Com critérios filológícos e sociolinguísticos sérios haveria que dizer que as comunidades iinguístícas do Reino de Espanha sao quatro (espanhola ou castelhana, catala, galega e basca), cujos territórios deveriam ser todos aqueles onde historicamente as línguas definidoras de tais comunidades se vinham falando ou, como mínimo, naqueles onde ainda hoje se falam maioritariamente ou nos quais todavia cém uma forte presenca socíal. Os habitantes dos territórios onde estao ubicadas essas quatro comunidades linguísticas designariam, por cada uma delas, igual número de representantes para a Assembleia constituinte federal e, uma vez constituido o Estado federal, para a Cámara de representacao territorial do mesmo. Neste Senado, uma mocao motivada, assinada por todos os representantes de uma dessas comunídades linguísticas, suspenderia a tramitacáo de qualPage 127quer iniciativa legislativa que afectasse ao regime jurídico das línguas nos órgaos da federacao.8Assim mesmo, qualquer proposicao de lei federal relativa ao regime jurídico das línguas nos órgaos federais centrais, precisaria, para ser aprovada, de uma maioria dos sufrágios positivos dos representantes de todas e cada uma das comunidades linguísticas.9 Portanto, os representantes das Comunídades Linguísticas (que, conjuntamente com as actuais Comunidades Autónomas, constituiriam os dois tipos de entidades com preséncia na Camara de representacao territorial, ao jeito dos clássicos Estados federados) seriam os que teriam competéncia para regular o uso das línguas a nível federal e nas relacoes dos órgaos federais centrais com os das Comunidades Linguísticas e Comunidades Autónomas com língua própria, porque fora desses ámbitos a matéria linguística seria competéncia exclusiva dos Parlamentos ou Assembleias Legislativas das Comunidades Linguísticas. Inclusive, seguindo também o modelo belga,10 haveria que lhe atribuir aos Governos das Comunidades Linguísticas, com o assentimento das Assembleias Legislativas das Comunidades Linguísticas, a competéncia para assinar tratados internacionais em matéria de cultura.

Em consequência, uma vez constituido um auténtico Estado federal — quer dizer, que se tenha constituido seguindo um processo constituinte federal «politicamente correcto» (através de uma decisao livre e soberana das entidades políticas de base temtorial que decidetn assinar o pacto de federacao) e que se componha de maneira completamente federal (ou seja, no que as entidades federadas estejam representadas paritariamente em todos os poderes federais, nao só no Legislativo senao também no Executivo e no Judicial)— é de esperar que, no articulado da sua Constitui^ao federal, se estabeleca algo assim como:

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1. O Reino de Espanha compreende quatro comunidades linguísticas: a de língua castelhana ou espanhola, a de língua catala, a de língua galega ou portuguesa da Galiza e a de língua basca.

2. Formam parte de cada uma dessas comunidades linguísticas todos aqueies territórios nos que historicamente (quer dizer, desde faz séculos até um tempo mesmo relativamente recente) se falavam as línguas próprias identificativas de tais comunidades e em grande parte dos quais todavia se vém falando numa proporcao numericamente significativa quando nao maioritária. Deste modo, o território da Comunidade Lingutstica Caíala abrange o das Comunidades Autónomas de Catalunha, País Valenciano, IIhas Baleares e a faixa ocidental da Comunidade Autónoma de Aragáo; o da Comunidade Lingutstica Galega compreende o da Comunidade Autónoma de Galiza e o das comarcas entre os rios Eo e Navia na Comunidade Autónoma de Asturías e a do Berco e a de Sanábria na Comunídade Autónoma de CastelaLeao; e o da Comunidade Linguútka Euskalduna inclue o das Comunidades Autónomas do País Basco e de Navarra.

»3. Os limites destas regioes linguísticas só poderao ser modificados por acordo da maioria dos representantes de todas e cada uma das comunidades linguísticas com presenca na Cámara de representagao territorial da federacao.

»4. No território de cada comuaidade linguística a língua oficial é a própria identificativa da comunidade, mas os castelhanofalantes residentes nos territórios de comunidades linguísticas distintas da castelhana terao garantidos os seus direitos linguísticos subjectivos, entre eles o direito a se comunicar em castelhano com as disrintas Administracoes ubicadas nesses territórios e a que estas Administracoes lhes atendarn e respondam em igual língua. Nos órgaos federais sao ofíciais o castelhano, o catalao, o gaiego e o basco. Qualquer destas línguas poderá ser ucilizada pela Federacao nas suas relacoes com outros Estados ou com organismos internacionais.

»5. A competéncia em matéria linguística para regular o uso das línguas corresponde em exclusiva às Assembleías Legislativas das Comunidades Linguísticas. Os mandatários das comunidades linguísticas, membros da Camara de representacao territorial da federacao, só sao competentes no referente ao desenvolvimento do regime linguístico consdtucional federal que se aplique nos órgaos federais centrais e nas relacoes entre estes órganos e os das Comunidades Linguísticas e Comunidades Autónomas com língua própria. Os Governos das Comunidades Linguísticas poderao, com a aprovacao das Assembleias Legisladvas das mesmas, assinar tratados inPage 129temacionais em matéria relativa a estandardizacao, uso, protecgáo e promocao das línguas próprias.

»6. A política linguística, nos territorios históricos das comunidades linguísticas diferentes da castelhana, estará orientada a integrar harmonicamente nelas os castelhanofalantes residentes neles. A consecucao do unilinguismo social em ditos territórios, em base a língua da comunidade linguística assentada históricamente neles, é considerada meio necessário para lograr a sobrevivência de dita comunidade linguística. Este objectivo nunca impedirá a aprendizagem escolar de, como mínimo, duas línguas de dimensao intemacional como línguas de relacao.»

Se se entende por espanhola soma integradora das diversas culturas do Reino de Espanha {ou melhor da península ibérica, abrangendo portanto também a Portugal, pois essa era a Hispania romana), para que os futuros cidadaos de um futuro Estado federal espanhol fossem plenamente espanhois nesse sentído integrador, poderiaselhes pedir, ainda que nao exigir, que realizassem na sua própria pessoa o que dizem os versos do poeta basco Gabriel Aresti, que figuram como lema inspirador no epígrafe do frontispício deste trabalho: «Cierra los ojos muy suavel pestaña contra pestaña/ sólo es español quien sabe/ las cuatro lenguas de España». Mas, o que sim seria exigível, porque isto sim que é factível, é que, como mínimo, nos órgaos centrais desse futuro Escado federal (que quisesse ser espanhol no sentido integrador aludido acima) se conhecam, porque seriam oficiais nele, as quatro línguas da Hispania. Os órgaos centrais federais e todos os funcionários, que desempenhem a funcao pública nos territórios das diferentes comunidades linguísticas do mesmo, estariam obrigados a atender e responder aos cidadaos nas línguas destes, porque, entre outras razoes, todos os cidadaos tém direito a receber, em virtude do princípio de igualdade, uns servicos públicos de igual qualidade, quer dizer, nas suas próprias línguas. De nao ser assim, nao é de estranhar que as comunidades nacionaiitárias com língua própria nao estejam interessadas na construccao de um Estado federal.

Somos conscientes de que toda essa «quadratura» federal do actual Estado das Autonomias que propomos, vem ser algo táo pouco possível como intentar a quadratura do círculo, dado que o nacionalismo estatalista espanhol dos poderes de facto (entre os quais há que contabilizar —além do Exército e os grupos de pressao financeiros e da grande industria— a classe política espanhola de direita e de esquerda) seria totalmente contrário a um Estado federal do tipo que propugnamos. Claro que mais impossível éPage 130um Estado das Autonomias «federalízável», ou «federalizante» ou que se possa, como mantem Fraga Iribarne, federalizar o Estado das Autonomia sem revisar partes fundamentais da Constituicao, pois isto nao se pode fazer sem pôr em andamento o procedimento especialmente rígido do art. 168 da Constituicao, que dificulta enormemente tal tipo de revisao constitucional, mas do que seria inevitável ter que fazer uso se se quer um Estado realmente federal. E também menos factível que a nossa quadratura do Estado das Autonomias é que possa baver paz política no Reino de Espanha sem que, como mínimo, se estruture de acordo com um respeitoso tratamento autenticamente democrático (efectivamente igualitário) da realidade pJurilingue existente nele. Mais impossível do que a construcao no Reino de Espanha de um auténtico Estado federal assimétrico e solidário é que nele possa perdurar fdizmente um pseudoEstado federal ou um Estado federa] simétrico de feítio liberal clássico.

Ora bem, ainda que se dê um tratamento realmente proteccor da dimensao linguística das nagoes integradas no Estado espanhol e uma política económica eliminadora das desígualdades exiscences entre elas, outros factores podem fazer que algumas destas nacoes prefiram viver aparte em lugar de federadas. Vejamse nisto o tembém esclarecedor exemplo dos flamencos e quebequenses, que, apesar do bastante igualitário trato que recebem numa Bélgíca e num Canadá federais, nao estao satisfeitos com a uniáo federal e aspíram á separacao: no suposto dos fkmencos através de sucesivas, e muito seguidas no tempo, exigéncias de revisao da Constitui^ao num sentido cada vez mais confederal (a última efectuada no 1993 e a próxima prevista para 1999) e no caso dos quebequenses por meio de reiterados referendos de secessao (o último celebrado em 1995 e o próximo previsto para a primavera de 1997 ou, sc nao há um disolucao anticipada do Parlamento do Quebeque, para o remate da actual legislatura em 1999). Inclusive uma federacao ideal pode ser aceitada mal.

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[1] Ver García-Trevijano A., Del hecbo naáonala la conciettcia de España o El Discur-so de ln República, Ediciones Temas de Hoy, Madrid, pp. 120-21 e 294.

[2] Declaracóes a El País, de 20 de Fevereiro de 1996.

[3] «La Bélgique est un État jéderal qui se compase des communautés et des régions».

[4] «La Belgique comprcnd trois communautés: la Communaute francaise, la Comtmtnau-té flamande et la Communauté germanophone».

[5] «La Bélgique comprcnd quatre régions linguístiques: la région de íangue francaise, la région de langue neerlandaise, la région bilingue de Brnxelles-Capital et la région de langue allemande».

[6] «La Belgiejue comprend trois régiom: la Région wallonne, la Région flamande et la Ké-gion bmxelloise».

[7] Para uma análise do actual carácter federal do Reino de Bélgica, ver Alen A. e Er-gec R., La Belgique fédérale apres la quatrieme reforme de l'État de 1993, Ministère des Affaires étrangéres, du Commerce extérieur et de la Cooperation au Développement, Bruxe-lles, Marco, 1994.

[8] Algo simílar ao procectimento «de sonnette d'alarme» do art. 54 da vigorante Cons-ticuicao belga, segundo o qual «une motion motivée, signée par les trois quarta au moins des membres d'ttn des groupes linguistiques el introduite aprés le dépôt du rapport et avant ie vote final en séarice pubtique, petil déclarer que tes dispositions d'un project ou d'une proposüion de loi qu'elle désigne sont de ttature a porter gravement atteinte aux relations entre les commu-nautés».

[9] Maioria qualificada semelhante a exigida para situacoes como a contemplada no pa-rágtafo terceiro do art. 4 da actual Constituiíao belga: «Les limites des quatre régions lin-guistiques ne peuvenl étre chartge'es ou rectifiées que par une loi adoptée á la majorité des suf-frages dans chaque groupe linguistique de chactme des Chambres, a la condition que la majorité des membres de cbaque gronpe se trouve réunie ei pour autanl que le total dei votes pmitifs émis dans ks deux groupes linguistiques atteigne les deux tiers des suffrages exprímés».

[10] «Les Gouvernements de communauté et de région visés á l'artide 121 concluent, cha-cun pour ce qui íe concerne, les traiíés portant sur les matiéres que relévent de la compéíence de leur Conseil. Ces traités rt'ont d'effet qu´ apres avoir requ l'assentirttent du Conseit» (art. 167.3 da actual Constituicao belga).

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