O direito de sequéncia (droit de suite) em Portugal

AutorMaria Victoria Rocha
Cargo del AutorDocente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Porto
  1. O direito de sequéncia pode ser definido como o direito de o artista plástico participar económicamente nas vendas ou, mais ampiamente, nas transmissóes onerosas de propriedade, das suas obras no mercado secundario de arte.

    A nivel internacional, este direito está apenas previsto no artigo 14 ter da Convençáo de Berna (introduzido na Revisáo de Bruxelas como art. 14 bis), embora nao como um direito mínimo garantido, mas como urna faculdade sujeita a reciprocidade.

    Actualmente está a correr os seus termos urna Proposta de Directiva comunitaria visando a sua harmonizaçáo nas legislaçóes dos países da Uniáo Europeia [última versáo em JO C 125/98 (COM) 78 final-96/0085 COD] (1)

    Dos quinze Estados-membros da Uniáo Europeia, há quatro que nao prevéem o direito: a Inglaterra, a Holanda, a Irlanda e a Austria. Para além disso, embora nos restantes países comunitarios o direito esteja previsto, o seu regime é muito variável, designadamente em termos de modalidades de participado, ámbito subjectivo e objectivo, administrado e eficacia. Os países da Uniáo Europeia onde o direito tem mais expressáo sao a Franga e a Alemanha.

    Em Espanha, o direito está previsto, sob a epígrafe «derecho de participación», no artigo 24.° do Texto Refundido de la Ley de Propiedad Intelectual e regulamentado no Real Decreto 1434/1992, de 27 de Novembro. A sua eficacia é razoável(2).

    Em Portugal, está previsto no artigo 54.° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) e a sua eficacia é reduzida.

    Para além dos países da Uniáo Europeia, o direito de sequéncia está previsto em muitos outros países (no total, mais de 50) embora, em regra, seja destituido de eficacia, quer por falta de um mercado secundario de arte, quer por um regime desadequado, quer ainda, pelos lobbies que se levantam contra o direito.

    Entre os países que nao prevéem o direito de sequéncia contam-se grandes potencias no mercado de arte, como sejam os EUA (o direito nao está previsto a nivel federal, embora esteja previsto no Estado da California), a Suíga ou o Japáo (um dos argumentos esgrimidos pela Inglaterra contra a harmonizado comunitaria é o risco de deslocaçáo das vendas, em especial, para Nova York, caso o mercado londrino venha a ser onerado com o direito).

    O direito de sequéncia nasceu em Franca, onde foi previsto por lei especial de 20 de Maio de 1920. A propaganda entáo desenvolvida em torno do direito atribuíalhe urna razáo de ser sentimental. Tratava-se de criar um novo direito que permitisse aos artistas e seus herdeiros participar nos aumentos de valor, por vezes espectaculares, ocorridos no mercado secundario. Sem esse direito os artistas plásticos e seus herdeiros, muitas vezes em condiçóes de vida miseráveis, assistiam ao enriquecimento dos intermediarios e dos sucessivos compradores, nao podendo beneficiar das maisvalias ocorridas com as revendas, precisamente porque já haviam vendido a obra, no mercado primario, muitas vezes por presos diminutos e por razóes de sobrevivencia. O direito de sequéncia era, entáo, apontado como soluçáo para esta grave e inadmissível injustiga.

    Cedo se tornou claro que a fundamentado sentimental era equívoca e demagógica, porque o direito nao pode beneficiar os artistas miseráveis e desgranados, nem os seus órfáos ou viúvas. Precisamente, porque o direito só actúa no mercado secundario de arte, Le., no mercado de revendas, e só os artistas mais conhecidos e mais bem sucedidos, em regra, tém um mercado de arte secundario significativo.

    A única fundamentado credível para este direito só pode ser encontrada em sede de direito de autor. Devese partir do facto, incontestado, de que os artistas plásticos nao sao táo beneficiados pelos direitos de autor como os outros autores, pelo tipo de obra que criam e pelo tipo de exploraçáo económica de que as suas obras sao, em regra, objecto.

    Porque na obra plástica a obra se funde no suporte, a venda é a forma normal de exploraçáo. As obras plásticas, pela sua peculiar natureza, nao sao normalmente exploradas no sentido lato do termo, designadamente através dos direitos de comunicado pública em massa, reproduçáo, aluguer ou empréstimo.

    A venda no mercado primario, caso nao haja direito de sequéncia, é a única, ou, pelo menos, a principal, fonte de rendimento que o artista obtém com a sua obra. Regra geral, pela exposiçáo pública nada se paga aos artistas (embora o direito de exposiçáo pública tenha potencialidade para ser urna boa fonte de rendimento do artista, em termos de direitos de autor, dado que as obras se destinam a ser contempladas) e os direitos de reprodujo, aluguer, ou empréstimo, só excepcionalmente aproveitam ao artista plástico. Há assim que constatar que, em termos de direitos de autor, embora haja urna igualdade formal entre os diversos autores, há urna desigualdade material. O direito de sequéncia tem por funçáo colmatar esta desigualdade material.

  2. O direito de sequéncia foi previsto em Portugal pela primeira vez no Código de Direito de Autor de 1966 (aprovado pelo Decreto-Lei 46 980, de 27 de Abril do mesmo ano)(3) (4).

    Reconhecia-se entáo ao autor que transferisse urna obra de arte original, um manuscrito original ou o direito de autor sobre urna obra, o direito irrenunciável e inalienável de participar em qualquer aumento de valor ocorrido nas alienaçóes subsequentes, desde que o alienante beneficiasse de um acréscimo considerável de prego.

    A participado era fixada numa percentagem de 10 % sobre o aumento de prego nas vendas até 10.000$00 e de 20 % nas vendas por valor superior. O direito estava excluido quando o aumento de prego resultasse apenas da desvalorizaçáo da moeda, por neste caso nao existir urna qualquer maisvalia real.

    A opçáo por um sistema de direito de sequéncia cobrado em funçáo da maisvalia obtida equivaleu a consagrar urna norma impraticável, á semelhanga do ocorrido em todos os países que optam por esta formulaçáo do instituto(5). Apurar a maisvalia obtida supóe um complicado processo de conhecimento e prova dos pregos das sucessivas aquisiçóes, num mercado restrito e pouco transparente como é o mercado de arte. Como complicaçáo acrescida, introduzia-se o conceito indeterminado de «aumento substancial de prego», potenciador de incerteza e conflitualidade. So verificado tal aumento o autor teria direito de sequéncia.

    A lógica da percentagem progressiva também era criticável, urna vez que, sem motivo, os autores das obras mais caras recebiam mais proporcionalmente (o dobro) do que os das menos caras. O direito aparecía, assim, bastante elitista.

    Acresce que a introduçáo do direito ao autor receber urna percentagem a título de direito de sequéncia em caso de alienaçáo, já nao da obra plástica ou manuscrito, mas do direito de autor sobre urna qualquer obra (que ainda hoje se mantém), conduzia o direito muito longe, a hipoteses para que nao fora tradicionalmente pensado, levantando, além do mais, a questáo da compatibilizaçáo do artigo 59.° com o entáo artigo 60.°, que previa o direito de compensaçáo suplementar(6).

    A evoluçáo internacional e o facto de o CDA assentar num projecto de 1953, impuseram a revisáo do Código. Os trabalhos arrastaram-se por muitos anos, até que finalmente surgiu o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).

  3. O primitivo texto do CDADC, na versáo aprovada pelo Decreto-Lei 63/85, de 14 de Margo, mantinha o sistema de participaçáo na maisvalia. O direito estava entáo previsto no artigo 58.° (7). Previa-se a favor do autor que tivesse alienado obra de arte original, manuscrito, ou direito de autor sobre obra sua, o direito, inalienável, irrenunciável e imprescritível, de participar em 6 % na respectiva maisvalia, todas as vezes que as obras fossem de novo alienadas por prego superior ao dobro do prego da transacçáo precedente. Estavam excluidas do direito as obras de arquitectura e de arte aplicada.

    Além de o sistema previsto ser o da maisvalia, já de si condenado ao fracasso, agravado com o facto de se exigir um aumento de prego superior ao dobro, era bastante complexo, como decorre da leitura dos n.° 2 e 4 do artigo 58.° Por certo seria um sistema sem qualquer possibilidade de efectivaçáo.

    O CDADC foi, no entanto, ¡mediatamente revisto após a sua entrada em vigor, dada a sua notoria imperfeiçáo e os protestos dos círculos especializados, tendo sido substancialmente modificado e melhorado pela Lei 45/85, de 17 de Setembro (8).

    Entre as modificaçóes conta-se a alteraçáo do regime do direito de sequéncia, que passa a estar previsto no artigo 54.° CDADC.

    A alteraçáo fundamental resulta do facto de termos passado de um sistema de direito de sequéncia baseado na maisvalia para um sistema de direito de sequéncia cobrado sobre o pre§o da transac§áo. Embora a doutrina nao seja unánime quanto a interpretado do artigo, dada a forma infeliz como está redigido, parece-nos ser segura esta conclusáo em face das alterares nele introduzidas pela Lei 45/85 (9). Note-se que esta era, alias, a soluçáo proposta no projecto final do Código (10).

    É o seguinte o teor do artigo 54.° CDADC, sob a epígrafe «Direito de Sequéncia»:

    1. O autor que tiver alienado obra de arte original que nao seja de arquitectura nem de arte aplicada, manuscrito seu ou o direito de autor sobre obra sua tem direito a urna participado de 6 % sobre o prego de cada transacçáo.

    2. Se duas ou mais transacQÓes foram realizadas num período de tem-po inferior a dois meses ou em período mais alargado, mas de modo a presumir-se que houve intençáo de frustrar o direito de participado do autor, o acréscimo de prego mencionado no número anterior será calculado por referencia apenas á última transacçáo.

    3. O direito referido no n.° 1 deste artigo é inalienável, irrenunciável e imprescritível.

    4. Ao prego da transacçáo para efeitos de atribuiçáo do direito de participado e de fixaçáo do seu montante seráo abatidas as despesas com-provadas relativas á publicidade, representado e outras semelhantes feitas na promoçáo e venda da obra e o...

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